“O nome de Deus é misericórdia” – síntese

2016-01-12 Rádio Vaticana

 

 

 

 

 

 

Cidade do Vaticano (RV) – A misericórdia é “a carteira de identidade” de Deus, afirma o Papa Francisco, no livro-entrevista “O nome de Deus é misericórdia”, nas livrarias italianas a partir desta terça-feira, 12. A obra é uma compilação de uma conversa entre o Pontífice e o vaticanista do jornal italiano “La Stampa”, Andrea Tornielli, e coordenador do site “Vatican Insider”. Dividido em nove capítulos e 40 perguntas, o livro – editado pela Piemme – tem a capa autografada pelo Papa Francisco. A primeira cópia do volume, em italiano, foi entregue ao Pontífice na tarde de segunda-feira, 11, na Casa Santa Marta.

Entrevista gravada em julho de 2015

Julho de 2015, Casa Santa Marta. O Papa Francisco recém havia retornado de sua viagem apostólica ao Equador, Bolívia e Paraguai. É uma tarde abafada quando recebe o jornalista Andrea Tornielli, munido de três gravadores. Diante de si, sobre uma pequena mesa, o Santo Padre tem uma Bíblia e um livro com citações dos Padres da Igreja. A misericórdia é o tema da conversa que nasce entre os dois, em vista do Jubileu Extraordinário que foi aberto cinco meses após. Hoje, os frutos daquele diálogo estão compilados no livro “O nome de Deus é misericórdia”.

Capítulo I – É o tempo da misericórdia

Oração, reflexão sobre os Pontífices precedentes e uma imagem da Igreja como “hospital de campanha”, que “aquece os corações das pessoas com a proximidade”. São estes os três fatores – explica o Papa – que o impeliram a convocar o Jubileu da Misericórdia. “A nossa época é um tempo oportuno” por isto – observa – porque hoje se vive um duplo drama: perdeu-se o sentido do pecado, e ele é considerado também incurável, imperdoável. Por isto, a humanidade ferida por tantas “doenças sociais” – pobreza, exclusão, escravidão do terceiro milênio, relativismo – tem necessidade de misericórdia, desta “carteira de identidade de Deus”, daquele que “permanece sempre fiel”, mesmo que o pecador o renegue.

A graça da vergonha torna o pecador consciente do pecado

Também é central neste primeiro capítulo a reflexão do Papa sobre o tema da vergonha, entendida como “uma graça”, porque torna o pecador consciente do próprio pecado. Em particular, a ênfase ao assim chamado “apostolado da escuta”, ou seja, a capacidade dos confessores de “ouvir com paciência”, pois hoje as pessoas “buscam sobretudo alguém que esteja disposto a doar o próprio tempo para escutar os seus dramas e as suas dificuldades”. Entre outras coisas – observa – é por isto que tantos procuram os quiromantes. O Pontífice destaca, ademais, “que se o confessor não pode absolver, dê alguma bênção, mesmo sem absolvição sacramental”, porque “o amor de Deus existe também para quem não está na disposição de receber o Sacramento”.

A grande responsabilidade de ser confessor

“Tenham ternura com estas pessoas – recomenda o Papa aos sacerdotes – não as afastem”, porque “as pessoas sofrem” e “ser confessor é uma grande responsabilidade”. A este respeito, o Pontífice cita o caso de sua sobrinha: “Eu tenho uma sobrinha que casou no civil com um homem, antes que pudesse ter o processo de nulidade matrimonial. Este homem era tão religioso, que todos os domingos, quando ia à missa, ia ao confessionário e dizia ao sacerdote: “Eu sei que o senhor não pode me absolver, mas pequei nisto e naquilo, me dê uma bênção”. Este é um homem religiosamente formado”.

Capítulo II – Confissão não é lavanderia, nem tortura. Ouvir, não interrogar

Além disto, se vai ao confessionário “não para ser julgado”, mas para “alguma coisa maior do que o juízo: para o encontro com a misericórdia” de Deus, sem a qual “o mundo não existiria”. Por isto – enfatiza Francisco – o confessionário não deve ser “nem uma lavanderia”, onde se lava o pecado a seco, como uma simples mancha, nem “uma sala de tortura”, onde se depara com “o excesso de curiosidade” de alguns confessores, curiosidades às vezes “um pouco doentias”, mórbidas, que transformam a confissão em um interrogatório.

