O sim de Maria “foi apenas o primeiro de muitos «sins» pronunciados no seu coração”

Homilia do Papa na Santa missa da Jornada Mariana no Ano da Fé

ROMA, 13 de Outubro de 2013 (Zenit.org) – Publicamos a seguir o texto da homilia que o Papa Francisco pronunciou hoje na Santa Missa celebrada na praça de São Pedro por ocasião da Jornada Mariana no Ano da Fé.

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Recitamos no salmo: «Cantai ao Senhor um cântico novo, porque Ele fez maravilhas» (Sl 97, 1).

Encontramo-nos hoje diante duma das maravilhas do Senhor: Maria! Uma criatura humilde e frágil como nós, escolhida para ser Mãe de Deus, Mãe do seu Criador.

Precisamente olhando Maria à luz das Leituras que acabámos de escutar, queria reflectir convosco sobre três realidades: a primeira, Deus surpreende-nos; a segunda, Deus pede-nos fidelidade; a terceira, Deus é a nossa força.

1. A primeira: Deus surpreende-nos. O caso de Naamã, comandante do exército do rei da Síria, é notável: para se curar da lepra, vai ter com o profeta de Deus, Eliseu, que não realiza ritos mágicos, nem lhe pede nada de extraordinário. Pede-lhe apenas para confiar em Deus e mergulhar na água do rio; e não dos grandes rios de Damasco, mas de um rio pequeno como o Jordão. É uma exigência que deixa Naamã perplexo e também surpreendido: Que Deus poderá ser este que pede uma coisa tão simples? A vontade primeira dele é retornar ao País, mas depois decide-se a fazê-lo, mergulha no Jordão e imediatamente fica curado (cf. 2Re 5,1-14). Vedes!? Deus surpreende-nos; é precisamente na pobreza, na fraqueza, na humildade que Ele Se manifesta e nos dá o seu amor que nos salva, cura, dá força. Pede somente que sigamos a sua palavra e tenhamos confiança n’Ele.

Esta é a experiência da Virgem Maria: perante o anúncio do Anjo, não esconde a sua admiração. Fica admirada ao ver que Deus, para Se fazer homem, escolheu precisamente a ela, jovem simples de Nazaré, que não vive nos palácios do poder e da riqueza, que não realizou feitos extraordinários, mas que está disponível a Deus, sabe confiar n’Ele, mesmo não entendendo tudo: «Eis a serva do Senhor, faça-se em Mim segundo a tua palavra» (Lc 1, 38). É a sua resposta. Deus surpreende-nos sempre, rompe os nossos esquemas, põe em crise os nossos projectos, e diz-nos: confia em Mim, não tenhas medo, deixa-te surpreender, sai de ti mesmo e segue-Me!

Hoje perguntemo-nos, todos, se temos medo daquilo que Deus me poderá pedir ou está pedindo. Deixo-me surpreender por Deus, como fez Maria, ou fecho-me nas minhas seguranças, seguranças materiais, seguranças intelectuais, seguranças ideológicas, seguranças dos meus projectos? Deixo verdadeiramente Deus entrar na minha vida? Como Lhe respondo?

2. Na passagem lida de São Paulo, ouvimos o Apóstolo dizer ao seu discípulo Timóteo: Lembra-te de Jesus Cristo; se perseverarmos com Ele, também com Ele reinaremos (cf. 2Tm 2,8-13). Aqui está o segundo ponto: lembrar-se sempre de Cristo, a memória de Jesus Cristo, e isto significa perseverar na fé. Deus surpreende-nos com o seu amor, maspede fidelidade em segui-Lo. Podemos nos tornar “não fiéis”, mas Ele não pode; Ele é “o fiel” e pede-nos a mesma fidelidade. Pensemos quantas vezes já nos entusiasmámos por qualquer coisa, por uma iniciativa, por um compromisso, mas depois, ao surgirem os primeiros problemas, abandonámos. E, infelizmente, isto acontece também com as opções fundamentais, como a do matrimónio. É a dificuldade de ser constantes, de ser fiéis às decisões tomadas, aos compromissos assumidos. Muitas vezes é fácil dizer «sim», mas depois não se consegue repetir este «sim» todos os dias. Não se consegue ser fiéis.

Maria disse o seu «sim» a Deus, um «sim» que transtornou a sua vida humilde de Nazaré, mas não foi o único; antes, foi apenas o primeiro de muitos «sins» pronunciados no seu coração tanto nos seus momentos felizes, como nos dolorosos… muitos «sins» que culminaram no «sim» ao pé da Cruz. Estão aqui hoje muitas mães; pensai até onde chegou a fidelidade de Maria a Deus: ver o seu único Filho na Cruz. A mulher fiel, de pé, destruída por dentro, mas fiel e forte.

E eu me pergunto: sou um cristão “soluçante”, ou sou cristão sempre? Infelizmente, a cultura do provisório, do relativo penetra também na vivência da fé. Deus pede-nos para Lhe sermos fiéis, todos os dias, nas acções quotidianas; e acrescenta: mesmo se às vezes não Lhe somos fiéis, Ele é sempre fiel e, com a sua misericórdia, não se cansa de nos estender a mão para nos erguer e encorajar a retomar o caminho, a voltar para Ele e confessar-Lhe a nossa fraqueza a fim de que nos dê a sua força. E este é o caminho definitivo: sempre com o Senhor, mesmo com as nossas fraquezas, mesmo com os nossos pecados. Nunca podemos ir pela estrada do provisório. Isto nos destrói. A fé é a fidelidade definitiva, como a de Maria.

3. O último ponto: Deus é a nossa força. Penso nos dez leprosos do Evangelho curados por Jesus: vão ao seu encontro, param à distância e gritam: «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós» (Lc 17, 13). Estão doentes, necessitados de serem amados, de terem força e procuram alguém que os cure. E Jesus responde, libertando-os a todos da sua doença. Causa estranheza, porém, o facto de ver que só regressa um para Lhe agradecer, louvando a Deus em alta voz. O próprio Jesus o sublinha: eram dez que gritaram para obter a cura, mas só um voltou para gritar em voz alta o seu obrigado a Deus e reconhecer que Ele é a nossa força. É preciso saber agradecer, saber louvar o Senhor pelo que faz por nós.

Vejamos Maria: depois da Anunciação, o primeiro gesto que ela realiza é um acto de caridade para com a sua parente idosa Isabel; e as primeiras palavras que profere são: «A minha alma enaltece o Senhor», ou seja, um cântico de louvor e agradecimento a Deus, não só pelo que fez n’Ela, mas também pela sua acção em toda a história da salvação. Tudo é dom d’Ele. Se conseguimos entender que tudo é dom de Deus, então quanta felicidade teremos no nosso coração! Tudo é dom d’Ele. Ele é a nossa força! Dizer obrigado parece tão fácil, e todavia é tão difícil! Quantas vezes dizemos obrigado em família? Esta é uma das palavras-chaves da convivência. “Com licença”, “perdão”, “obrigado”: se numa família se dizem estas três palavras, a família segue adiante. “Com licença”, “perdão”, “obrigado”. Quantas vezes dizemos “obrigado” junto da família? Quantas vezes dizemos obrigado a quem nos ajuda, vive perto de nós e nos acompanha na vida? Muitas vezes damos tudo isso como suposto! E o mesmo acontece com Deus. É fácil ir até ao Senhor para pedir alguma coisa, mas ir agradece-Lo… “Ah, isso é difícil”.

