Ano da fé: caminhos para conhecer a Deus

Palavras de Bento XVI na Audiência Geral de quarta-feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 14 de novembro de 2012(ZENIT.org) – Apresentamos as palavras da catequese de Bento XVI pronunciadas durante a tradicional Audiência Geral na sala Paulo VI, no Vaticano.

Queridos irmãos e irmãs,

Na quarta-feira passada, refletimos sobre o desejo de Deus que o ser humano traz no profundo da alma. Hoje, eu gostaria de continuar a aprofundar este aspecto, meditando brevemente, com vocês, sobre alguns caminhos para chegarmos ao conhecimento de Deus.

Devo mencionar, entretanto, que a iniciativa de Deus sempre precede qualquer ação do homem, e, mesmo no caminho rumo a Ele, é Ele quem primeiro nos ilumina, nos orienta e nos conduz, respeitando sempre a nossa liberdade. E é sempre Ele quem nos faz entrar na sua intimidade, revelando-se e doando-nos a graça para acolher essa revelação na fé. Não nos esqueçamos, nunca, da experiência de Santo Agostinho: não somos nós que chegamos a possuir a verdade quando a procuramos, mas é a Verdade quem nos procura e nos possui.

Existem vias, porém, que podem abrir o coração do homem ao conhecimento de Deus. Há sinais que levam a Deus. É claro que, muitas vezes, corremos o risco de ser ofuscados pelo brilho do mundano, que nos torna menos capazes de percorrer essas rotas e de ler esses sinais. Mas Deus não se cansa de olhar para nós, é fiel ao homem que criou e redimiu, permanece perto das nossas vidas, porque nos ama. Esta é uma certeza que deve nos acompanhar todos os dias, ainda que certas mentalidades difusas tornem mais difícil para a Igreja e para o cristão comunicar a alegria do Evangelho a toda criatura e levar a todos ao encontro com Jesus, o único Salvador do mundo. Esta, no entanto, é a nossa missão, a missão da Igreja; e cada crente deve vivê-la com alegria, sentindo-a como sua própria, através de uma vida verdadeiramente animada pela fé, marcada pela caridade, pelo serviço a Deus e aos outros, e capaz de irradiar esperança. Esta missão brilha especialmente na santidade, à qual todos nós somos chamados.

Hoje, como sabemos, não faltam dificuldades e provações para a fé, muitas vezes mal compreendida, desafiada, rejeitada. São Pedro disse aos seus cristãos: “Estai sempre prontos a responder, mas com mansidão e respeito, a quem vos pedir razões da esperança que vos habita o coração” (1 Pd 3,15). No passado, no Ocidente, em uma sociedade considerada cristã, a fé era o ambiente em que tudo se desenrolava. A referência e a adesão a Deus, para a maioria das pessoas, fazia parte da vida cotidiana. Quem não acreditava era quem tinha que justificar a sua descrença. Em nosso mundo, a situação mudou e, cada vez mais, quem acredita precisa ser capaz de dar razões da sua fé.

O beato João Paulo II, na encíclica Fides et Ratio, enfatizou que a fé é posta à prova nestes tempos, atravessados por formas sutis e insidiosas de ateísmo teórico e prático (cf. 46-47). A partir do Iluminismo, a crítica à religião se intensificou; a história foi marcada também pela presença de sistemas ateus, nos quais Deus foi considerado como uma mera projeção da mente humana, como uma ilusão e produto de uma sociedade já distorcida por tantas alienações. O século passado conheceu um forte e crescente secularismo, em nome da autonomia absoluta do homem, considerado como medida e artífice da realidade, mas empobrecido em seu ser criado “à imagem e semelhança de Deus”.

O nosso tempo verifica um fenômeno particularmente perigoso para a fé: há uma forma de ateísmo que se define, precisamente, como “prático”, que não nega as verdades da fé nem os rituais religiosos, mas, simplesmente, os considera irrelevantes para a existência cotidiana, desarraigados da vida, inúteis. Muitas vezes, portanto, acredita-se em Deus de modo superficial, e se vive “como se Deus não existisse” (etsi Deus non daretur). No final, porém, este modo de vida é ainda mais destrutivo, porque leva à indiferença quanto à fé e quanto à questão de Deus.

Na realidade, o homem separado de Deus se reduz a uma única dimensão, a horizontal, e esse reducionismo é justamente uma das causas fundamentais dos totalitarismos que tiveram consequências trágicas no século passado, bem como da crise de valores que testemunhamos na realidade atual. Obscurecendo a referência a Deus, foi obscurecido também o horizonte ético, para dar espaço ao relativismo e a uma concepção ambígua de liberdade, que, em vez de ser libertadora, acaba por amarrar o homem a ídolos. As tentações que Jesus enfrentou no deserto, antes do seu ministério público, representam bem os “ídolos” que fascinam o homem quando ele não vai além de si mesmo. Quando Deus perde a centralidade, o homem perde o seu lugar, não encontra mais o seu lugar na criação, no relacionamento com os outros. Não feneceu o que a sabedoria antiga evocava com o mito de Prometeu: o homem pensa que pode se tornar “deus”, mestre da vida e da morte.

Diante deste quadro, a Igreja, fiel a Cristo, não deixa jamais de afirmar a verdade sobre o homem e sobre o seu destino. O concílio Vaticano II afirma de forma sucinta: “A razão mais alta da dignidade do homem consiste na sua vocação à comunhão com Deus. Desde o seu nascimento, o homem já está convidado a conversar com Deus. Ele não existe, aliás, a não ser porque, criado por Deus por amor, é mantido por Ele também por amor, nem pode viver plenamente segundo a verdade se não o reconhecer livremente e não se confiar ao seu Criador “(Gaudium et Spes, 19).

Que respostas, então, deve dar a fé, com “mansidão e respeito”, ao ateísmo, ao ceticismo e à indiferença para com a dimensão vertical, a fim de que o homem do nosso tempo continue se questionando sobre a existência de Deus e percorrendo os caminhos que levam a Ele?

Eu gostaria de mencionar alguns aspectos, resultantes tanto da reflexão natural quanto da força da fé. Gostaria, muito brevemente, de resumi-los em três palavras: o mundo, o homem, a fé.

Primeiro: o mundo. Santo Agostinho, que em sua vida procurou durante muito tempo pela verdade e foi agarrado pela Verdade, tem uma página belíssima e célebre, em que declara: “Interroga a beleza da terra, do mar, do ar rarefeito que se expande por toda parte; interroga a beleza do céu… interroga essas realidades todas. Todas te responderão: olha-nos bem e vê como somos bonitas. Sua beleza é um hino de louvor. Ora, tão lindas criaturas, ainda que mutáveis, quem as fez, se não aquele que é a beleza imutável?” (Sermão 241, 2: PL 38, 1134). Acredito que precisamos recuperar e restaurar em nossos contemporâneos a capacidade de contemplar a criação, a sua beleza, a sua estrutura. O mundo não é um magma informe; quanto mais o conhecemos, mais descobrimos nele os mecanismos maravilhosos, mais vemos nele um desígnio, mais vemos a marca de uma inteligência criativa. Albert Einstein disse que nas leis da natureza “vem a revelar-se uma razão tão superior que toda a racionalidade do pensamento e dos ordenamentos humanos é, perante ela, apenas um reflexo insignificante” (O mundo como eu o vejo, Roma, 2005). Um primeiro caminho, pois, que leva à descoberta de Deus, é contemplar com olhos atentos a criação.

