“O nome de Deus é misericórdia” – síntese

2016-01-12 Rádio Vaticana

 

 

 

 

 

 

Cidade do Vaticano (RV) – A misericórdia é “a carteira de identidade” de Deus, afirma o Papa Francisco, no livro-entrevista “O nome de Deus é misericórdia”, nas livrarias italianas a partir desta terça-feira, 12. A obra é uma compilação de uma conversa entre o Pontífice e o vaticanista do jornal italiano “La Stampa”, Andrea Tornielli, e coordenador do site “Vatican Insider”. Dividido em nove capítulos e 40 perguntas, o livro – editado pela Piemme – tem a capa autografada pelo Papa Francisco. A primeira cópia do volume, em italiano, foi entregue ao Pontífice na tarde de segunda-feira, 11, na Casa Santa Marta.

Entrevista gravada em julho de 2015

Julho de 2015, Casa Santa Marta. O Papa Francisco recém havia retornado de sua viagem apostólica ao Equador, Bolívia e Paraguai. É uma tarde abafada quando recebe o jornalista Andrea Tornielli, munido de três gravadores. Diante de si, sobre uma pequena mesa, o Santo Padre tem uma Bíblia e um livro com citações dos Padres da Igreja. A misericórdia é o tema da conversa que nasce entre os dois, em vista do Jubileu Extraordinário que foi aberto cinco meses após. Hoje, os frutos daquele diálogo estão compilados no livro “O nome de Deus é misericórdia”.

Capítulo I – É o tempo da misericórdia

Oração, reflexão sobre os Pontífices precedentes e uma imagem da Igreja como “hospital de campanha”, que “aquece os corações das pessoas com a proximidade”. São estes os três fatores – explica o Papa – que o impeliram a convocar o Jubileu da Misericórdia. “A nossa época é um tempo oportuno” por isto – observa – porque hoje se vive um duplo drama: perdeu-se o sentido do pecado, e ele é considerado também incurável, imperdoável. Por isto, a humanidade ferida por tantas “doenças sociais” – pobreza, exclusão, escravidão do terceiro milênio, relativismo – tem necessidade de misericórdia, desta “carteira de identidade de Deus”, daquele que “permanece sempre fiel”, mesmo que o pecador o renegue.

A graça da vergonha torna o pecador consciente do pecado

Também é central neste primeiro capítulo a reflexão do Papa sobre o tema da vergonha, entendida como “uma graça”, porque torna o pecador consciente do próprio pecado. Em particular, a ênfase ao assim chamado “apostolado da escuta”, ou seja, a capacidade dos confessores de “ouvir com paciência”, pois hoje as pessoas “buscam sobretudo alguém que esteja disposto a doar o próprio tempo para escutar os seus dramas e as suas dificuldades”. Entre outras coisas – observa – é por isto que tantos procuram os quiromantes. O Pontífice destaca, ademais, “que se o confessor não pode absolver, dê alguma bênção, mesmo sem absolvição sacramental”, porque “o amor de Deus existe também para quem não está na disposição de receber o Sacramento”.

A grande responsabilidade de ser confessor

“Tenham ternura com estas pessoas – recomenda o Papa aos sacerdotes – não as afastem”, porque “as pessoas sofrem” e “ser confessor é uma grande responsabilidade”. A este respeito, o Pontífice cita o caso de sua sobrinha: “Eu tenho uma sobrinha que casou no civil com um homem, antes que pudesse ter o processo de nulidade matrimonial. Este homem era tão religioso, que todos os domingos, quando ia à missa, ia ao confessionário e dizia ao sacerdote: “Eu sei que o senhor não pode me absolver, mas pequei nisto e naquilo, me dê uma bênção”. Este é um homem religiosamente formado”.