Continuando a Eucaristia, invocamos a intercessão de Maria, para que nos ajude a deixarmo-nos surpreender por Deus sem resistências, a sermos-Lhe fiéis todos os dias, a louvá-Lo e agradecer-Lhe porque Ele é a nossa força. Amen.

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O demônio existe, lembra o Papa

Em sua homilia matinal, o Santo Padre recordou a existência do demônio e pediu para os cristãos não “relativizarem” a luta contra o mal

Em homilia hoje na Casa Santa Marta, o Papa Francisco lembrou a existência do diabo e pediu que os fiéis não “relativizassem” a luta contra as potências do mal.

O Evangelho da Missa narra que “Jesus estava expulsando um demônio” (Lc 11, 14). O Santo Padre comentou: “Há alguns padres que quando leem esta passagem do Evangelho, esta e outras, dizem: ‘Mas Jesus apenas curou uma pessoa que tinha uma doença psíquica’. Não leram isso aqui, não é? É verdade que naquele tempo podia confundir-se a epilepsia com a possessão do demônio; mas também é verdade que havia o demônio!”

O Papa disse que “não temos o direito de simplificar tanto as coisas”. E frisou: “A presença do demônio está na primeira página da Bíblia e a Bíblia acaba também com a presença do demônio, com a vitória de Deus sobre o demônio”.

Mais adiante, São Lucas escreve: “Quando chega um homem mais forte do que ele, vence-o, arranca-lhe a armadura na qual ele confiava, e reparte o que roubou” (11, 22). Francisco pediu aos cristãos que se examinassem. “Podemos perguntar-nos: ‘Eu vigio-me, vigio o meu coração, os meus sentimentos, os meus pensamentos? Guardo o tesouro da graça? Guardo a presença do Espírito Santo em mim? Ou deixo-o assim, seguro, com a certeza que está tudo bem?'”.

Sua Santidade lembrou a importância de “vigiar o nosso coração, porque o demônio é astuto”. Ele “nunca é expulso para sempre! Só no último dia o será”.

Ainda no Evangelho de hoje, Jesus fala: “Quem não está comigo está contra mim. E quem não recolhe comigo dispersa” (11, 23). O Santo Padre repetiu o ensinamento de Cristo e advertiu: “Não se pode ficar a meio caminho”.

O Papa invocou a Deus a graça de levar a sério estas coisas. “‘Mas, Padre, o senhor é bocado antiquado, está a assustar-nos com estas coisas…’ Não, eu não! É o Evangelho! E isto não são mentiras, é a Palavra do Senhor! (…) Ele veio lutar pela nossa salvação. Ele venceu o demônio! Por favor, não façamos negócios com o demônio! Ele tenta voltar para casa e tomar de posse de nós… Não relativizar, vigiar! E sempre com Jesus!”

Por Equipe Christo Nihil Praeponere | Fonte: Rádio Vaticano

“Se perdermos a memória de Deus também nós perdemos a consistência”

Homilia do Santo Padre na santa missa da Jornada dos catequistas

ROMA, 29 de Setembro de 2013 (Zenit.org) – Na manhã desse domingo às 10.30 (hora de Roma), o santo padre celebrou a santa missa pela Jornada dos Catequistas, por ocasião do Ano da Fé, na praça de São Pedro. Publicamos a seguir a homilia:

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1 . “Ai dos despreocupados de Sião e daqueles que se consideram tranquilos, … deitados em leitos de marfim” (Am 6,1.4 ), comem, bebem, cantam, se divertem e não se preocupam com os problemas das outras pessoas.

Estas palavras do profeta Amós são duras, mas chamam a atenção sobre um perigo que todos nós corremos. O que é que este mensageiro de Deus denuncia, o que é que coloca diante dos olhos de seus contemporâneos e até mesmo diante de nossos olhos hoje? O risco do conforto, da comodidade, da mundanidade na vida e no coração, de colocar no centro da nossa vida o nosso bem-estar. É a mesma experiência do rico do Evangelho, que vestia roupas de luxo e todos os dias se dava abundantes banquetes; isto era importante para ele. E o pobre que estava à sua porta e não tinha nada para matar a fome? Não era problema dele, não lhe dizia respeito. Se as coisas, o dinheiro, a mundanidade se tornam o centro da vida, elas nos prendem, nos possuem e nós perdemos a nossa própria identidade de homens: olhem bem, o rico do Evangelho não tem nome, é simplesmente “um rico”. As coisas, o que possui, são o seu rosto, não tem outros.

Mas tentemos perguntar-nos: por que é que isso acontece? Como é possível que os homens, talvez também nós, caiamos no perigo de encerrar-nos, de colocar a nossa segurança nas coisas, que no final das contas nos roubam o rosto, o nosso rosto humano? Isso acontece quando perdemos a memória de Deus. ” Ai dos despreocupados de Sião”, dizia o profeta. Se não há memória de Deus, tudo fica nivelado, tudo vai para o ego, para o meu bem-estar. A vida, o mundo, os outros, perdem a consistência, não contam para nada, tudo se reduz a uma única dimensão: o ter. Se perdemos a memória de Deus, até nós mesmos perdemos consistência, até nós nos esvaziamos, perdemos o nosso rosto como o rico do Evangelho! Quem corre atrás do nada torna-se ele mesmo um nada – diz outro grande profeta, Jeremias (cf. Jer 2,5 ) . Nós somos feitos à imagem e semelhança de Deus, não à imagem e semelhança das coisas, dos ídolos!

2 . Agora, olhando para vocês, me pergunto: quem é o catequista? É aquele que protege e nutre a memória de Deus; a guarda em si mesmo e sabe despertá-la nos outros. É bonito isso: fazer memória de Deus, como Nossa Senhora que, diante da ação maravilhosa de Deus na sua vida, não pensa na honra, no prestígio, nas riquezas, não se fecha em si mesma. Pelo contrário, depois de ter acolhido o anúncio do Anjo e de ter concebido o Filho de Deus, o que faz? Vai, visita à anciã parente Isabel, também grávida, para ajudá-la; e no encontro com ela o seu primeiro ato é a memória do atuar de Deus, da fidelidade de Deus na sua vida, na história do seu povo, na nossa história: “A minha alma engrandece ao Senhor … pois olhou para a humildade da sua serva… de geração em geração a sua misericórdia ” (Lc 1,46.48.50 ) . Maria tem memória de Deus.