Segundo: o homem. Santo Agostinho, de novo, nos propõe uma frase famosa em que diz que “Deus está mais perto de mim do que eu de mim mesmo” (cf. Confissões, III, 6, 11). É a partir desta frase que ele formula o convite: “Não vás para fora de ti mesmo, mas torna dentro de ti: é no homem interior que habita a verdade” (A verdadeira religião, 39, 72). Este é outro aspecto que corremos o risco de perder de vista no mundo barulhento e dispersivo em que vivemos: a capacidade de parar e de olhar profundamente para dentro de nós mesmos e ler aquela sede de infinito que faz parte de nós, que nos empurra para mais longe e nos remete a Alguém que a pode saciar. O Catecismo da Igreja Católica afirma: “Com a sua abertura à verdade e à beleza, com o seu senso do bem moral, com a sua liberdade e com a voz da sua consciência, com a sua aspiração ao infinito e à felicidade, o homem se interroga sobre a existência de Deus” (nº 33).

Terceiro: a fé. Especialmente na realidade dos nossos dias, não devemos esquecer que um caminho para o conhecimento e para o encontro com Deus é a vida de fé. Quem acredita está unido com Deus, aberto à sua graça, ao poder do amor. Assim, a sua existência se torna testemunha não de si mesma, e sim do Ressuscitado, e a sua fé não tem medo de se mostrar na vida cotidiana, de se abrir ao diálogo que expressa profunda amizade pela estrada de cada homem, e sabe acender luzes de esperança aos precisados de resgate, de futuro e de felicidade. A fé é um encontro com Deus, que fala e que age na história e que converte a nossa vida diária, transformando a nossa mente, os nossos juízos de valor, as nossas escolhas e as nossas ações concretas. Não é ilusão, escapismo, refúgio cômodo, sentimentalismo, mas envolvimento de toda a vida, anúncio do Evangelho, Boa Nova que pode libertar o homem todo. Um cristão, uma comunidade diligente e fiel ao plano de Deus, que nos amou primeiro, são uma via privilegiada para os indiferentes e para os hesitantes quanto à sua existência e ao seu agir. Isto pede que cada um torne mais transparente o próprio testemunho de fé, purificando a vida para adequá-la a Cristo. Hoje, muitos têm uma concepção limitada da fé cristã, porque a identificam com um mero sistema de crenças e de valores e não com a verdade do Deus revelado na história, desejoso de se comunicar com o homem face a face, numa relação de amor com ele. Na verdade, como fundamento de toda a doutrina e valor, temos o acontecimento do encontro entre o homem e Deus em Cristo Jesus. Ocristianismo, antes de moral ou de ética, é um evento do amor, é o aceitar a pessoa de Jesus. Por esta razão, o cristão e as comunidades cristãs devem olhar e fazer olhar em primeiro lugar para Cristo, o verdadeiro Caminho que conduz a Deus.

(Trad.ZENIT)

O homem traz consigo um irreprimível desejo de Deus

Bento XVI continua suas reflexões sobre o Ano da Fé

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 14 de novembro de 2012(ZENIT.org) – O Papa Bento XVI durante a audiência geral realizada na Sala Paulo VI, nesta manhã, continuou suas reflexões sobre o Ano da Fé. Apresentamos a seguir o resumo de suas palavras.

O homem traz consigo um irreprimível desejo de Deus, por isso é necessário ver as vias que nos levam ao conhecimento d’Ele. De fato, em uma sociedade em que o ateísmo, ceticismo e indiferentismo não cessam de questionar e pôr à prova a fé, é importante afirmar que existem sinais que abrem o coração do homem e o levam para Deus. Queria acenar algumas vias que derivam seja da reflexão natural, seja da própria força da fé e que poderiam ser resumidas em três palavras: o mundo, o homem e a fé. O mundo: contemplando a beleza, a estrutura da criação, podemos ver que existe por detrás dela uma inteligência, que é Deus. O homem: olhando para o íntimo de nós mesmos, nos damos conta que possuímos uma sede de infinito que nos impele a avançar sempre mais na direção de Deus, o único capaz de nos saciar. Enfim, a vida da fé: ela é encontro com Deus que nos fala, intervém na história e nos transforma.

 

É na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece

Bento XVI prossegue a catequese sobre a fé durante a Audiência Geral

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 31 de outubro de 2012(ZENIT.org) – Apresentamos a catequese do Papa Bento XVI sobre a fé, dirigida aos fiéis e peregrinos reunidos na Praça de São Pedro para a tradicional Audiência Geral de quarta-feira.

Queridos irmãos e irmãs,

Continuamos no nosso caminho de meditação sobre a fé católica. Na semana passada mostrei como a fé é um dom, porque é Deus quem toma a iniciativa e vem ao nosso encontro; e assim a fé é uma resposta com a qual nós O acolhemos como fundamento estável da nossa vida. É um dom que transforma a existência, porque nos faz entrar na mesma visão de Jesus, que opera em nós e nos abre ao amor a Deus e aos outros.

Hoje gostaria de dar outro passo em nossa reflexão, começando mais uma vez, por algumas perguntas: a fé tem um caráter somente pessoal, individual? Interessa somente a minha pessoa? Vivo a minha fé sozinho? Certo, o ato de fé é um ato eminentemente pessoal, que vem do íntimo mais profundo e sinaliza uma troca de direção, uma conversão pessoal: é a minha existência que recebe uma mudança, uma orientação nova. Na Liturgia do Batismo, no momento das promessas, o celebrante pede para manifestar a fé católica e formula três perguntas: crês em Deus Paionipotente? Crês em Jesus Cristoseu único Filho? Crês no Espírito Santo? Antigamente, estas perguntas eram voltadas pessoalmente àqueles quem iriam receber o Batismo, antes que se imergisse por três vezes na água. E também hoje a resposta é no singular: ‘Creio’.Mas este meu crer não é resultado de uma reflexão minha, solitária, não é o produto de um pensamento meu, mas é fruto de uma relação, de um diálogo, no qual tem um escutar, um receber e um responder; é o comunicar com Jesus que me faz sair do meu “eu” fechado em mim mesmo para abrir-me ao amor de Deus Pai. É como um renascimento no qual me descubro unido não somente a Jesus, mas também a todos aqueles que caminharam e caminham pela mesma via; e este novo nascimento, que inicia com o Batismo, continua por todo o percurso da existência.Não posso construir a minha fé pessoal em um diálogo privado com Jesus, porque a fé é doada a mim por Deus através de uma comunidade que crê que é a Igreja e me insere assim na multidão dos crentes em uma comunhão que não é somente sociológica, mas enraizada no amor eterno de Deus, que em Si mesmo é comunhão do Pai, do Filho e do Espírito Santo, é Amor trinitário. A nossa fé é realmente pessoal, somente se é também comunitária: pode ser a minha fé somente se vive e se move no “nós” da Igreja, só se a nossa fé é, a fé comum da única Igreja.

Aos domingos, na Santa Missa, recitando o “Credo”, nós nos expressamos em primeira pessoa, mas confessamos comunitariamente a única fé da Igreja. Aquele “credo” pronunciado singularmente nos une àquele de um imenso coro no tempo e no espaço, no qual cada um contribui, por assim dizer, a uma harmoniosa polifonia na fé. O Catecismo da Igreja Católica resume de modo claro assim: “‘Crer’ é um ato eclesial. A fé da Igreja antecede, gera, sustenta e nutre a nossa fé. A Igreja é a Mãe de todos os crentes. ‘Ninguém pode dizer que tem Deus como Pai, se não tem a Igreja como Mãe’ [são Cipriano]” (n. 181). Então, a fé nasce na Igreja, conduz a essa e vive nessa. Isso é importante recordar. 