Capítulo II – Confissão não é lavanderia, nem tortura. Ouvir, não interrogar

Além disto, se vai ao confessionário “não para ser julgado”, mas para “alguma coisa maior do que o juízo: para o encontro com a misericórdia” de Deus, sem a qual “o mundo não existiria”. Por isto – enfatiza Francisco – o confessionário não deve ser “nem uma lavanderia”, onde se lava o pecado a seco, como uma simples mancha, nem “uma sala de tortura”, onde se depara com “o excesso de curiosidade” de alguns confessores, curiosidades às vezes “um pouco doentias”, mórbidas, que transformam a confissão em um interrogatório.

Capítulo 3 – Reconhecer-se pecador. Um coração em pedaços é uma oferta agradável a Deus

Pelo contrário, “no diálogo com o confessor é necessário ser ouvidos, não interrogados”. Neste sentido, o sacerdote deve “aconselhar com delicadeza”. Mas para obter a misericórdia de Deus – reitera novamente Francisco – é importante reconhecer-se pecador, porque “o coração em pedaços é uma oferta agradável ao Senhor, é o sinal de que estamos conscientes de nossa necessidade de perdão, de misericórdia”. O Papa recorda, depois, que a misericórdia de Deus é “infinitamente maior do que o nosso pecado”, porque o Senhor “nos primeireia”, “antecipa-se a nós, nos espera” com o seu perdão, com a sua graça”. “Somente o fato de uma pessoa ir ao confessionário – explica – indica de que já existe um início de arrependimento”. E às vezes vale mais “a presença desajeitada e humilde de um penitente que tem dificuldade em falar, do que as tantas palavras de alguém que descreve o seu arrependimento”.

Capítulo IV – Também o Papa tem necessidade da misericórdia de Deus

O Papa define-se como “um homem que tem necessidade da misericórdia de Deus” e dá alguns conselhos ao penitente e ao confessor: ao penitente, sugere que não seja soberbo, mas que olhe “com sinceridade a si mesmo e ao próprios pecados”, para assim receber o dom da misericórdia de Deus. Aos confessores, por sua vez, Francisco sugere a pensarem, antes de tudo, nos próprios pecados e depois, ouvirem “com ternura”, sem “atirar nunca a primeira pedra”, mas procurando “assemelhar-se a Deus na sua misericórdia”. Como modelo, o Pontífice cita o pai que vai de encontro ao filho pródigo e o abraça, antes ainda que o jovem admita os seus pecados. “Este é o amor de Deus – sublinha o Papa – esta é a superabundância da misericórdia”.

Capítulo V – A Igreja condena o pecado, mas abraça o pecador

E para aqueles que afirmam que na Igreja existe “muita misericórdia”, o Papa responde sublinhando que “a Igreja condena o pecado”, mas “ao mesmo tempo abraça o pecador que se reconhece como tal, fala a ele da misericórdia de Deus”. É necessário perdoar “setenta vezes sete”, isto é, sempre”, enfatizou o Pontífice, porque “Deus é um pai cuidadoso, atento, pronto em acolher qualquer pessoa que dê um passo ou que tenha o desejo de dar um passo” em direção a ele, e “nenhum pecado humano, por mais grave que seja, pode prevalecer sobre a misericórdia e limitá-la”. A Igreja, portanto, “não está no mundo para condenar, mas para permitir o encontro com aquele amor visceral que é a misericórdia de Deus”.

Igreja deve estar “em saída”, ser “hospital de campanha” para os necessitados de perdão

Para fazer isto, porém, ela deve ser “Igreja em saída”, “hospital de campanha que vai de encontro aos tantos “feridos” necessitados de escuta, compreensão, perdão, amor”. É importante, de fato, “acolher com delicadeza aqueles que estão diante de nós, não ferir a sua dignidade”, afirma o Santo Padre, citando uma experiência pessoal, que remonta aos tempos em que era pároco na Argentina: uma mulher que se prostituía para manter os seus filhos, agradeceu a ele por sempre trata-la por “Senhora”.