Neste cântico de Maria tem também a memória da sua história pessoal, a história de Deus com ela, a sua própria experiência de fé. E assim é para cada um de nós, para cada cristão: a fé contém precisamente a memória da história de Deus conosco, a memória do encontro com Deus, que se move primeiro, que cria e salva, que nos transforma; a fé é memória da sua Palavra que aquece o coração, das suas ações de salvação com que nos dá vida, nos purifica, nos cura, nos alimenta. O catequista é precisamente  um cristão que coloca esta memória ao serviço do anúncio; não para se mostrar, não para falar de si, mas para falar de Deus, do seu amor, da sua fidelidade. Falar e transmitir tudo o que Deus revelou, ou seja, a doutrina na sua totalidade, sem tirar ou acrescentar.

São Paulo aconselha especialmente ao seu discípulo e colaborador Timóteo uma coisa: “lembra-te, lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado dentre os mortos, que eu anuncio e pelo qual sofro (cf. 2 Tm 2, 8-9). Mas o apóstolo pode dizer isso porque ele se lembrou primeiro de Cristo, que o chamou quando era um perseguidor dos cristãos, o tocou e transformou com a sua Graça.

O catequista, então, é um cristão que carrega consigo a memória de Deus, se deixa guiar pela memória de Deus em toda a sua vida, e sabe como despertá-la no coração dos outros. Isso é exigente! Compromete toda a vida! O que é o mesmo Catecismo, senão memória de Deus, memória da sua ação na história, do seu ter-se feito próximo em Cristo, presente na sua Palavra, nos Sacramentos, na sua Igreja, no seu amor? Caros catequistas, pergunto-lhes: nós somos memória de Deus? Somos realmente como sentinelas que despertam nos outros a memória de Deus, que aquece o coração?

3. ““Ai dos despreocupados de Sião”, diz o profeta. Qual o caminho a ser seguido para não virar pessoas “despreocupadas”, que colocam a sua segurança em si mesmas e nas coisas, mas homens e mulheres da memória de Deus? Na segunda leitura, São Paulo, escrevendo a Timóteo, dá algumas indicações que podem marcar também a trajetória do catequista, o nosso caminho: seguir a justiça, a piedade, a fé, o amor, a paciência, a mansidão (cf. 1 Tm 6 , 11) .

O catequista é homem da memória de Deus  se tiver um relacionamento constante, vital com Ele e com os outros; se for homem de fé, que confia realmente em Deus e coloca Nele a sua segurança; se for homem de caridade, de amor, que vê a todos como irmãos; se for homem de “hypomoné”, de paciência, de perseverança, que sabe lidar com as dificuldades, provações, fracassos, com serenidade e esperança no Senhor; se for  homem manso, capaz de compreensão e de misericórdia.

Peçamos ao Senhor para sermos todos homens e mulheres que guardem e alimentem a memória de Deus na própria vida e saibam despertá-la no coração dos outros. Amén.

Tradução Thácio Siqueira

“Contemplar o sofrimento de Jesus é o único caminho para o perdão”

Durante a homilia em Santa Marta, papa Francisco exorta a imitar a “graça da humildade de Maria

Por Luca Marcolivio

ROMA, 12 de Setembro de 2013 (Zenit.org) – O perdão cristão é exercitado contemplando a paixão e humanidade de Jesus, imitando o comportamento de sua mãe. A partir disso, o Papa Francisco articulou sua homilia durante a missa desta manhã em Santa Marta, na festa do Santo Nome de Maria.

A liturgia de hoje, afirmou o Papa, já foi chamada de “doce nome de Maria”, mas também hoje, embora com um nome diferente”, permanece a doçura do seu nome”.

A doçura de Maria, continuou o Santo Padre, é necessária para “entender essas coisas que Jesus nos pede”, ou seja, “amai os vossos inimigos, fazei o bem, emprestai sem esperar nada”. Todas as “coisa fortes” que Maria também viveu com a “graça da mansidão” e “a graça da humildade”.

As mesmas virtudes são invocadas por São Paulo na primeira leitura (Col 3,12-17) de hoje, quando o apóstolo dos gentios fala de “sentimentos de ternura, bondade, humildade, mansidão”. Uma disposição deste tipo não só é longe de ser óbvia, mas é impossível alcançá-la “apenas com o nosso esforço; somente a “graça” pode nos ajudar neste processo.

Esta graça passa pelo “pensar em Jesus somente ” ou através de sua contemplação: se com o coração e a mente nos unimos a Ele, que venceu a morte, o pecado, o diabo”, será possível conseguir o que nos pede Jesus e, da mesma maneira, São Paulo.

Nosso esforço será o de “pensar sobre o seu silêncio manso” e Jesus “fará tudo o que falta”. A vida do homem está escondida “em Deus com Cristo”. Não há outro caminho fora da “contemplação da humanidade de Jesus, da humanidade sofredora”, continuou o Papa.

Contemplar o sofrimento de Jesus é o único caminho possível para sermos “bons cristãos”, para “não odiar o próximo”, para “não falar contra o próximo”, concluiu.

O mundo de Deus é um mundo onde cada um se sente responsável pelo outro

Homilia do Papa Francisco pronunciada na vigília de oração pela paz

CIDADE DO VATICANO, 08 de Setembro de 2013 (Zenit.org) – Apresentamos a seguir a homilia pronunciada pelo Papa Francisco neste sábado, 7 de setembro, durante a vigília de oraçãopela paz.

«Deus viu que isso era bom» (Gn 1,12.18.21.25). A narração bíblica da origem do mundo e da humanidade nos fala de Deus que olha a criação, quase a contemplando, e repete uma e outra vez: isso é bom. Isso, queridos irmãos e irmãs, nos permite entrar no coração de Deus e recebermos a sua mensagem que procede precisamente do seu íntimo.

Podemos nos perguntar: qual é o significado desta mensagem? O que diz esta mensagem para mim, para ti, para todos nós?

1. Simplesmente nos diz que o nosso mundo, no coração e na mente de Deus, é “casa de harmonia e de paz” e espaço onde todos podem encontrar o seu lugar e sentir-se “em casa”, porque é “isso é bom”. Toda a criação constitui um conjunto harmonioso, bom, mas os seres humanos em particular, criados à imagem e semelhança de Deus, formam uma única família, em que as relações estão marcadas por uma fraternidade real e não simplesmente de palavra: o outro e a outra são o irmão e a irmã que devemos amar, e a relação com Deus, que é amor, fidelidade, bondade, se reflete em todas as relações humanas e dá harmonia para toda a criação. O mundo de Deus é um mundo onde cada um se sente responsável pelo outro, pelo bem do outro. Esta noite, na reflexão, no jejum, na oração, cada um de nós, todos nós pensamos no profundo de nós mesmos: não é este o mundo que eu desejo? Não é este o mundo que todos levamos no coração? O mundo que queremos não é um mundo de harmonia e de paz, em nós mesmos, nas relações com os outros, nas famílias, nas cidades, nas e entreas nações? E a verdadeira liberdade para escolher entre os caminhos a serem percorridos neste mundo, não é precisamente aquela que está orientada pelo bem de todos e guiada pelo amor?

2. Mas perguntemo-nos agora: é este o mundo em que vivemos? A criação conserva a sua beleza que nos enche de admiração; ela continua a ser uma obra boa. Mas há também “violência, divisão, confronto, guerra”. Isto acontece quando o homem, vértice da criação, perde de vista o horizonte da bondade e da beleza, e se fecha no seu próprio egoísmo.