Nos começos da aventura cristã, quando o Espírito Santo desce com potência sobre os discípulos, no dia de Pentecoste – como narram os Atos dos Apóstolos (cfr 2, 1-13) – a Igreja nascente recebe a força para implementar a missão confiada pelo Senhor Ressuscitado: difundir em cada canto da terra o Evangelho, a boa nova do Reino de Deus, e conduzir, assim, cada homem ao encontro com Ele, à fé que salva. Os Apóstolos superam todo o medo ao proclamar o que tinham escutado, visto e experimentado pessoalmente com Jesus. Pela potência do Espírito Santo, começam a falar em línguas novas, anunciando abertamente o mistério do qual foram testemunhas. Nos Atos dos Apóstolos nos vem relatado o grande discurso que Pedro pronuncia exatamente no dia de Pentecoste. Ele parte de uma passagem do profeta Joel (3, 1-5), referindo-se a Jesus, e proclamando o núcleo central da fé cristã: Aquele que tinha beneficiado todos, que tinha sido creditado por Deus com milagres e grandes sinais, foi pregado na cruz e morto, mas Deus o ressuscitou dos mortos, constituindo-lhe Senhor e Cristo. Com Ele entramos na salvação definitiva anunciada pelos profetas e quem invocar o seu nome será salvo (cfr At 2,17-24). Escutando estas palavras de Pedro, muitos se sentem pessoalmente desafiados, se arrependem de seus pecados e são batizados recebendo o dom do Espírito Santo (cfr At 2, 37-41). Assim começa o caminho da Igreja, comunidade que leva este anúncio no tempo e no espaço, comunidade que é o Povo de Deus fundado na nova aliança graças ao sangue de Cristo e cujos membros não pertencem a um determinado grupo social ou étnico, mas são homens e mulheres provenientes de toda nação e cultura. É um povo “católico”, que fala línguas novas, universalmente aberto a acolher a todos, além de todos os confins, quebrando todas as barreiras. Diz São Paulo: “Aqui não há grego ou judeu, circuncisão nem incircuncisão, bárbaro, cita, escravo, livre, mas Cristo é tudo em todos” (Col 3,11).

A Igreja, portanto, desde o início é o lugar da fé, o lugar da transmissão da fé, o lugar onde, pelo Batismo, se é imersa no Mistério Pascal da Morte e Ressurreição de Cristo, que nos liberta da escravidão do pecado, nos doa a liberdade de filhos e nos introduz da comunhão com o Deus Trinitário. Ao mesmo tempo, somos imersos na comunhão com os outros irmãos e irmãs de fé, com todo o Corpo de Cristo, retirados do nosso isolamento. O Concílio Ecumênico Vaticano II o recorda: “Deus quis salvar e santificar os homens não individualmente e sem qualquer ligação entre eles, mas quis constituir deles um povo, que o reconhecesse na verdade e fielmente O servisse” (Cost. dogm. Lumen gentium, 9). Recordando ainda a liturgia do Batismo, notamos que, na conclusão das promessas em que expressamos a renúncia ao mal e repetimos “creio” na verdade da fé, o celebrante declara: “Esta é a nossa fé, esta é a fé da Igreja e nós nos glorificamos de professá-la em Cristo Jesus Nosso Senhor”. A fé é virtude teologal, doada por Deus, mas transmitida pela Igreja ao longo da história. São Paulo mesmo, escrevendo aos Coríntios, afirma ter comunicado a eles o Evangelho que por sua vez também ele tinha recebido (cfr 1 Cor 15,3).

Há uma cadeia ininterrupta de vida da Igreja, de anúncio da Palavra de Deus, de celebração dos Sacramentos, que chega a nós e que chamamos de Tradição. Essa nos dá a garantia de que aquilo em que acreditamos é a mensagem original de Cristo, pregada pelos apóstolos. O núcleo do anúncio primordial é o evento da morte e ressurreição do Senhor, do qual decorre todo o patrimônio da fé. Diz o Concílio: “A pregação apostólica, que está expressa de modo especial nos livros inspirados, devia ser repassada com sucessão contínua até o fim dos tempos” (Constituição dogmática. Dei Verbum, 8). Deste modo, se a Sagrada Escritura contém a Palavra de Deus, a Tradição da Igreja a preserva e a transmite com fidelidade, para que os homens de cada época possam ter acesso a seus imensos recursos e se enriqueçam de seus tesouros de graça. Assim, a Igreja, “em sua doutrina, em sua vida e em seu culto transmite a todas as gerações tudo o que ela é, tudo em que acredita” (ibidem).

Gostaria, por fim, de ressaltar que é na comunidade eclesial que a fé pessoal cresce e amadurece. É interessante observar que no Novo Testamento, a palavra “santos” designa os cristãos no seu conjunto e, certamente, não todos tinham as qualidades para ser declarado santo pela Igreja. O que se queria indicar, então, com este termo? O fato de que aqueles que viviam a fé em Cristo ressuscitado eram chamados a se tornar um ponto de referência para todos os outros, colocando-os em contato com a Pessoa e com a Mensagem de Jesus, que revela a face do Deus vivo. E isso vale também para nós: um cristão que se deixa guiar e plasmar pouco a pouco pela fé da Igreja, apesar de suas fraquezas, suas limitações e suas dificuldades, torna-se como uma janela aberta à luz do Deus vivo, que recebe essa luz e a transmite ao mundo. O Beato João Paulo II, na Encíclica Redemptoris missio, afirmava que “a missão renova a Igreja, revigora a fé e a identidade cristã, dá novo entusiasmo e novas motivações. A fé se fortalece se doando. “(n. 2).

A tendência, hoje difundida, de relegar a fé ao âmbito privado, contradiz então, a sua própria natureza. Nós precisamos da Igreja para ter a confirmação da nossa fé e para ter experiência com os dons de Deus: a Sua Palavra, os Sacramentos, o sustento da graça e o testemunho do amor. Assim, o nosso “eu” no “nós” da Igreja poderá ser percebido, ao mesmo tempo, destinatário e protagonista de um evento que o supera: a experiência da comunhão com Deus, que estabelece a comunhão entre as pessoas. Em um mundo onde o individualismo parece regular as relações entre as pessoas, tornando-as sempre mais frágeis, a fé nos chama a ser povo de Deus, a ser Igreja, portadores do amor e da comunhão de Deus para todo gênero humano. (ver Constituição Pastoral. Gaudium et spes, 1). Obrigado pela atenção.

O Papa dirigiu a seguinte saudação em português:

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, especialmente os fiéis vindos de São Tomé e Príncipe e os grupos de brasileiros, de Imperatriz, Toledo e Guaxupé. Deixai-vos plasmar pela fé da Igreja, pois esta, apesar das dificuldades, fará de vós janelas abertas para a luz Deus, de modo que a recebendo, possais transmiti-la ao mundo. Obrigado pela vossa presença!

(Trad.MEM)

“O que significa crer hoje?”