Capítulo 3 – Reconhecer-se pecador. Um coração em pedaços é uma oferta agradável a Deus

Pelo contrário, “no diálogo com o confessor é necessário ser ouvidos, não interrogados”. Neste sentido, o sacerdote deve “aconselhar com delicadeza”. Mas para obter a misericórdia de Deus – reitera novamente Francisco – é importante reconhecer-se pecador, porque “o coração em pedaços é uma oferta agradável ao Senhor, é o sinal de que estamos conscientes de nossa necessidade de perdão, de misericórdia”. O Papa recorda, depois, que a misericórdia de Deus é “infinitamente maior do que o nosso pecado”, porque o Senhor “nos primeireia”, “antecipa-se a nós, nos espera” com o seu perdão, com a sua graça”. “Somente o fato de uma pessoa ir ao confessionário – explica – indica de que já existe um início de arrependimento”. E às vezes vale mais “a presença desajeitada e humilde de um penitente que tem dificuldade em falar, do que as tantas palavras de alguém que descreve o seu arrependimento”.

Capítulo IV – Também o Papa tem necessidade da misericórdia de Deus

O Papa define-se como “um homem que tem necessidade da misericórdia de Deus” e dá alguns conselhos ao penitente e ao confessor: ao penitente, sugere que não seja soberbo, mas que olhe “com sinceridade a si mesmo e ao próprios pecados”, para assim receber o dom da misericórdia de Deus. Aos confessores, por sua vez, Francisco sugere a pensarem, antes de tudo, nos próprios pecados e depois, ouvirem “com ternura”, sem “atirar nunca a primeira pedra”, mas procurando “assemelhar-se a Deus na sua misericórdia”. Como modelo, o Pontífice cita o pai que vai de encontro ao filho pródigo e o abraça, antes ainda que o jovem admita os seus pecados. “Este é o amor de Deus – sublinha o Papa – esta é a superabundância da misericórdia”.

Capítulo V – A Igreja condena o pecado, mas abraça o pecador

E para aqueles que afirmam que na Igreja existe “muita misericórdia”, o Papa responde sublinhando que “a Igreja condena o pecado”, mas “ao mesmo tempo abraça o pecador que se reconhece como tal, fala a ele da misericórdia de Deus”. É necessário perdoar “setenta vezes sete”, isto é, sempre”, enfatizou o Pontífice, porque “Deus é um pai cuidadoso, atento, pronto em acolher qualquer pessoa que dê um passo ou que tenha o desejo de dar um passo” em direção a ele, e “nenhum pecado humano, por mais grave que seja, pode prevalecer sobre a misericórdia e limitá-la”. A Igreja, portanto, “não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus”.

Igreja deve estar “em saída”, ser “hospital de campanha” para os necessitados de perdão

Para fazer isto, porém, ela deve ser “Igreja em saída”, “hospital de campanha que vai de encontro aos tantos “feridos” necessitados de escuta, compreensão, perdão, amor”. É importante, de fato, “acolher com delicadeza aqueles que estão diante de nós, não ferir a sua dignidade”, afirma o Santo Padre, citando uma experiência pessoal, que remonta aos tempos em que era pároco na Argentina: uma mulher que se prostituía para manter os seus filhos, agradeceu a ele por sempre trata-la por “Senhora”.

Capítulo VI – Não lamber as feridas do pecado, mas ir em direção a Deus

Francisco também chama a atenção para a atitude de quem desespera “pela possibilidade de ser perdoado” e prefere lamber as feridas do pecado, impedindo de fato a cura. “Esta é uma doença narcisista que leva à amargura”, observa o Papa, em que se encontra “um prazer na amargura, um prazer doentio”. Pelo contrário, “o remédio existe”: basta somente dar um passo em direção a Deus ou ao menos ter o desejo de dar este passo, “assumindo a própria condição”, sem crer-se “autossuficiente” e sem esquecer as nossas origens, “a lama de onde fomos tirados, o nosso nada”. E isto “vale sobretudo para os consagrados”, sublinha. Na vida, de fato, o importante não é “não cair nunca”, mas sim, “levantar-se sempre”. Esta, então, é a missão da Igreja. “Que as pessoas percebam que sempre é possível recomeçar se permitimos que Jesus nos perdoe”.