Capítulo VI – Não lamber as feridas do pecado, mas ir em direção a Deus

Francisco também chama a atenção para a atitude de quem desespera “pela possibilidade de ser perdoado” e prefere lamber as feridas do pecado, impedindo de fato a cura. “Esta é uma doença narcisista que leva à amargura”, observa o Papa, em que se encontra “um prazer na amargura, um prazer doentio”. Pelo contrário, “o remédio existe”: basta somente dar um passo em direção a Deus ou ao menos ter o desejo de dar este passo, “assumindo a própria condição”, sem crer-se “autossuficiente” e sem esquecer as nossas origens, “a lama de onde fomos tirados, o nosso nada”. E isto “vale sobretudo para os consagrados”, sublinha. Na vida, de fato, o importante não é “não cair nunca”, mas sim, “levantar-se sempre”. Esta, então, é a missão da Igreja. “Que as pessoas percebam que sempre é possível recomeçar se permitimos que Jesus nos perdoe”.

Delicadeza e não marginalização das pessoas homossexuais

Respondendo, depois, a uma pergunta sobre pessoas homossexuais, o Papa explica o que afirmou em 2013, durante a coletiva de imprensa no avião que o trazia de retorno do Rio de Janeiro, isto é, “se uma pessoa é gay, busque o Senhor e tenha boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”. “Eu havia parafraseado de memória o Catecismo da Igreja Católica – pondera – onde explica que estas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas”. O Papa aprecia a expressão “pessoa homossexual” porque, explica, “antes existe a pessoa, na sua totalidade e dignidade”, que “não é definida somente pela sua tendência homossexual”. “Eu prefiro que as pessoas homossexuais venham confessar-se, que permaneçam próximas ao Senhor, que se possa rezar juntos”, acrescentou.

Misericórdia é doutrina,  é o primeiro atributo de Deus

Quanto à relação entre verdade, doutrina e misericórdia, Francisco explica: “Eu amo antes dizer: a misericórdia é verdadeira”, “é o primeiro atributo de Deus”. “Depois se podem fazer reflexões teológicas sobre doutrina e misericórdia – acrescenta – mas sem esquecer de que a misericórdia é doutrina”. A este propósito, o Papa cita “os doutores da lei, os principais opositores de Jesus, que o desafiam em nome da doutrina”. Eles seguem uma lógica de pensamento e de fé que olha “ao medo de perder os justos, os já salvos”. Jesus, pelo contrário, segue outra lógica: aquela que redime o pecado, acolhe, abraça, transforma o mal em bem, a condenação em salvação. É a lógica de um Deus que é amor – explica o Papa – um Deus que quer a salvação de todos os homens, que não se detém “em estudar a situação em uma mesinha”, avaliando os prós e os contras. Para o Senhor, o que conta realmente é “alcançar os afastados e salvá-los”, curar e integrar “os marginalizados que estão fora” da sociedade.

Lógica de Deus é lógica do amor que escandaliza os “doutores da lei”

Certamente – sublinha Francisco – esta lógica pode escandalizar, antes como agora, provocando “o resmungo” de quem está habituado aos próprios “esquemas mentais e à própria pureza ritualística”, ao invés de “deixar-se surpreender” por um amor maior. Pelo contrário, é precisamente esta lógica o caminho que o Senhor nos indica diante das pessoas que “sofrem no físico e no espírito”, para vencer assim “preconceitos e rigidezes” e evitar de julgar e condenar “do alto da própria segurança”. Ir em direção aos marginalizados e aos pecadores – prossegue Francisco – não significa permitir aos lobos que entrem no rebanho, mas sim procurar alcançar todos, testemunhando a misericórdia, sem nunca cair na tentação de sentir-se “os justos ou os perfeitos”.

