O Concílio Vaticano II foi realmente profético (Parte 1)

Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero concede entrevista exclusiva

Por Antonio Gaspari

ROMA, segunda-feira, 08 de outubro de 2012(ZENIT.org)Publicamos a seguir entrevista exclusiva concedida à ZENIT pelo Cardeal Mauro Piacenza, Prefeito da Congregação para o Clero, em vista do 50° aniversario da abertura do Concilio Vaticano II.

ZENIT: Eminência, com esta entrevista a Zenit pretende inaugurar uma série de contribuições para o Ano da Fé, tendo em vista o Concílio Vaticano II, em ocasião do seu 50º aniversário. Por que tanto debate sobre este evento eclesial?

Card.Piacenza:O debate é sempre positivo, porque é um sinal de vitalidade e vontade de aprofundar; e se o tema do debate não é exclusivamente humano, mas um Concílio Ecumênico, ou seja, um evento humano e sobrenatural, pois é o Espírito Santo que conduz a Igreja à progressiva e plena compreensão da única Verdade revelada, então não surpreende que a compreensão dos ditames conciliares requeiram décadas de discussões – e até mesmo de debates – sempre no sulco da escuta daquilo que o Espírito Santo quis dizer à Igreja naquele extraordinário momento.

ZENIT: Qual deveria ser um justo posicionamento diante do Concílio?

Card.Piacenza: Aquele de escuta! O Concílio Ecumênico Vaticano II foi o primeiro Concílio da “mídia”, cujas dinâmicas fisiológicas de confronto e respectivos textos foram imediatamente divulgados pelos meios de comunicação, que não captou sempre a sua verdadeira expressão e, com frequência, orientou para uma compreensão mundanizante. Creio que seja particularmente interessante – e, talvez, necessário – retomar, ou melhor, buscar uma autêntica escuta daquilo que o Espírito Santo quis dizer à toda a Igreja através dos Padres conciliares. Tal dinâmica de aprofundamento, este “justo posicionamento” realiza-se através da leitura direta dos textos. É a partir desta leitura que se pode inferir o autêntico espírito do Concílio, a sua exata localização dentro da história eclesial e a gênese editorial.

ZENIT: Algumas escolhas, também do Magistério, às vezes parecem que vão “contra” o Concílio.

Card.Piacenza:Basta considerar os pronunciamentos do Magistério autêntico pós-Conciliar, em sua dimensão universal, para constatar que isto não ocorreu. Entretanto, outra questão é favorecer uma correta recepção das decisões conciliares, esclarecer o significado de determinadas afirmações e, às vezes, corrigir devidamente interpretações unilaterais, ou até mesmo erradas, artificialmente introduzidas por quem lê os eventos pneumáticos eclesiais com lentes exclusivamente humanas e historicistas. O serviço eclesial do Magistério, que tem suas próprias raízes na explícita Vontade divina, prepara os Concílios Ecumênicos, neles atua com sua máxima expressão e, nas intervenções sucessivas, a eles obedecem, favorecendo uma correta recepção.

ZENIT: O que realmente significa a “hermenêutica da continuidade” de que fala o Santo Padre?

Card.Piacenza: Segundo aquilo que foi explicitamente indicado pelo Santo Padre, é o único modo de ler e de interpretar todo Concílio Ecumênico e, portanto, também o Concílio Vaticano II. A continuidade do único Corpo eclesial, antes de ser um critério hermenêutico, ou seja, de interpretação dos textos, é uma realidade teológica que tem suas raízes no ato de fé que nos faz professar: “Creio na Igreja Una”. Por esta razão não é possível pensar numa espécie de dicotomia entre o pré e o pós Concílio Vaticano II. Certamente deve ser reprovado o posicionamento de quem vê no Concílio Ecumênico Vaticano II um “novo início” da Igreja e também daqueles que vêem a “verdadeira Igreja” somente antes deste Concílio histórico. Ninguém pode, arbitrariamente, decidir se e quando inicia a “verdadeira Igreja”. Nascida do costado de Cristo e corroborada pela efusão do Espírito em Pentecostes, a Igreja é Una e Única, até a consumação da história, e a comunhão que nela se realiza é para a eternidade.

Alguns sustentam que a hermenêutica da reforma na continuidade seja somente uma das possíveis hermenêuticas, juntamente com aquela da descontinuidade e da ruptura. O Santo Padre recentemente definiu como inaceitável a hermenêutica da descontinuidade (Audiência à Assembléia Geral da Conferência Episcopal Italiana, 24 de maio de 2012). Além disso, trata-se de algo óbvio, caso contrário não se seria católicos e se injetaria como que um germe de infecção e de uma progressiva decadência; se provocaria, igualmente, um grave dano ao ecumenismo.

ZENIT: Mas é possível que seja tão difícil compreender esta realidade?

Card.Piacenza: Sabes melhor do que como a compreensão, também de realidades evidentes, possa ser condicionada por aspectos emotivos, biográficos, culturais e, até mesmo, ideológicos. É humanamente compreensível que quem viveu durante sua juventude, o legítimo entusiasmo que gerou o Concílio, desejoso de superar certas “obstruções” – que deveriam necessária e urgentemente serem tiradas da Igreja – possa interpretar como perigo de “traição” do Concílio toda expressão que não coadune com o mesmo “estado emotivo”. É necessário, para todos, um salto radical de qualidade na aproximação dos textos conciliares, para que se compreenda, depois de meio século daquele evento extraordinário, o que realmente o Espírito Santo sugeriu e sugere à Igreja. Cristalizar o Concílio na sua necessária, mas insuficiente, “dimensão entusiástica” equivale a não desenvolver um bom serviço ao trabalho de recepção do Concílio, que permanece quase paralisada, pois com o passar dos anos pode-se afrontar e se podem compartilhar avaliações sobre os textos objetivos, mas não sobre os estados emotivos e sobre os entusiasmos historicamente assinalados.

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