Quando o homem pensa só em si mesmo, nos seus próprios interesses e se coloca no centro, quando se deixa fascinar pelos ídolos do domínio e do poder, quando se coloca no lugar de Deus, então deteriora todas as relações, arruína tudo; e abre a porta à violência, à indiferença, ao conflito. É justamente isso o que nos quer explicar o trecho do Gênesis em que se narra o pecado do ser humano: o homem entra em conflito consigo mesmo, percebe que está nu e se esconde porque sente medo (Gn 3, 10); sente medo do olhar de Deus; acusa a mulher, aquela que é carne da sua carne (v. 12); quebra a harmonia com a criação, chega a levantar a mão contra o seu irmão para matá-lo. Podemos dizer que da harmonia se passa à desarmonia? Mas, podemos dizer isso: que da harmonia se passa à desarmonia? Não. Não existe a “desarmonia”: ou existe harmonia ou se cai no caos, onde há violência, desavença, confronto, medo…

È justamente nesse caos que Deus pergunta à consciência do homem: «Onde está o teu irmão Abel?». E Caim responde «Não sei. Acaso sou o guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Esta pergunta também se dirige a nós, assim que também a nós fará bem perguntar: Acaso sou o guarda do meu irmão? Sim, tu és o guarda do teu irmão! Ser pessoa significa sermos guardas uns dos outros! Contudo, quando se quebra a harmonia, se produz uma metamorfose: o irmão que devíamos guardar e amar se transforma em adversário a combater, a suprimir. Quanta violência surge a partir deste momento, quantos conflitos, quantas guerras marcaram a nossa história! Basta ver o sofrimento de tantos irmãos e irmãs. Não se trata de algo conjuntural, mas a verdade é esta: em toda violência e em toda guerra fazemos Caim renascer. Todos nós! E ainda hoje prolongamos esta história de confronto entre os irmãos, ainda hoje levantamos a mão contra quem é nosso irmão. Ainda hoje nos deixamos guiar pelos ídolos, pelo egoísmo, pelos nossos interesses; e esta atitude se faz mais aguda: aperfeiçoamos nossas armas, nossa consciência adormeceu, tornamos mais sutis as nossas razões para nos justificar. Como fosse uma coisa normal, continuamos a semear destruição, dor, morte! A violência e a guerra trazem somente morte, falam de morte! A violência e a guerra têm a linguagem da morte!

Depois do Dilúvio, cessou a chuva, surge o arco-íris e a pomba traz um ramo de oliveira. Penso também hoje naquela oliveira que os representantes das diversas religiões plantamos em Buenos Aires, na Praça de Maio, no ano 2000, pedindo que não haja mais caos, pedindo que não haja mais guerra, pedindo paz.

3. E neste ponto, me pergunto: É possível percorrer o caminho da paz? Podemos sair desta espiral de dor e de morte? Podemos aprender de novo a caminhar e percorrer o caminho da paz? Invocando a ajuda de Deus, sob o olhar materno da Salus Populi romani, Rainha da paz, quero responder: Sim, é possível para todos! Esta noite queria que de todos os cantos da terra gritássemos: Sim, é possível para todos! E mais ainda, queria que cada um de nós, desde o menor até o maior, inclusive aqueles que estão chamados a governar as nações, respondesse: – Sim queremos! A minha fé cristã me leva a olhar para a Cruz. Como eu queria que, por um momento, todos os homens e mulheres de boa vontade olhassem para a Cruz! Na cruz podemos ver a resposta de Deus: ali à violência não se respondeu com violência, à morte não se respondeu com a linguagem da morte. No silêncio da Cruz se cala o fragor das armas e fala a linguagem da reconciliação, do perdão, do diálogo, da paz. Queria pedir ao Senhor, nesta noite, que nós cristãos e os irmãos de outras religiões, todos os homens e mulheres de boa vontade gritassem com força: a violência e a guerra nunca são o caminho da paz! Que cada um olhe dentro da própria consciência e escute a palavra que diz: sai dos teus interesses que atrofiam o teu coração, supera a indiferença para com o outro que torna o teu coração insensível, vence as tuas razões de morte e abre-te ao diálogo, à reconciliação: olha a dor do teu irmão – penso nas crianças: somente nelas… olha a dor do teu irmão, e não acrescentes mais dor, segura a tua mão, reconstrói a harmonia perdida; e isso não com o confronto, mas com o encontro! Que acabe o barulho das armas! A guerra sempre significa o fracasso da paz, é sempre uma derrota para a humanidade. Ressoem mais uma vez as palavras de Paulo VI: «Nunca mais uns contra os outros, não mais, nunca mais… Nunca mais a guerra, nunca mais a guerra! (Discurso às Nações Unidas, 4 de outubro de 1965: ASS 57 [1965], 881). «A paz se afirma somente com a paz; e a paz não separada dos deveres da justiça, mas alimentada pelo próprio sacrifício, pela clemência, pela misericórdia, pela caridade» (Mensagem para o Dia Mundial da Paz, de 1976: ASS 67 [1975], 671). Irmãos e irmãs, perdão, diálogo, reconciliação são as palavras da paz: na amada nação síria, no Oriente Médio, em todo o mundo! Rezemos, nesta noite, pela reconciliação e pela paz, e nos tornemos todos, em todos os ambientes, em homens e mulheres de reconciliação e de paz. Assim seja.

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Santa Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude no Rio de Janeiro

Brasão do Papa
Homilia do Papa Francisco
Santa Missa pela XXVIII Jornada Mundial da Juventude 

Rio de Janeiro
Domingo, 28 de julho de 2013

Venerados e amados Irmãos no episcopado e no sacerdócio,

Queridos jovens!

«Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Com estas palavras, Jesus se dirige a cada um de vocês, dizendo: «Foi bom participar nesta Jornada Mundial da Juventude, vivenciar a fé junto com jovens vindos dos quatro cantos da terra, mas agora você deve ir e transmitir esta experiência aos demais». Jesus lhe chama a ser um discípulo em missão! Hoje, à luz da Palavra de Deus que acabamos de ouvir, o que nos diz o Senhor? Três palavras: Ide, sem medo, para servir.

1. Ide. Durante estes dias, aqui no Rio, vocês puderam fazer a bela experiência de encontrar Jesus e de encontrá-lo juntos, sentindo a alegria da fé. Mas a experiência deste encontro não pode ficar trancafiada na vida de vocês ou no pequeno grupo da paróquia, do movimento, da comunidade de vocês. Seria como cortar o oxigênio a uma chama que arde. A fé é uma chama que se faz tanto mais viva quanto mais é partilhada, transmitida, para que todos possam conhecer, amar e professar que Jesus Cristo é o Senhor da vida e da história (cf. Rm 10,9).