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012 (ZENIT.org) – Apresentamos as palavras de Bento XVI dirigidas aos fiéis e peregrino reunidos na Praça de São Pedro para a tradicional audiência de quarta-feira.

Queridos irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada, com o início do Ano da Fé, comecei uma nova série de catequeses sobre a fé. E hoje gostaria de refletir com vocês sobre uma questão fundamental: o que é a fé? Ainda há um sentido para a fé em um mundo cuja ciência e a técnica abriram horizontes até pouco tempo impensáveis? O que significa crer hoje? De fato, no nosso tempo é necessária uma renovada educação para a fé, que inclua um conhecimento das suas verdades e dos eventos da salvação, mas que sobretudo nasça de um verdadeiro encontro com Deusem Jesus Cristo, de amá-lo, de confiar Nele, de modo que toda a vida seja envolvida.

Hoje, junto a tantos sinais do bem, cresce ao nosso redor também um certo deserto espiritual. Às vezes, tem-se a sensação, por certos acontecimentos dos quais temos notícia todos os dias, que o mundo não vai em direção à construção de uma comunidade mais fraterna e mais pacífica; as mesmas ideias de progresso e de bem estar mostram também as suas sombras. Apesar da grandeza das descobertas da ciência e dos sucessos da técnica, hoje o homem não parece verdadeiramente mais livre, mais humano; permanecem tantas formas de exploração, de manipulação, de violência, de abusos, de injustiça…Um certo tipo de cultura, então, educou a mover-se somente no horizonte das coisas, do factível, a crer somente no que se vê e se toca com as próprias mãos. Por outro lado, cresce também o número daqueles que se sentem desorientados e, na tentativa de ir além de uma visão somente horizontal da realidade, estão dispostos a crer em tudo e no seu contrário. Neste contexto, surgem algumas perguntas fundamentais, que são muito mais concretas do que parecem à primeira vista: que sentido tem viver? Há um futuro para o homem, para nós e para as novas gerações? Em que direção orientar as escolhas da nossa liberdade para um êxito bom e feliz da vida? O que nos espera além do limiar da morte?

Destas insuprimíveis perguntas emergem como o mundo do planejamento, do cálculo exato e do experimento, em uma palavra o saber da ciência, mesmo sendo importante para a vida do homem, sozinho não basta. Nós precisamos não apenas do pão material, precisamos de amor, de significado e de esperança, de um fundamento seguro, de um terreno sólido que nos ajude a viver com um senso autêntico também nas crises, na escuridão, nas dificuldades e nos problemas cotidianos. A fé nos dá exatamente isto: é um confiante confiar em um “Tu”, que é Deus, o qual me dá uma certeza diferente, mas não menos sólida daquela que me vem do cálculo exato ou da ciência.A fé não é um simples consentimento intelectual do homem e da verdade particular sobre Deus; é um ato com o qual confio livremente em um Deus que é Pai e me ama; é adesão a um “Tu” que me dá esperança e confiança. Certamente esta adesão a Deus não é privada de conteúdo: com essa sabemos que Deus mesmo se mostrou a nós em Cristo, mostrou a sua face e se fez realmente próximo a cada um de nós. Mais, Deus revelou que o seu amor pelo homem, por cada um de nós, é sem medida: na Cruz, Jesus de Nazaré, o Filho de Deus feito homem, nos mostra do modo mais luminoso a que ponto chega este amor, até a doação de si mesmo, até o sacrifício total. Com o Mistério da Morte e Ressurreição de Cristo, Deus desce até o fundo na nossa humanidade para trazê-la de volta a Ele, para elevá-la à sua altura. A fé é crer neste amor de Deus que não diminui diante da maldade do homem, diante do mal e da morte, mas é capaz de transformar cada forma de escravidão, dando a possibilidade da salvação.Ter fé, então, é encontrar este “Tu”, Deus, que me sustenta e me concede a promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas a doa; é confiar-se em Deus como a atitude de uma criança, que sabe bem que todas as suas dificuldades, todos os seus problemas estão seguros no “Tu” da mãe. E esta possibilidade de salvação através da fé é um dom que Deus oferece a todos os homens. Acho que deveríamos meditar com mais frequência –na nossa vida cotidiana, caracterizada por problemas e situações às vezes dramáticas –sobre o fato de que crer de forma cristã significa este abandonar-me com confiança ao sentido profundo que sustenta a mim e ao mundo, aquele sentido que nós não somos capazes de dar, mas somente de receber como dom, e que é o fundamento sobre o qual podemos viver sem medo. E esta certeza libertadora e tranquilizante da fé devemos ser capazes de anunciá-la com a palavra e de mostrá-la com a nossa vida de cristãos.

Ao nosso redor, porém, vemos todos os dias que muitos permanecem indiferentes ou recusam-se a acolher este anúncio. No final do Evangelho de Marcos, hoje temos palavras duras do Ressuscitado que diz: “Quem crer e for batizado será salvo, mas quem não crer será condenado” (Mc 16, 16), perde a si mesmo. Gostaria de convidá-los a refletir sobre isso. A confiança na ação do Espírito Santo, nos deve impulsionar sempre a andar e anunciar o Evangelho, ao corajoso testemunho da fé; mas além da possibilidade de uma resposta positiva ao dom da fé, há também o risco de rejeição ao Evangelho, do não acolhimento ao encontro vital com Cristo.Santo Agostinho já colocava este problema em seu comentário da parábola do semeador: “Nós falamos – dizia – lançamos a semente, espalhamos a semente. Existem aqueles que desprezam, aqueles que reprovarão, aquelas que zombam. Se nós temos medo deles, não temos mais nada a semear e no dia da ceifa ficaremos sem colheita. Por isso venha a semente da terra boa” (Discurso sobre a disciplina cristã, 13, 14: PL 40, 677-678). A recusa, portanto, não pode nos desencorajar. Como cristãos somos testemunhas deste terreno fértil: a nossa fé, mesmo com nossos limites, mostra que existe a terra boa, onde a semente da Palavra de Deus produz frutos abundantes de justiça, de paz e de amor, de nova humanidade, de salvação. E toda a história da Igreja, com todos os problemas, demonstra também que existe a terra boa, existe a semente boa, e traz fruto.

Mas perguntamo-nos: de onde atinge o homem aquela abertura do coração e da mente para crer no Deus que se fez visível em Jesus Cristo morto e ressuscitado, para acolher a sua salvação, de forma que Ele e seu Evangelho sejam o guia e a luz da existência? Resposta: nós podemos crer em Deus porque Ele se aproxima de nós e nos toca, porque o Espírito Santo, dom do Ressuscitado, nos torna capazes de acolher o Deus vivo. A fé então é primeiramente um dom sobrenatural, um dom de Deus.O Concílio Vaticano II afirma: “Para que se possa fazer este ato de fé, é necessária a graça de Deus que previne e socorre, e são necessários os auxílios interiores do Espírito Santo, o qual mova o coração e o volte a Deus, abra os olhos da mente, e doe ‘a todos doçura para aceitar e acreditar na verdade’” (Cost. dogm. Dei Verbum, 5). Na base do nosso caminho de fé tem o Batismo, o sacramento que nos doa o Espírito Santo, fazendo-nos tornar filhos de Deus em Cristo, e marca o ingresso na comunidade de fé, na Igreja: não se crê por si próprio, sem a vinda da graça do Espírito; e não se crê sozinho, mas junto aos irmãos. A partir do Batismo cada crente é chamado a re-viver e fazer própria esta confissão de fé, junto aos irmãos.