Adesão formal às regras leva à degradação do estupor

Quem se descobre “doente na alma”, de fato, deve encontrar portas abertas, não fechadas; acolhida, não julgamento ou condenação; ajuda, não marginalização. Os cristãos que “apagam aquilo que o Espírito acende no coração de um pecador”, avalia Francisco, são como os doutores da lei, “sepulcros caiados” que, com a hipocrisia, viviam apegados à letra da lei, sabiam somente fechar portas, colocar limites, mas negligenciavam o amor. Se prevalece a adesão formal às regras – chama a atenção o Papa – então se verifica “a degradação do estupor”, ou seja, se maravilha menos diante da salvação trazida por Deus, e isto nos leva a acreditar “conseguirmos fazer sozinhos, sermos nós os protagonistas”. Este comportamento “é a base do clericalismo” e leva os ministros de Deus a acreditarem-se como “donos da doutrina, titulares de um poder”.

Lei da Igreja é inclusiva, não exclusiva

A Igreja não deve nunca ser assim – afirma o Papa – não deve ter o comportamento de quem impõe “fardos pesados” nas costas das pessoas. “Para algumas pessoas rígidas – disse – faria bem uma escorregada, porque assim, reconhecendo-se pecadores, encontrariam Jesus”. “A grande lei da Igreja, de fato, é aquela do et et e não aquela do aut aut”. A este propósito Francisco cita exemplos negativos, como os cinquenta mil dólares pedidos a uma mulher por um processo de nulidade matrimonial ou como o funeral em uma igreja, recusado a uma criança, por esta não ser batizada.

Capítulo VII – Corrupção, um pecado elevado à sistema. Pecadores sim, corruptos não!

Ampla, após, a reflexão de Francisco sobre a corrupção, definida como “o pecado elevado à sistema, que tornou-se um hábito mental, um modo de viver”. O corrupto peca e não se arrepende – diz o Papa – finge ser cristão e com a sua vida dupla provoca escândalo, acredita não precisar mais pedir perdão, passa a vida em meio aos atalhos do oportunismo, ao preço da dignidade sua e dos outros. Com o seu “rosto de santinho”, o corrupto evade os impostos, dispensa os funcionários para não assumi-los definitivamente, explora o trabalho informal e depois se vangloria de suas espertezas com os amigos ou até mesmo vai à missa no domingo, mas depois usa o suborno no trabalho. E “frequentemente não se dá conta de seu estado” como “quem tem a respiração pesada”. “Pecadores sim, corruptos não!” – exorta o Papa – convidando a rezar, durante o Jubileu, para que Deus abra brechas nos corações do corruptos, dando a eles “a graça da vergonha”.

Justiça não basta por si só, é necessária a misericórdia

Após, o Pontífice recorda que a misericórdia “é um elemento indispensável”, para que exista fraternidade entre os homens. A justiça, por si só, de fato, não basta: com a misericórdia, Deus vai além da justiça, “a engloba e a supera” no amor. “Não existe justiça sem perdão – disse ainda Francisco, no fulcro de João Paulo II – e a capacidade de perdão está na base de todo projeto de uma sociedade futura, mais justa e solidária. E não somente: “a misericórdia contagia a humanidade” e isto se reflete “na justiça terrena, nas normas jurídicas”. Basta pensar à crescente rejeição da pena de morte que se registra a nível mundial.

Família, primeira escola de misericórdia

“Com a misericórdia a justiça é mais justa” – sublinha ainda Francisco – enfatizando que isto não significa “ser exageradamente condescendente, escancarar as portas das prisões a quem se manchou com crimes graves”, mas sim ajudar a quem caiu a levantar-se, porque Deus “perdoa tudo”, “realiza milagres também com a nossa miséria” e a sua misericórdia “será sempre maior do que qualquer pecado”, tanto que ninguém pode colocar um limite a ela. O Pontífice recorda, após, que a família “é a primeira escola da misericórdia”, pois nela “se é amado e se aprende a amar, se é perdoado e se aprende a perdoa”.