Mas, atenção! Jesus não disse: se vocês quiserem, se tiverem tempo, mas: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Partilhar a experiência da fé, testemunhar a fé, anunciar o Evangelho é o mandato que o Senhor confia a toda a Igreja, também a você. É uma ordem sim; mas não nasce da vontade de domínio ou de poder, nasce da força do amor, do fato que Jesus foi quem veio primeiro para junto de nós e nos deu não somente um pouco de Si, mas se deu por inteiro, deu a sua vida para nos salvar e mostrar o amor e a misericórdia de Deus. Jesus não nos trata como escravos, mas como homens livres, amigos, como irmãos; e não somente nos envia, mas nos acompanha, está sempre junto de nós nesta missão de amor.
Para onde Jesus nos manda? Não há fronteiras, não há limites: envia-nos para todas as pessoas. O Evangelho é para todos, e não apenas para alguns. Não é apenas para aqueles que parecem a nós mais próximos, mais abertos, mais acolhedores. É para todas as pessoas. Não tenham medo de ir e levar Cristo para todos os ambientes, até as periferias existenciais, incluindo quem parece mais distante, mais indiferente. O Senhor procura a todos, quer que todos sintam o calor da sua misericórdia e do seu amor.

De forma especial, queria que este mandato de Cristo -”Ide” – ressoasse em vocês, jovens da Igreja na América Latina, comprometidos com a Missão Continental promovida pelos Bispos. O Brasil, a América Latina, o mundo precisa de Cristo! Paulo exclama: «Ai de mim se eu não pregar o evangelho!» (1Co 9,16). Este Continente recebeu o anúncio do Evangelho, que marcou o seu caminho e produziu muito fruto. Agora este anúncio é confiado também a vocês, para que ressoe com uma força renovada. A Igreja precisa de vocês, do entusiasmo, da criatividade e da alegria que lhes caracterizam! Um grande apóstolo do Brasil, o Bem-aventurado José de Anchieta, partiu em missão quando tinha apenas dezenove anos! Sabem qual é o melhor instrumento para evangelizar os jovens? Outro jovem! Este é o caminho a ser percorrido!

2. Sem medo. Alguém poderia pensar: «Eu não tenho nenhuma preparação especial, como é que posso ir e anunciar o Evangelho»? Querido amigo, esse seu temor não é muito diferente do sentimento que teve Jeremias, um jovem como vocês, quando foi chamado por Deus para ser profeta. Acabamos de escutar as suas palavras: «Ah! Senhor Deus, eu não sei falar, sou muito novo». Deus responde a vocês com as mesmas palavras dirigidas a Jeremias: «Não tenhas medo… pois estou contigo para defender-te» (Jr 1,8). Deus está conosco!
«Não tenham medo!» Quando vamos anunciar Cristo, Ele mesmo vai à nossa frente e nos guia. Ao enviar os seus discípulos em missão, Jesus prometeu: «Eu estou com vocês todos os dias» (Mt 28,20). E isto é verdade também para nós! Jesus não nos deixa sozinhos, nunca lhes deixa sozinhos! Sempre acompanha a vocês!

Além disso, Jesus não disse: «Vai», mas «Ide»: somos enviados em grupo. Queridos jovens, sintam a companhia de toda a Igreja e também a comunhão dos Santos nesta missão. Quando enfrentamos juntos os desafios, então somos fortes, descobrimos recursos que não sabíamos que tínhamos. Jesus não chamou os Apóstolos para viver isolados, chamou-lhes para que formassem um grupo, uma comunidade. Queria dar uma palavra também a vocês, queridos sacerdotes, que concelebram comigo esta Eucaristia: vocês vieram acompanhando os seus jovens, e é uma coisa bela partilhar esta experiência de fé! Mas esta é uma etapa do caminho. Continuem acompanhando os jovens com generosidade e alegria, ajudem-lhes a se comprometer ativamente na Igreja; que eles nunca se sintam sozinhos!

3. A última palavra: para servir. No início do salmo proclamado, escutamos estas palavras: «Cantai ao Senhor Deus um canto novo» (Sl 95, 1). Qual é este canto novo? Não são palavras, nem uma melodia, mas é o canto da nossa vida, é deixar que a nossa vida se identifique com a vida de Jesus, é ter os seus sentimentos, os seus pensamentos, as suas ações. E a vida de Jesus é uma vida para os demais. É uma vida de serviço.

São Paulo, na leitura que ouvimos há pouco, dizia: «Eu me tornei escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível» (1 Cor 9, 19). Para anunciar Jesus, Paulo fez-se «escravo de todos». Evangelizar significa testemunhar pessoalmente o amor de Deus, significa superar os nossos egoísmos, significa servir, inclinando-nos para lavar os pés dos nossos irmãos, tal como fez Jesus.

Ide, sem medo, para servir. Seguindo estas três palavras, vocês experimentarão que quem evangeliza é evangelizado, quem transmite a alegria da fé, recebe alegria. Queridos jovens, regressando às suas casas, não tenham medo de ser generosos com Cristo, de testemunhar o seu Evangelho. Na primeira leitura, quando Deus envia o profeta Jeremias, lhe dá o poder de «extirpar e destruir, devastar e derrubar, construir e plantar» (Jr 1,10). E assim é também para vocês. Levar o Evangelho é levar a força de Deus, para extirpar e destruir o mal e a violência; para devastar e derrubar as barreiras do egoísmo, da intolerância e do ódio; para construir um mundo novo. Jesus Cristo conta com vocês! A Igreja conta com vocês! O Papa conta com vocês! Que Maria, Mãe de Jesus e nossa Mãe, lhes acompanhe sempre com a sua ternura: «Ide e fazei discípulos entre todas as nações». Amém.

“Conservar a esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria”

Homilia pronunciada pelo Papa Francisco em Aparecida: três posturas para transmitir aos jovens valores que farão deles construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e fraterno

APARECIDA DO NORTE, 24 de Julho de 2013 (Zenit.org) – Apresentamos a homilia do Santo Padre Francisco pronunciada nesta quarta-feira, 24 de julho, na Santa Missa na Basílica do Santuário de Aparecida do Norte.  

Venerados irmãos no episcopado e no sacerdócio,

Queridos irmãos e irmãs!

Quanta alegria me dá vir à casa da Mãe de cada brasileiro, o Santuário de Nossa Senhora Aparecida. No dia seguinte à minha eleição como Bispo de Roma fui visitar a Basílica de Santa Maria Maior, para confiar a Nossa Senhora o meu ministério de Sucessor de Pedro. Hoje, eu quis vir aqui para suplicar à Maria, nossa Mãe, o bom êxito da Jornada Mundial da Juventude e colocar aos seus pés a vida do povo latino-americano.

Queria dizer-lhes, primeiramente, uma coisa. Neste Santuário, seis anos atrás, quando aqui se realizou a V Conferência Geral do Episcopado da América Latina e do Caribe, pude dar-me conta pessoalmente de um fato belíssimo: ver como os Bispos – que trabalharam sobre o tema do encontro com Cristo, discipulado e missão – eram animados, acompanhados e, em certo sentido, inspirados pelos milhares de peregrinos que vinham diariamente confiar a sua vida a Nossa Senhora: aquela Conferência foi um grande momento de vida de Igreja. E, de fato, pode-se dizer que o Documento de Aparecida nasceu justamente deste encontro entre os trabalhos dos Pastores e a fé simples dos romeiros, sob a proteção maternal de Maria. A Igreja, quando busca Cristo, bate sempre à casa da Mãe e pede: “Mostrai-nos Jesus”. É de Maria que se aprende o verdadeiro discipulado. E, por isso, a Igreja sai em missão sempre na esteira de Maria.