Delicadeza e não marginalização das pessoas homossexuais

Respondendo, depois, a uma pergunta sobre pessoas homossexuais, o Papa explica o que afirmou em 2013, durante a coletiva de imprensa no avião que o trazia de retorno do Rio de Janeiro, isto é, “se uma pessoa é gay, busque o Senhor e tenha boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. “Eu havia parafraseado de memória o Catecismo da Igreja Católica – pondera – onde explica que estas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas”. O Papa aprecia a expressão “pessoa homossexual” porque, explica, “antes existe a pessoa, na sua totalidade e dignidade”, que “não é definida somente pela sua tendência homossexual”. “Eu prefiro que as pessoas homossexuais venham confessar-se, que permaneçam próximas ao Senhor, que se possa rezar juntos”, acrescentou.

Misericórdia é doutrina,  é o primeiro atributo de Deus

Quanto à relação entre verdade, doutrina e misericórdia, Francisco explica: “Eu amo antes dizer: a misericórdia é verdadeira”, “é o primeiro atributo de Deus”. “Depois se podem fazer reflexões teológicas sobre doutrina e misericórdia – acrescenta – mas sem esquecer de que a misericórdia é doutrina”. A este propósito, o Papa cita “os doutores da lei, os principais opositores de Jesus, que o desafiam em nome da doutrina”. Eles seguem uma lógica de pensamento e de fé que olha “ao medo de perder os justos, os já salvos”. Jesus, pelo contrário, segue outra lógica: aquela que redime o pecado, acolhe, abraça, transforma o mal em bem, a condenação em salvação. É a lógica de um Deus que é amor – explica o Papa – um Deus que quer a salvação de todos os homens, que não se detém “em estudar a situação em uma mesinha”, avaliando os prós e os contras. Para o Senhor, o que conta realmente é “alcançar os afastados e salvá-los”, curar e integrar “os marginalizados que estão fora” da sociedade.

Lógica de Deus é lógica do amor que escandaliza os “doutores da lei”

Certamente – sublinha Francisco – esta lógica pode escandalizar, antes como agora, provocando “o resmungo” de quem está habituado aos próprios “esquemas mentais e à própria pureza ritualística”, ao invés de “deixar-se surpreender” por um amor maior. Pelo contrário, é precisamente esta lógica o caminho que o Senhor nos indica diante das pessoas que “sofrem no físico e no espírito”, para vencer assim “preconceitos e rigidezes” e evitar de julgar e condenar “do alto da própria segurança”. Ir em direção aos marginalizados e aos pecadores – prossegue Francisco – não significa permitir aos lobos que entrem no rebanho, mas sim procurar alcançar todos, testemunhando a misericórdia, sem nunca cair na tentação de sentir-se “os justos ou os perfeitos”.

Adesão formal às regras leva à degradação do estupor

Quem se descobre “doente na alma”, de fato, deve encontrar portas abertas, não fechadas; acolhida, não julgamento ou condenação; ajuda, não marginalização. Os cristãos que “apagam aquilo que o Espírito acende no coração de um pecador”, avalia Francisco, são como os doutores da lei, “sepulcros caiados” que, com a hipocrisia, viviam apegados à letra da lei, sabiam somente fechar portas, colocar limites, mas negligenciavam o amor. Se prevalece a adesão formal às regras – chama a atenção o Papa – então se verifica “a degradação do estupor”, ou seja, se maravilha menos diante da salvação trazida por Deus, e isto nos leva a acreditar “conseguirmos fazer sozinhos, sermos nós os protagonistas”. Este comportamento “é a base do clericalismo” e leva os ministros de Deus a acreditarem-se como “donos da doutrina, titulares de um poder”.