A fé é dom de Deus, mas é também ato profundamente livre e humano. O Catecismo da Igreja Católica o diz com clareza: “É impossível crer sem a graça e os auxílios interiores do Espírito Santo. Não é, portanto, menos verdade que crer é um ato autenticamente humano. Não é contrário nem à liberdade e nem à inteligência do homem” (n. 154). Mas, as implica e as exalta, em uma aposta de vida que é como um êxodo, isso é, um sair de si mesmo, das próprias seguranças, dos próprios esquemas mentais, para confiar na ação de Deus que nos indica a sua estrada para conseguir a verdadeira liberdade, a nossa identidade humana, a verdadeira alegria do coração, a paz com todos. Crer é confiar com toda a liberdade e com alegria no desenho providencial de Deus na história, como fez o patriarca Abraão, como fez Maria de Nazaré. A fé, então, é um consentimento com o qual a nossa mente e o nosso coração dizem o seu “sim” a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este “sim” transforma a vida, abre a estrada para uma plenitude de significado, a torna nova, rica de alegria e de esperança confiável.

Caros amigos, o nosso tempo requer cristãos que foram apreendidos por Cristo, que cresçam na fé graças à familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. Pessoas que sejam quase um livro aberto que narra a experiência da vida nova no Espírito, a presença daquele Deus que nos sustenta no caminho e nos abre à vida que nunca terá fim. Obrigado.

Ao final o Santo Padre dirigiu a seguinte saudação em português:

Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projeto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.

(Trad.MEM)

“O nosso tempo exige cristãos fascinados por Cristo”

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 24 de outubro de 2012(ZENIT.org) – Bento XVI prosseguiu com a catequese neste Ano da fé durante a audiência geral desta quarta feira.

Apresentamos o resumo de suas palavras:

Queridos irmãos e irmãs,

O nosso tempo exige cristãos fascinados por Cristo, que não se cansem de crescer na fé, por meio da familiaridade com a Sagrada Escritura e os Sacramentos. A fé não é apenas conhecimento e adesão a algumas verdades divinas; mas também um acto da vontade, pelo qual me entrego livremente a Deus, que é Pai e me ama. Crer é confiar-se, com toda a liberdade e com alegria, ao desígnio providencial de Deus sobre a história, como fez Maria de Nazaré. Nós podemos crer em Deus, porque Ele vem ao nosso encontro e nos toca. Na base do nosso caminho de fé, está o Baptismo, pelo qual nos tornamos filhos de Deus em Cristo e marca a entrada na comunidade de fé, na Igreja. Não se crê sozinho, mas juntamente com os nossos irmãos. Depois do Baptismo, cada cristão é chamado a viver e assumir a profissão da fé, juntamente com seus irmãos. Concluindo, a fé é um assentimento, pelo qual a nossa mente e o nosso coração dizem «sim» a Deus, confessando que Jesus é o Senhor. E este «sim» transforma a vida, tornando-a rica de significado e esperança segura.

* * *

Uma cordial saudação para todos os peregrinos de língua portuguesa, com menção particular dos grupos de diversas paróquias e cidades do Brasil, que aqui vieram movidos pelo desejo de afirmar e consolidar a sua fé e adesão a Cristo: o Senhor vos encha de alegria e o seu Espírito ilumine as decisões da vossa vida para realizardes fielmente o projecto de Deus a vosso respeito. Acompanha-vos a minha oração e a minha Bênção.

© Copyright 2012 – Libreria Editrice Vaticana

A oração cristã é olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo

Catequese de Bento XVI na Audiência Geral de quarta- feira

Queridos irmãos e irmãs,

Na última catequese, comecei a falar de uma das fontes privilegiadas de oração cristã: a liturgia sagrada, que – como afirma o Catecismo da Igreja Católica – é “participação na oração de Cristo, dirigida ao Pai no Espírito Santo. Na liturgia, toda oração cristã encontra a sua fonte e o seu termo” (n. 1073). Hoje, eu gostaria que nos perguntássemos: na minha vida, eu reservo espaço suficiente para a oração e, acima de tudo, que lugar na minha relação com Deus ocupa a oração litúrgica, especialmente a Santa Missa, como participação na oração comum do Corpo de Cristo que é a Igreja?

Ao responder a esta questão devemos primeiramente lembrar que a oração é a relação viva dos filhos de Deus com seu Pai que é infinitamente bom, com seu Filho, Jesus Cristo, e com

o Espírito Santo (cf. ibid., 2565). Assim, a vida de oração é o hábito de estar na presença de Deus e ter consciência de viver a relação com Deus como se vive as relações habituais de nossas vidas, com os familiares mais queridos, com amigos de verdade; e de fato, a relação com o Senhor é a que ilumina a todos os nossos outros relacionamentos. Esta comunhão de vida com Deus, Uno e Trino, é possível porque, pelo Batismo fomos introduzidos em Cristo, passamos a ser um com Ele (cf. Rm 6:5).

De fato, somente em Cristo podemos dialogar com Deus Pai como filhos, caso contrário não é possível, mas em comunhão com o Filho também nos podemos dizer como Ele disse: “Abba”. Em comunhão com Cristo, podemos conhecer a Deus como verdadeiro Pai (cf. Mt 11:27). Por isso, a oração cristã é olhar constantemente e de maneira sempre nova a Cristo, conversar com Ele, ficar em silêncio com Ele, ouvi-lo, agir e sofrer com Ele. O cristão descobre sua verdadeira identidade em Cristo, “primogênito de toda  criatura», em quem todas as coisas (cf. Cl 1,15 ss). Identificando-se com Ele, sendo um com Ele, redescubro a minha identidade pessoal, a de verdadeiro filho que vê a Deus como um Pai cheio de amor.

Mas não esqueçamos: Cristo, nos o encontramos, o conhecemos como uma pessoa viva, na Igreja. É o “seu corpo”. Esta corporeidade pode ser entendida a partir das palavras bíblicas sobre o homem e a mulher: os dois serão uma só carne (cf. Gn 2:24; Efésios 5,30 ss; 1 Cor 6,16 s.). O vínculo indissolúvel entre Cristo e a Igreja, através do poder unificador do amor, não anula o “você” e o “eu”, mas eleva-as a sua unidade mais profunda. Encontrar a própria identidade em Cristo significa alcançar uma comunhão com Ele, que não me anula, mas eleva-me a mais alta dignidade, àquela de filho de Deus em Cristo: “a história de amor entre Deus e o homem consiste no fato de que esta comunhão de vontade cresce em comunhão de pensamento e de sentimento e, assim, a nossa vontade e a vontade de Deus coincidem cada vez mais “(Encíclica Deus caritas est, 17). Rezar significa elevar-se à altura de Deus através de uma necessária e gradual transformação do nosso ser.

Assim, participando da liturgia, fazemos nossa a linguagem da mãe Igreja, aprendemos a falar nessa e através dessa. Claro que, como eu já disse, isso acontece gradualmente, pouco a pouco. Devo imergir progressivamente nas palavras da Igreja, com a minha oração, com a minha vida, com o meu sofrimento, com a minha alegria, com o meu pensamento. É um caminho que nos transforma.