Assim, de cara à Jornada Mundial da Juventude que me trouxe até o Brasil, também eu venho hoje bater à porta da casa de Maria, que amou e educou Jesus, para que ajude a todos nós, os Pastores do Povo de Deus, aos pais e aos educadores, a transmitir aos nossos jovens os valores que farão deles construtores de um País e de um mundo mais justo, solidário e fraterno. Para tal, gostaria de chamar à atenção para três simples posturas: Conservar a esperança; deixar-se surpreender por Deus; viver na alegria.

1. Conservar a esperança. A segunda leitura da Missa apresenta uma cena dramática: uma mulher – figura de Maria e da Igreja – sendo perseguida por um Dragão – o diabo – que quer lhe devorar o filho. A cena, porém, não é de morte, mas de vida, porque Deus intervém e coloca o filho a salvo (cfr. Ap 12,13a.15-16a). Quantas dificuldades na vida de cada um, no nosso povo, nas nossas comunidades, mas, por maiores que possam parecer, Deus nunca deixa que sejamos submergidos. Frente ao desânimo que poderia aparecer na vida, em quem trabalha na evangelização ou em quem se esforça por viver a fé como pai e mãe de família, quero dizer com força: Tenham sempre no coração esta certeza! Deus caminha a seu lado, nunca lhes deixa desamparados! Nunca percamos a esperança! Nunca deixemos que ela se apague nos nossos corações! O “dragão”, o mal, faz-se presente na nossa história, mas ele não é o mais forte. Deus é o mais forte, e Deus é a nossa esperança! É verdade que hoje, mais ou menos todas as pessoas, e também os nossos jovens, experimentam o fascínio de tantos ídolos que se colocam no lugar de Deus e parecem dar esperança: o dinheiro, o poder, o sucesso, o prazer. Frequentemente, uma sensação de solidão e de vazio entra no coração de muitos e conduz à busca de compensações, destes ídolos passageiros. Queridos irmãos e irmãs, sejamos luzeiros de esperança! Tenhamos uma visão positiva sobre a realidade. Encorajemos a generosidade que caracteriza os jovens, acompanhando-lhes no processo de se tornarem protagonistas da construção de um mundo melhor: eles são um motor potente para a Igreja e para a sociedade. Eles não precisam só de coisas, precisam sobretudo que lhes sejam propostos aqueles valores imateriais que são o coração espiritual de um povo, a memória de um povo. Neste Santuário, que faz parte da memória do Brasil, podemos quase que apalpá-los: espiritualidade, generosidade, solidariedade, perseverança, fraternidade, alegria; trata-se de valores que encontram a sua raiz mais profunda na fé cristã.

2. A segunda postura: Deixar-se surpreender por Deus. Quem é homem e mulher de esperança – a grande esperança que a fé nos dá – sabe que, mesmo em meio às dificuldades, Deus atua e nos surpreende. A história deste Santuário serve de exemplo: três pescadores, depois de um dia sem conseguir apanhar peixes, nas águas do Rio Parnaíba, encontram algo inesperado: uma imagem de Nossa Senhora da Conceição. Quem poderia imaginar que o lugar de uma pesca infrutífera, tornar-se-ia o lugar onde todos os brasileiros podem se sentir filhos de uma mesma Mãe? Deus sempre surpreende, como o vinho novo, no Evangelho que ouvimos. Deus sempre nos reserva o melhor. Mas pede que nos deixemos surpreender pelo seu amor, que acolhamos as suas surpresas. Confiemos em Deus! Longe d’Ele, o vinho da alegria, o vinho da esperança, se esgota. Se nos aproximamos d’Ele, se permanecemos com Ele, aquilo que parece água fria, aquilo que é dificuldade, aquilo que é pecado, se transforma em vinho novo de amizade com Ele.

3. A terceira postura: Viver na alegria. Queridos amigos, se caminhamos na esperança, deixando-nos surpreender pelo vinho novo que Jesus nos oferece, há alegria no nosso coração e não podemos deixar de ser testemunhas dessa alegria. O cristão é alegre, nunca está triste. Deus nos acompanha. Temos uma Mãe que sempre intercede pela vida dos seus filhos, por nós, como a rainha Ester na primeira leitura (cf. Est 5, 3). Jesus nos mostrou que a face de Deus é a de um Pai que nos ama. O pecado e a morte foram derrotados. O cristão não pode ser pessimista! Não pode ter uma cara de quem parece num constante estado de luto. Se estivermos verdadeiramente enamorados de Cristo e sentirmos o quanto Ele nos ama, o nosso coração se “incendiará” de tal alegria que contagiará quem estiver ao nosso lado. Como dizia Bento XVI: «O discípulo sabe que sem Cristo não há luz, não há esperança, não há amor, não há futuro” (Discurso inaugural da Conferência de Aparecida [13 de maio de 2007]: Insegnamenti III/1 [2007], 861).

Queridos amigos, viemos bater à porta da casa de Maria. Ela abriu-nos, fez-nos entrar e nos aponta o seu Filho. Agora Ela nos pede: «Fazei o que Ele vos disser» (Jo 2,5). Sim, Mãe nossa, nos comprometemos a fazer o que Jesus nos disser! E o faremos com esperança, confiantes nas surpresas de Deus e cheios de alegria. Assim seja.

“A missão é sobretudo graça”

 

Homilia do Papa Francisco na missa com os seminaristas, noviços, noviças, que estão em caminhada vocacional

 

CIDADE DO VATICANO, 07 de Julho de 2013 (Zenit.org) – Apresentamos a homilia do Papa Francisco pronunciada neste domingo, 07 de julho, na Missa com os seminaristas, noviços, noviças, que estão em caminhada vocacional.  

Amados irmãos e irmãs!

Já ontem tive a alegria de vos encontrar, e hoje a nossa festa é ainda maior porque nos reunimos para a Eucaristia, no Dia do Senhor. Sois seminaristas, noviços e noviças, jovens em caminhada vocacional, vindos dos diversos cantos do mundo: representais a juventude da Igreja. Se a Igreja é a Esposa de Cristo, de certo modo vós representais o seu tempo de noivado, a primavera da vocação, o período da descoberta, do discernimento, da formação. E é um período muito belo, em que se lançam as bases do futuro. Obrigado por terdes vindo!

Hoje a Palavra de Deus fala-nos da missão. Donde nasce a missão? A resposta é simples: nasce de uma chamada – a do Senhor – e Ele chama para ser enviado. Qual deve ser o estilo do enviado? Quais são os pontos de referência da missão cristã? As leituras que ouvimos sugerem-nos três: a alegria da consolação, a cruz e a oração.