Lei da Igreja é inclusiva, não exclusiva

A Igreja não deve nunca ser assim – afirma o Papa – não deve ter o comportamento de quem impõe “fardos pesados” nas costas das pessoas. “Para algumas pessoas rígidas – disse – faria bem uma escorregada, porque assim, reconhecendo-se pecadores, encontrariam Jesus”. “A grande lei da Igreja, de fato, é aquela do et et e não aquela do aut aut”. A este propósito Francisco cita exemplos negativos, como os cinquenta mil dólares pedidos a uma mulher por um processo de nulidade matrimonial ou como o funeral em uma igreja, recusado a uma criança, por esta não ser batizada.

Capítulo VII – Corrupção, um pecado elevado à sistema. Pecadores sim, corruptos não!

Ampla, após, a reflexão de Francisco sobre a corrupção, definida como “o pecado elevado à sistema, que tornou-se um hábito mental, um modo de viver”. O corrupto peca e não se arrepende – diz o Papa – finge ser cristão e com a sua vida dupla provoca escândalo, acredita não precisar mais pedir perdão, passa a vida em meio aos atalhos do oportunismo, ao preço da dignidade sua e dos outros. Com o seu “rosto de santinho”, o corrupto evade os impostos, dispensa os funcionários para não assumi-los definitivamente, explora o trabalho informal e depois se vangloria de suas espertezas com os amigos ou até mesmo vai à missa no domingo, mas depois usa o suborno no trabalho. E “frequentemente não se dá conta de seu estado” como “quem tem a respiração pesada”. “Pecadores sim, corruptos não!” – exorta o Papa – convidando a rezar, durante o Jubileu, para que Deus abra brechas nos corações do corruptos, dando a eles “a graça da vergonha”.

Justiça não basta por si só, é necessária a misericórdia

Após, o Pontífice recorda que a misericórdia “é um elemento indispensável”, para que exista fraternidade entre os homens. A justiça, por si só, de fato, não basta: com a misericórdia, Deus vai além da justiça, “a engloba e a supera” no amor. “Não existe justiça sem perdão – disse ainda Francisco, no fulcro de João Paulo II – e a capacidade de perdão está na base de todo projeto de uma sociedade futura, mais justa e solidária. E não somente: “a misericórdia contagia a humanidade” e isto se reflete “na justiça terrena, nas normas jurídicas”. Basta pensar à crescente rejeição da pena de morte que se registra a nível mundial.

Família, primeira escola de misericórdia

“Com a misericórdia a justiça é mais justa” – sublinha ainda Francisco – enfatizando que isto não significa “ser exageradamente condescendente, escancarar as portas das prisões a quem se manchou com crimes graves”, mas sim ajudar a quem caiu a levantar-se, porque Deus “perdoa tudo”, “realiza milagres também com a nossa miséria” e a sua misericórdia “será sempre maior do que qualquer pecado”, tanto que ninguém pode colocar um limite a ela. O Pontífice recorda, após, que a família “é a primeira escola da misericórdia”, pois nela “se é amado e se aprende a amar, se é perdoado e se aprende a perdoa”.

Capítulo VIII – A compaixão vence a globalização da indiferença

Quanto às características do amor infinito de Deus, o Papa Bergoglio recordou que Deus nos ama com compaixão e misericórdia; a primeira tem um rosto mais humano. A segunda, por sua vez, é divina. De fato, Jesus não olha à realidade a partir do exterior, “como se tirasse uma fotografia”, mas “deixa-se envolver”. Hoje existe necessidade desta compaixão – explica –  e existe necessidade dela para vencer “a globalização da indiferença”.

Capítulo IX – Praticar obras de misericórdia. Está em jogo a credibilidade dos cristãos

Na conclusão do livro-entrevista, o Papa coloca o foco nas obras de misericórdia, corporais e espirituais: “São atuais e sempre válidas – diz – estão na base do exame de consciência e ajudam a abrir-se à misericórdia de Deus”. Disto, vem a exortação a servir Jesus “em toda pessoa marginalizada”, excluída, faminta, sedenta, nua, prisioneira, doente, desempregada, perseguida, refugiada. Na acolhida do marginalizado, ferido no corpo, e do pecador, ferido na alma, joga-se, de fato, “a credibilidade dos cristãos”, conclui o Pontífice. Porque no fundo, como dizia São João da Cruz, “no anoitecer da vida, seremos julgado no amor”. (JE)

(from Vatican Radio)

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