Penso que essas reflexões nos permitem responder à pergunta que fizemos no início: como aprendo a rezar, como eu cresço na minha oração? Olhando para o modelo que Jesus nos ensinou, o Pai Nosso, vemos que a primeira palavra é “Pai” e a segunda é “nosso”. A resposta, então, é clara: aprendo a rezar, alimento a minha oração, dirigindo-me a Deus como Pai e rezando com outros, rezando com a Igreja, aceitando o dom de suas palavras, que tornam pouco a pouco familiar e rica de sentido. O diálogo que Deus estabelece com cada um de nós, e nós com Ele, na oração inclui sempre um “com”; não podemos rezar a Deus de maneira  individualista. Na oração litúrgica, especialmente a Eucaristia, e – formados pela liturgia – em cada oração, não falamos apenas como pessoa individualmente, mas entramos no “nós” da Igreja que reza. E precisamos transformar nosso “eu” entrando neste “nós”.

Gostaria de lembrar outro aspecto importante. No Catecismo da Igreja Católica, lemos: “Na liturgia da Nova Aliança, cada ação litúrgica, especialmente a celebração da Eucaristia e dos sacramentos, é um encontro entre Cristo e a Igreja” (n. 1097), por isso, é o “Cristo total”, toda a Comunidade, o Corpo de Cristo unido à sua Cabeça, que celebra. A liturgia é, então, uma espécie de “auto-manifestação” de uma comunidade, mas é a saída de simplesmente “ser para si mesmo”, ser fechado em si mesmo para entrar no grande banquete, na grande comunidade viva, na qual o próprio Deus nos alimenta. A liturgia implica universalidade e esse caráter universal deve entrar novamente no conhecimento de todos. A liturgia cristã é o culto do templo universal que é Cristo Ressuscitado, cujos braços estão estendidos na cruz para atrair todos ao abraço do amor eterno de Deus.  É o culto do céu aberto. Nunca é somente o evento de uma única comunidade, com o seu lugar no tempo e no espaço. É importante que cada cristão sinta-se realmente inserido nesse “nós” universal, que fornece o  fundamento e o refúgio ao “eu”, no Corpo de Cristo que é a Igreja.

Nisto devemos estar cientes e aceitar a lógica da Encarnação de Deus: Ele se fez próximo, presente, entrando na história e natureza humana, tornando-se um de nós. E esta presença continua na Igreja, seu Corpo. A liturgia, então, não é a memória de eventos passados, mas é a presença viva do Mistério Pascal de Cristo que transcende e une todos os tempos e espaços. Se na celebração não emerge a centralidade de Cristo, não temos a liturgia cristã totalmente dependente do Senhor e sustentada pela sua presença criadora. Deus age através de Cristo e  nós não podemos agir a não ser por meio Dele e Nele. Todos os dias deve crescer em nós a convicção de que a liturgia não é o nosso, o meu “fazer”, mas é a ação de Deus em nós e com nós.

Assim, não é o indivíduo – sacerdote ou fiel – ou o grupo que celebra a liturgia, mas é principalmente a ação de Deus através da Igreja, que tem a sua própria história, sua rica tradição e a sua criatividade. Esta universalidade e abertura fundamental, que é característica de toda a liturgia é uma das razões pelas quais não podem ser idealizada ou modificada pela comunidade individual ou por especialistas, mas deve ser fiel às formas da Igreja universal.

Mesmo na liturgia das menores comunidades está sempre presente toda a Igreja. Por esta razão, não há “estrangeiro” na comunidade litúrgica. Em toda celebração litúrgica participa junto toda a Igreja, o céu e a terra, Deus e os homens. A liturgia cristã, mesmo que celebrada em um lugar e um espaço concreto e exprime o “sim” de uma determinada comunidade, é naturalmente Católica, vem do todo e leva ao todo, em união com o Papa, os Bispos, com os fiéis de todos os tempos e lugares. Quanto mais uma celebração é animada por esta consciência, mais frutuosamente nessa se realiza o autentico sentido da liturgia.

Caros amigos, a Igreja torna-se visível de muitas maneiras: na ação caritativa, nos projetos de missão, no apostolado pessoal que cada cristão deve realizar no próprio ambiente. Mas, o lugar no qual a Igreja é experimentada plenamente como Igreja é na liturgia: essa é o ato em que acreditamos que Deus entra em nossa realidade e podemos encontra-Lo, podemos toca-Lo. É o ato no qual entramos em contato com Deus, Ele vem até nós, e nós somos iluminados por Ele. Por isso, quando nas reflexões sobre liturgia nós centramos a nossa atenção somente sobre como torná-la atraente, interessante, bonita, corremos o risco de esquecer o essencial: a liturgia se celebra por Deus e não por nós mesmos; é obra sua; é Ele o sujeito; e nós devemos nos abrir a Ele e nos deixar guiar por Ele e pelo seu Corpo que é a Igreja.

Peçamos ao Senhor para aprendermos a cada dia viver a sagrada liturgia, especialmente a Celebração Eucarística, rezando no “nós” da Igreja, que dirige o olhar não para si, mas para Deus, e nos sintamos parte da Igreja viva de todos os lugares e de todos os tempos. Obrigado.

A aparente onipotência do Maligno colide com a verdadeira onipotência de Deus

A catequese de Bento XVI na Audiência Geral desta quarta-feira

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 12 de setembro de 2012(ZENIT.org)-Apresentamos as palavras de Bento XVI na catequese dirigida aos fiéis e peregrinos reunidos nesta manhã, na Sala Paulo VI, para a tradicional Audiência Geral.

Caros irmãos e irmãs,

Quarta-feira passada falei sobre a oração na primeira parte do Apocalipse, hoje passamos para a segunda parte do livro, enquanto na primeira parte, a oração é orientada para o interior da vida eclesial, a atenção da segunda parte é voltada ao mundo inteiro; a Igreja, de fato, caminha na história, é sua parte segundo o projeto de Deus. A assembleia que, escutando a mensagem de João apresentada pelo narrador, redescobriu a própria missão de colaborar com o desenvolvimento do Reino de Deus como “sacerdotes de Deus e de Cristo” (Ap 20,6; cfr 1,5; 5,10), e se abre ao mundo dos homens. E aqui emergem dois modos de viver em uma relação dialética entre eles: o primeiro podemos definir como o “sistema de Cristo”, ao qual a assembleia é feliz de pertencer, e o segundo é o “sistema terrestre anti-Reino e anti-aliança posto em prática pela influência do Maligno”, o qual, enganando o homem, quer implantar um mundo oposto àquele desejado por Cristo e por Deus (cfr Pontifícia Comissão Bíblica, Bíblia e Moral, raízes do agir cristão, 70). A Assembleia deve então saber ler de forma profunda a história que está vivendo, aprendendo a discernir com a fé os acontecimentos para colaborar, com sua ação, para o desenvolvimento do Reino de Deus. E esta obra de leitura e de discernimento, como também de ação, está ligado à oração.

Primeiro, após o apelo insistente de Cristo que, na primeira parte do Apocalipse, sete vezes disse: “Quem tem ouvidos, ouça o que o Espírito diz à Igreja” (cfr Ap 2,7.11.17.29; 3,6.13.22), a assembleia é convidada a subir ao céu para assistir à realidade com os olhos de Deus; e aqui encontramos três símbolos, pontos de referência para a leitura da história: o trono de Deus, o Cordeiro e o livro (cfr Ap 4,1 – 5,14).