1. O primeiro elemento: a alegria de consolação. O profeta Isaías dirige-se a um povo que atravessou o período escuro do exílio, sofreu uma prova muito dura; mas agora, para  Jerusalém, chegou o tempo da consolação; a tristeza e o medo devem dar lugar à alegria: «Alegrai-vos (…), rejubilai (…) regozijai-vos» – diz o Profeta (66, 10). É um grande convite à alegria. Porquê? Qual é o motivo deste convite à alegria? Porque o Senhor derramará sobre a Cidade Santa e seus habitantes uma «cascata» de consolação, uma cascata de consolação – ficando assim repletos de consolação –, uma cascata de ternura materna: «Serão levados ao colo e acariciados sobre os seus regaços» (v. 12). Como faz a mãe quando põe o filho no regaço e o acaricia, assim o Senhor fará connosco… faz connosco. Esta é a cascata de ternura que nos dá tanta consolação. «Como a mãe consola o seu filho, assim Eu vos consolarei» (v. 13). Cada cristão, mas sobretudo nós, somos chamados a levar esta mensagem de esperança, que dá serenidade e alegria: a consolação de Deus, a sua ternura para com todos. Mas só podemos ser seus portadores, se experimentarmos nós primeiro a alegria de ser consolados por Ele, de ser amados por Ele. Isto é importante para que a nossa missão seja fecunda: sentir a consolação de Deus e transmiti-la! Algumas vezes encontrei pessoas consagradas que têm medo da consolação de Deus e… pobrezinho, pobrezinha delas, se amofinam porque têm medo desta ternura de Deus. Mas não tenhais medo. Não tenhais medo, o nosso Deus é o Senhor da consolação, o Senhor da ternura. O Senhor é Pai e Ele disse que procederá connosco como faz uma mãe com o seu filho, com a ternura dela. Não tenhais medo da consolação do Senhor. O convite de Isaías: «consolai, consolai o meu povo» (40,1) deve ressoar no nosso coração e tornar-se missão. Encontrarmos, nós, o Senhor que nos consola e irmos consolar o povo de Deus: esta é a missão. Hoje as pessoas precisam certamente de palavras, mas sobretudo têm necessidade que testemunhemos a misericórdia, a ternura do Senhor, que aquece o coração, desperta a esperança, atrai para o bem. A alegria de levar a consolação de Deus!

2. O segundo ponto de referência da missão é a cruz de Cristo. São Paulo, ao escrever aos Gálatas, diz: «Quanto a mim, de nada me quero gloriar, a não ser na cruz de Nosso Senhor Jesus Cristo» (6, 14). E fala de «estigmas», isto é, das chagas de Jesus crucificado, como selo, marca distintiva da sua vida de apóstolo do Evangelho. No seu ministério, Paulo experimentou o sofrimento, a fraqueza e a derrota, mas também a alegria e a consolação. Isto é o mistério pascal de Jesus: mistério de morte e ressurreição. E foi precisamente o ter-se deixado configurar à morte de Jesus que fez São Paulo participar na sua ressurreição, na sua vitória. Na hora da escuridão, na hora e da prova, já está presente e operante a alvorada da luz e da salvação. O mistério pascal é o coração palpitante da missão da Igreja. E, se permanecermos dentro deste mistério, estamos a coberto quer de uma visão mundana e triunfalista da missão, quer do desânimo que pode surgir à vista das provas e dos insucessos. A fecundidade pastoral, a fecundidade do anúncio do Evangelho não deriva do sucesso nem do insucesso vistos segundo critérios de avaliação humana, mas de conformar-se com a lógica da Cruz de Jesus, que é a lógica de sair de si mesmo e dar-se, a lógica do amor. É a Cruz – sempre a Cruz com Cristo, porque às vezes oferecem-nos a cruz sem Cristo: esta não vale! É a Cruz, sempre a Cruz com Cristo – que garante a fecundidade da nossa missão. E é da Cruz, supremo acto de misericórdia e amor, que se renasce como «nova criação» (Gl 6, 15).

3. Finalmente, o terceiro elemento: a oração. Ouvimos no Evangelho: «Rogai ao dono da messe que mande trabalhadores para a sua messe» (Lc 10, 2). Os trabalhadores para a messe não são escolhidos através de campanhas publicitárias ou apelos ao serviço da generosidade, mas são «escolhidos» e «mandados» por Deus. É Ele que escolhe, é Ele que manda; sim, é Ele que manda, é Ele que confere a missão. Por isso é importante a oração. A Igreja – repetia Bento XVI – não é nossa, mas de Deus; e quantas vezes nós, os consagrados, pensamos que seja nossa! Fazemos dela… qualquer coisa que nos vem à cabeça. Mas não é nossa; é de Deus. O o campo a cultivar é d’Ele. Assim, a missão é sobretudo graça. A missão é graça. E, se o apóstolo é fruto da oração, nesta encontrará a luz e a força da sua acção. De contrário, a nossa missão não será fecunda; mais, apaga-se no próprio momento em que se interrompe a ligação com a fonte, com o Senhor.

Queridos seminaristas, queridas noviças e queridos noviços, queridos jovens em caminhada vocacional! Há dias, um de vós, um dos vossos formadores, dizia-me: évangéliser on le fait à genoux, a evangelização faz-se de joelhos. Ouvi bem: «A evangelização faz-se de joelhos». Sede sempre homens e mulheres de oração! Sem o relacionamento constante com Deus a missão torna-se um ofício. Mas que trabalho fazes? Trabalho de alfaiate, de cozinheira, de padre… Trabalhas de padre, de freira? Não. Não é um ofício, é diverso. O risco do activismo, de confiar demasiado nas estruturas, está sempre à espreita. Se olhamos a vida de Jesus, constatamos que, na véspera de cada decisão ou acontecimento importante, Ele Se recolhia em oração intensa e prolongada. Cultivemos a dimensão contemplativa, mesmo no turbilhão dos compromissos mais urgentes e pesados. E quanto mais a missão vos chamar para ir para as periferias existenciais, tanto mais o vosso coração se mantenha unido ao de Cristo, cheio de misericórdia e de amor. Aqui reside o segredo da fecundidade pastoral, da fecundidade de um discípulo do Senhor!

Jesus envia os seus sem «bolsa, nem alforge, nem sandálias» (Lc 10, 4). A difusão do Evangelho não é assegurada pelo número das pessoas, nem pelo prestígio da instituição, nem ainda pela quantidade de recursos disponíveis. O que conta é estar permeados pelo amor de Cristo, deixar-se conduzir pelo Espírito Santo e enxertar a própria existência na árvore da vida, que é a Cruz do Senhor.

Queridos amigos e amigas, com grande confiança vos  confio à intercessão de Maria Santíssima. Ela é a Mãe que nos ajuda a tomar as decisões definitivas com liberdade, sem medo. Que Ela vos ajude a testemunhar a alegria da consolação de Deus, sem ter medo da alegria; Ela vos ajude a conformar-vos com a lógica de amor da Cruz, a crescer numa união cada vez mais intensa com o Senhor na oração. Assim a vossa vida será rica e fecunda

 

“O coração da mensagem de Deus é a misericórdia”

Homilia do papa Francisco na missa desta sexta-feira, concelebrada com cardeal venezuelano

Por Salvatore Cernuzio

ROMA, 05 de Julho de 2013 (Zenit.org) – “O coração da mensagem de Deus é a misericórdia”, destacou hoje o papa Francisco na missa da Casa Santa Marta, comentando o evangelho sobre a vocação de Mateus. Concelebrou com ele o cardeal Jorge Liberato Urosa, arcebispo de Caracas, no dia da festa nacional da Venezuela. Assistiu à missa um grupo de funcionários do Vaticano.