O primeiro símbolo é o trono, sobre o qual está sentado um personagem que João não descreve, porque supera qualquer representação humana; pode somente sugerir o sentido de beleza e alegria que se prova encontrando-se diante dele. Este personagem misterioso é Deus, Deus onipotente que não permaneceu fechado no seu Céu, mas se fez próximo ao homem, entrando em aliança com ele; Deus que faz sentir na história, de modo misterioso mas real, a sua voz simbolizada por relâmpagos e trovões. Há vários elementos que aparecem ao redor do trono de Deus, como os vinte e quatro anciãos e quatro seres viventes, que constantemente louvam o único Senhor da história.

Primeiro símbolo, o trono. Segundo símbolo é o livro, que contém o plano de Deus sobre os acontecimentos e sobre os homens; é fechado hermeticamente por sete selos e ninguém é capaz de lê-lo. Diante dessa incapacidade do homem de analisar o projeto de Deus, João sente uma tristeza profunda que o leva às lágrimas. Mas há um remédio para a perda do homem diante do mistério da história: alguém é capaz de abrir o livro e de iluminá-lo.

E aqui aparece o terceiro símbolo: Cristo, o Cordeiro imolado no Sacrifício da Cruz, mas que está em pé, sinal da Ressurreição. É o próprio Cordeiro, o Cristo morto e ressuscitado, que progressivamente abre os selos e revela o plano de Deus, o sentido profundo da história.

O que dizem estes símbolos? Eles nos recordam qual é a estrada para saber ler os fatos da história e da nossa própria vida. Olhando para o Céu de Deus, no relacionamento constante com Cristo, abrindo a Ele o nosso coração a nossa mente na oração pessoal e comunitária, nós aprendemos a ver as coisas de um modo novo e a colher o sentido mais verdadeiro. A oração é como uma janela aberta que nos permite ter o olhar voltado para Deus, não somente para nos recordar a meta para a qual nos dirigimos, mas também para deixar que a vontade de Deus ilumine o nosso caminho terrestre e nos ajude a vivê-lo com intensidade e compromisso.

De que modo o Senhor guia a comunidade cristã a uma leitura mais profunda da história? Primeiro convidando-a a considerar com realismo o presente que estamos vivendo. O Cordeiro abre agora os primeiros quatro selos do livro e a Igreja vê o mundo em que está inserida, um mundo em que existem vários elementos negativos. Existem os males que o homem causa, como a violência, que nasce do desejo de possuir, de prevalecer uns sobre os outros, a ponto de se matar (segundo selo); ou a injustiça, porque os homens não respeitam as leis que lhes são dadas (terceiro selo). A estes se unem os males que o homem deve sofrer, como a morte, a fome, a enfermidade (quarto selo).Diante dessa realidade, muitas vezes dramática, a comunidade eclesial é convidada a não perder nunca a esperança, a crer firmemente que a aparente onipotência do Maligno colide com a verdadeira onipotência de Deus. E o primeiro selo que o Cordeiro dissolve contém exatamente esta mensagem. Narra João: “Eu vi: eis um cavalo branco. Com aquele que nele cavalgava tinha um arco; lhe foi dada uma coroa e ele saiu vitorioso para vencer ainda” (Ap 6,2). Na história do homem entrou a força de Deus, que não somente é capaz de equilibrar o mal, mas vencê-lo; a cor branca recorda a Ressurreição: Deus se fez tão próximo descendo na escuridão da morte para iluminá-la com o esplendor de sua vida divina; tomou sobre si o mal do mundo para purificá-lo com o fogo do seu amor.

Como crescer nesta leitura cristã da realidade? O Apocalipse nos diz que a oração alimenta em cada um de nós e nas nossas comunidades esta visão de luz e de profunda esperança: convida-nos a não nos deixarmos vencer pelo mal, mas a vencer o mal com o bem, a olhar para Cristo Crucificado e Ressuscitado que nos associa à sua vitória. A Igreja vive na história, não se fecha em si mesma, mas enfrenta com coragem o seu caminho em meio à dificuldade e ao sofrimento, afirmando com força que o mal em definitivo não vence o bem, a escuridão não ofusca o esplendor de Deus. Este é um ponto importante para nós; como cristãos, jamais podemos ser pessimistas; sabemos bem que no caminho da nossa vida encontramos muita violência, mentira, ódio, perseguição, mas isto não nos desencoraja. Sobretudo, a oração nos educa a ver os sinais de Deus, a sua presença e ação faz sermos nós mesmos luzes do bem, que espalham a esperança e indicam que a vitória é de Deus.

Esta perspectiva leva a elevar a Deus e ao Cordeiro graças e louvores: os vinte e quatro anciãos e os quatro  seres viventes cantam juntos o “canto novo” que celebra a obra de Cristo Cordeiro, o qual faz “novas todas as coisas” (Ap 21, 5). Mas esta renovação é acima de tudo um dom a ser pedido. E aqui encontramos outro elemento que deve caracterizar a oração: invocar ao Senhor com insistência para que o seu Reino venha, que o homem tenha o coração dócil à soberania de Deus, que seja a sua vontade a orientar a nossa vida  e a do mundo. Na visão do Apocalipse esta oração de petição é representada por um particular importante: “os vinte e quatro anciãos” e “os quatro seres viventes” têm em mãos, junto à harpa que acompanha o seu canto, “taças de ouro cheias de incenso” (5,8a) que, como é explicado, “são as orações dos santos” (5,8b), daqueles, isso é, que já alcançaram Deus, mas também de todos nós que nos encontramos no caminho. E vemos que diante do trono de Deus, um anjo tem em mãos um incensário de ouro em que coloca continuamente os grãos de incenso, que são nossas orações, cuja fragrância doce é oferecida junto às orações que  apresentam-se diante de Deus.  (cfr Ap 8,1-4). É um simbolismo que nos diz como todas as nossas orações – com todas as limitações, a fadiga, a pobreza, a aridez, as imperfeições que podem ter – vêm quase purificadas e alcançam o coração de Deus. Devemos ter certeza, ou seja, que não existem orações supérfluas, inúteis; nenhuma é perdida.  E elas são respondidas, mesmo que às vezes de forma misteriosa, porque Deus é amor e misericórdia infinita.O anjo – escreve João – “tomou o incensário, encheu-o do fogo do altar e jogou-o na terra: sendo seguido de trovões, sons, relâmpagos e um terremoto” (Ap 8,5). Esta imagem significa que Deus não é insensível  à nossas súplicas, intervém e faz sentir a sua potencia e a sua voz sobre a terra, faz tremer e perturba o sistema do Maligno. Muitas vezes, diante do mal se tem a sensação de não poder fazer nada, mas é exatamente a nossa oração a primeira resposta e a mais eficaz que podemos dar e que torna mais forte o nosso cotidiano empenho em difundir o bem. A potencia de Deus torna fecunda a nossa fraqueza (cfr Rm 8,26-27).

Gostaria de concluir com algumas palavras sobre diálogo final (cfr Ap 22,6-21). Jesus repete várias vezes: “Eis que venho sem demora” (Ap 22,7.12). Esta afirmação não indica somente a perspectiva futura ao final dos tempos, mas também aquela presente: Jesus vem, coloca sua morada sobre quem acredita Nele e O acolhe. A assembleia, então, guiada pelo Espírito Santo, repete a Jesus o convite a tornar-se cada vez mais perto: “Vem” (Ap 22,17a). É como a ‘noiva’ (22,17) que aspira ardentemente a plenitude do casamento. Pela terceira vez recorre à invocação: “Amém. Vem, Senhor Jesus” (22,20b); e o narrador conclui com uma expressão que manifesta o sentido dessa presença: “A graça do Senhor Jesus esteja com todos” (22,21).