“Eu quero misericórdia e não sacrifício”: o papa repete as palavras de Jesus aos fariseus, que o criticam por comer com os pecadores. Os publicanos, explica o papa, “eram duplamente pecaminosos, porque estavam apegados ao dinheiro e porque eram traidores da pátria”, já que recolhiam os impostos do seu próprio povo para entregar aos romanos. Jesus vê Mateus, o arrecadador de impostos, e olha para ele com misericórdia:

“Jesus olha para aquele homem, sentado na banca de impostos, e aquele homem sente algo no olhar de Jesus, fica maravilhado no espírito, e escuta o convite de Jesus: ‘Segue-me! Segue-me!’. E naquele momento, ele se torna um homem cheio de alegria, mas também fica um pouco em dúvida, porque é muito apegado ao dinheiro. E basta um momento a sós, que nós sabemos como Caravaggio conseguiu expressar: aquele homem que olhava, mas que também, com as mãos, segurava o dinheiro… basta um momento a sós com Jesus para que Mateus diga ‘sim’, abandone tudo e vá atrás do Senhor. É o momento da misericórdia recebida e acolhida: ‘Sim, eu vou contigo!’. É o primeiro momento do encontro, uma experiência espiritual profunda”.

“Depois vem um segundo momento: a festa. Jesus faz festa com os pecadores”: celebra a misericórdia de Deus, que “muda a vida”. Depois desses dois momentos, o estupor do encontro e a festa, vem “o trabalho diário”, o anúncio do evangelho:

“Esse trabalho tem que ser alimentado com a lembrança daquele primeiro encontro, daquela festa. E isso não é apenas um momento, é um tempo: até o fim da vida. A lembrança. Lembrança de quê? Daqueles fatos! Daquele encontro com Jesus que mudou a minha vida! Quando Ele teve misericórdia! Quando Ele foi tão bom comigo e me disse: ‘Convida os teus amigos pecadores, para fazermos uma festa!’. Essa lembrança dá forças a Mateus para seguir em frente. ‘Jesus mudou a minha vida! Eu encontrei o Senhor’. Recordar sempre. É como soprar as brasas daquela lembrança, não é mesmo? Soprar para manter o fogo sempre aceso”.

Nas parábolas evangélicas, fala-se da recusa de muitos convidados à festa do Senhor. Por isso, Jesus foi “buscar os pobres, os doentes, e fez a festa com eles”.

“E Jesus, continuando com esse costume, celebra com os pecadores e oferece aos pecadores a graça. ‘Eu quero misericórdia, e não sacrifícios. Eu não vim chamar os justos, mas os pecadores’. Ele veio por nós, pecadores, e é isto o que é bonito. Deixemo-nos olhar pela misericórdia de Jesus, façamos festa e guardemos a lembrança desta salvação!”

“Filho de Deus”: uma carteira de identidade que ninguém pode nos tirar

Homilia em Santa Marta: Papa Francisco nos lembra que, graças ao sacrifício amoroso de Cristo, ganhamos a filiação divina e o perdão dos pecados

Por Salvatore Cernuzio

CIDADE DO VATICANO, 04 de Julho de 2013 (Zenit.org) –  “Nome? Filho de Deus. Estado Civil? Livre!”. Se podemos nos orgulhar desses dados em nossa “carteira de identidade” de cristãos, é graças a Jesus Cristo, que nos salvou. A homilia do papa Francisco na missa de hoje se destaca pela originalidade com que ele transmite a mensagem que, basicamente, é a mesma de todos os dias: a infinita misericórdia de Deus.

Na missa concelebrada com o cardeal indiano Telesphore Placidus Toppo, arcebispo de Ranchi, o Santo Padre focou no evangelho do dia, que narra a cura milagrosa de um paralítico por Jesus. Em particular, as palavras iniciais de Cristo, de acordo com o pontífice, são a chave de toda a passagem: “Coragem, filho, os teus pecados estão perdoados”.

A frase irrita os escribas, que se queixam e o acusam de blasfêmia, “porque só Deus pode perdoar os pecados”. Talvez, até mesmo o paralítico, disse o papa, continua “desconcertado”, porque o que ele desejava “era ser curado fisicamente”. Jesus, porém, realiza de fato o milagre e cura o homem também no corpo. Mas, no fundo, “as curas, o ensinamento, as palavras fortes contra a hipocrisia, eram apenas um sinal de algo mais que Jesus estava fazendo”: perdoar os pecados.

Este é o “milagre mais profundo”, disse Francisco: “Essa reconciliação é a recriação do mundo. Esta é a missão mais profunda de Jesus. A redenção de todos nós, pecadores…”. Cristo faz esse milagre não “com as palavras”, nem “com gestos”, nem “caminhando pela estrada”, disse Bergoglio. Ele “faz isto com a sua carne. É Ele, Deus, quem se torna um de nós, homem, para nos curar por dentro, a nós, pecadores”. Ele nos liberta do pecado tomando sobre si próprio “todo o pecado”, afirmou.

Jesus “desce da sua glória e se abaixa até a morte e morte de cruz”. Mas é precisamente esta “a sua glória” e, ao mesmo tempo, “a nossa salvação”. “Este é o maior milagre”, disse o pontífice, através do qual Jesus “nos torna filhos, com a liberdade dos filhos”.

Em virtude desse gesto de amor divino infinito, “nós podemos dizer ‘Pai’”, e dizê-lo “com uma atitude tão boa e tão bela, com liberdade!”. “Nós, escravos do pecado”, ressaltou o papa, estamos livres graças a Jesus Cristo. Fomos curados “no profundo da nossa existência”.

“Pensar nisso nos fará bem, pensar no maravilhoso que é ser filho! É tão linda a liberdade dos filhos, porque o filho está em casa e Jesus nos abriu as portas de casa… Agora nós estamos em casa!”, disse Bergoglio. Este fato esclarece as palavras já citadas no evangelho de hoje: “Coragem, filho, teus pecados estão perdoados”. “Essa”, disse o papa, “é a raiz da nossa coragem. Eu sou livre, eu sou filho… O Pai me ama e eu amo o Pai”.

A graça a pedir hoje é a de “compreender bem essa obra” de Deus, que “reconciliou consigo o mundo em Cristo, confiando-nos a palavra da reconciliação” e a graça “de levar adiante, com força, com a liberdade dos filhos, a palavra da reconciliação”. “Nós fomos salvos em Jesus Cristo”, concluiu o Santo Padre, e “ninguém pode nos roubar essa carteira de identidade. Eu me chamo assim: Filho de Deus! Que bela carteira de identidade! Estado civil: livre!”.