O Apocalipse, mesmo na complexidade de símbolos, nos envolve numa oração muito rica, pela qual também nós escutamos, elogiamos, agradecemos, contemplamos o Senhor, lhe pedimos perdão. A sua estrutura de grande oração litúrgica comunitária é também um forte chamado a redescobrir o encargo extraordinário e o poder transformador que tem a Eucaristia; em particular quero convidar com força a serem fiéis à Santa Missa dominical no Dia do Senhor, o Domingo, verdadeiro centro da semana!A riqueza da oração no Apocalipse nos faz pensar em um diamante, que tem uma fascinante variedade de facetas, mas cuja preciosidade reside na pureza de um único núcleo central. As sugestivas formas de oração que encontramos no Apocalipse fazem brilhar então a preciosidade única e indizível de Jesus Cristo. Obrigado.

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa, especialmente os portugueses de Avintes e Alpendurada, bem como os fiéis de Curitiba, acompanhados de seu Bispo, Dom Moacyr Vitti e todos os demais grupos de brasileiros. Lembrai-vos de que a vida de oração do cristão deve ter por centro a Missa dominical. É na Eucaristia que experimentareis como o Senhor Jesus vem e faz morada em quem n’Ele crê e acolhe. E que Deus vos abençoe em todas as vossas necessidades! Ide em paz!

(MEM)

 

“A relação com Deus se realiza falando com Ele”

Na primeira audiência geral após a suspensão de julho, Bento XVI recordou os importantes ensinamentos de Santo Afonso sobre a oração

CIDADE DO VATICANO, quarta-feira, 1 de agosto de 2012 (ZENIT.org) – às 10h30 de hoje, na Praça da Liberdade em frente ao Palácio Apostólico de Castel Gandolfo, o Santo Padre Bento XVI encontrou-se com os fiéis e os peregrinos reunidos para a Audiência Geral da quarta-feira, compromisso retomado hoje depois da suspensão de julho.

Em seu discurso em italiano, o Papa apresentou a figura de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja, que celebramos hoje a memória litúrgica, dando ênfase especial nos ensinamentos do santo sobre a oração.

Em seguida, dirigiu uma saudação em várias línguas aos grupos de peregrinos presentes. A Audiência foi concluída com o canto do Pater Noster e com a Bênção Apostólica.

Publicamos a seguir a catequese do Santo Padre na íntegra:

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Queridos irmãos e irmãs!

Hoje é a memória litúrgica de Santo Afonso Maria de Ligório, Bispo e Doutor da Igreja, fundador da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentoristas, padroeiro dos estudiosos de teologia moral e dos confessores. Santo Afonso é um dos santos mais populares do século XVIII, por causa do seu estilo simples e imediato e pela sua doutrina sobre o sacramento da Penitência: em um período de grande rigorismo, resultado da influência do jansenismo, ele recomendava aos confessores administrar este Sacramento manifestando o abraço alegre de Deus Pai, que na sua infinita misericórdia nunca deixa de acolher o filho arrependido.

A celebração de hoje nos dá a oportunidade de debruçar-nos sobre os ensinamentos de Santo Afonso sobre a oração, muito preciosos e cheios de inspiração espiritual. É do 1759, aproximadamente, o seu tratado Do grande meio da Oração, que ele considerava o mais útil entre todos os seus escritos. De fato, descreve a oração como “o meio necessário e seguro para obter a salvação e todas as graças que temos necessidade de alcançar”. (Introdução). Nesta frase é sintetizado o modo afonsiano de compreender a oração. Antes de mais nada, dizendo que é um meio, nos chama a atenção para o fim que queremos alcançar; mas esta meta, esta vida em plenitude, por causa do pecado, por assim dizer, distanciou-se – todos o sabemos – e somente a graça de Deus pode torná-la acessível.

Para explicar esta verdade básica e fazer entender imediatamente como seja real para o homem o risco de “perder-se”, santo Afonso tinha inventado uma máxima famosa, muito básica, que diz: “Quem reza se salva, quem não reza é condenado”.

Comentando esta frase lapidária, acrescentava: “Salvar-se sem rezar é dificilíssimo, até mesmo impossível… mas rezando, a salvação é certa e facilíssima” (II, conclusão). E ainda diz: “Se não orarmos, não temos desculpas, porque a graça de rezar é dada a todos… se não nos salvarmos, a culpa será toda nossa, porque não teremos rezado” (ibid.).

Em seguida, dizendo que a oração é uma condição necessária, Santo Afonso queria dar a entender que em cada situação da vida não é possível fazer outra coisa a não ser rezar, especialmente no momento da prova e nas dificuldades. Sempre devemos bater com confiança na porta do Senhor, sabendo que em tudo Ele cuida dos seus filhos, de nós. Por isso, somos convidados a não termos medo de recorrer a Ele e apresentar-lhe com confiança as nossas petições, na certeza de obter as coisas que temos necessidade.

Queridos amigos, esta é a questão central: o que é realmente necessário em minha vida? Respondo com Santo Afonso: “A saúde e todas as graças que por ela necessitamos” (ibid.); naturalmente, ele entende não somente a saúde do corpo, mas antes de mais nada, também aquela da alma, que Jesus nos doa. Mais do que outra coisa temos necessidade da sua presença liberadora que nos faz plenamente humanos, e por isso cheios de alegria, o nosso existir. E somente através da oração podemos acolhê-la, a sua Graça, que, iluminando-nos em cada momento, nos faz discernir o verdadeiro bem e, fortificando-nos, faz eficaz também a nossa vontade, ou seja a faz capaz de executar o bem conhecido. Muitas vezes reconhecemos o bem, mas não somos capazes de fazê-lo. O discípulo do Senhor sabe que está sempre sendo exposto à tentação e nunca deixa de pedir ajuda a Deus na oração, para vencê-la. Santo Afonso dá o exemplo de São Filipe Neri – muito interessante -, o qual “desde o primeiro momento, quando acordava de manhã, dizia para Deus: “Senhor, mantenha as suas mãos sobre Filipe hoje, porque caso contrário, Filipe te trai” (III, 3) Grande realista! Ele pede a Deus para manter a mão sobre ele. Nós também, conscientes da nossa fraqueza, devemos pedir ajuda a Deus com humildade, confiando na riqueza da sua misericórdia. Em outra passagem, diz Santo Afonso que: “Nós somos pobres de tudo, mas se pedirmos não seremos mais pobres. Se nós somos pobres, Deus é rico” (II, 4).

E, seguindo a Santo Agostinho, convida cada cristão a não ter medo de pedir a Deus, com as orações, aquela força que não tem, e que é necessária para fazer o bem, na certeza de que o Senhor não nega a sua ajuda àqueles que oram com humildade (cf. III, 3). Caros amigos, Santo Afonso nos lembra que a relação com Deus é essencial em nossas vidas.

Sem o relacionamento com Deus falta a relação fundamental e a relação com Deus se realiza no falar com Deus, na oração pessoal cotidiana e com a participação nos Sacramentos, e assim esta relação pode crescer em nós, pode crescer em nós a presença divina que endireita o nosso caminho, o ilumina e o faz seguro e sereno, também em meio a dificuldades e perigos. Obrigado.

[Traduzido do Italiano por Thácio Siqueira]