Capítulo VIII – A compaixão vence a globalização da indiferença

Quanto às características do amor infinito de Deus, o Papa Bergoglio recordou que Deus nos ama com compaixão e misericórdia; a primeira tem um rosto mais humano. A segunda, por sua vez, é divina. De fato, Jesus não olha à realidade a partir do exterior, “como se tirasse uma fotografia”, mas “deixa-se envolver”. Hoje existe necessidade desta compaixão – explica –  e existe necessidade dela para vencer “a globalização da indiferença”.

Capítulo IX – Praticar obras de misericórdia. Está em jogo a credibilidade dos cristãos

Na conclusão do livro-entrevista, o Papa coloca o foco nas obras de misericórdia, corporais e espirituais: “São atuais e sempre válidas – diz – estão na base do exame de consciência e ajudam a abrir-se à misericórdia de Deus”. Disto, vem a exortação a servir Jesus “em toda pessoa marginalizada”, excluída, faminta, sedenta, nua, prisioneira, doente, desempregada, perseguida, refugiada. Na acolhida do marginalizado, ferido no corpo, e do pecador, ferido na alma, joga-se, de fato, “a credibilidade dos cristãos”, conclui o Pontífice. Porque no fundo, como dizia São João da Cruz, “no anoitecer da vida, seremos julgado no amor”. (JE)

(from Vatican Radio)

Esta é a oração do Papa pelo Jubileu da Misericórdia

POR PROF. FELIPE AQUINO 11 DE MAIO DE 2015 NOTÍCIAS, NOTÍCIAS DA IGREJA

O Site ACI/EWTN Noticias publicou na última sexta (08/05/15) a publicou a oração oficial para o Jubileu da Misericórdia, o Ano Santo convocado pelo Papa Francisco que terá início no dia 8 de dezembro de 2015, Solenidade da Imaculada Conceição; e encerramento no dia 20 de novembro de 2016, Solenidade de Cristo Rei do Universo. Esta oração foi divulgada pelo Pontifício Conselho para a promoção da Nova Evangelização no site oficial do Jubileu da Misericórdia, cujo lema está tomado do Evangelho de São Lucas: “Misericordiosos como o Pai”, e convida todos os fiéis do mundo à peregrinação, à Confissão e à Comunhão para conseguir a indulgência.

Senhor Jesus Cristo,
Vós que nos ensinastes a ser misericordiosos como o Pai celeste,
e nos dissestes que quem Vos vê, vê a Ele.
Mostrai-nos o Vosso rosto e seremos salvos.
O Vosso olhar amoroso libertou Zaqueu e Mateus da escravidão do dinheiro;
a adúltera e Madalena de colocar a felicidade apenas numa criatura;
fez Pedro chorar depois da traição,
e assegurou o Paraíso ao ladrão arrependido.
Fazei que cada um de nós considere como dirigida a si mesmo as palavras que dissestes à mulher samaritana:
Se tu conhecesses o dom de Deus!
Vós sois o rosto visível do Pai invisível,
do Deus que manifesta sua onipotência sobretudo com o perdão e a misericórdia:
fazei que a Igreja seja no mundo o rosto visível de Vós, seu Senhor, ressuscitado e na glória.
Vós quisestes que os Vossos ministros fossem também eles revestidos de fraqueza
para sentirem justa compaixão por aqueles que estão na ignorância e no erro:
fazei que todos os que se aproximarem de cada um deles se sintam esperados, amados e perdoados por Deus.
Enviai o Vosso Espírito e consagrai-nos a todos com a sua unção
para que o Jubileu da Misericórdia seja um ano de graça do Senhor
e a Vossa Igreja possa, com renovado entusiasmo, levar aos pobres a alegre mensagem
proclamar aos cativos e oprimidos a libertação
e aos cegos restaurar a vista.
Nós Vo-lo pedimos por intercessão de Maria, Mãe de Misericórdia,
a Vós que viveis e reinais com o Pai e o Espírito Santo, pelos séculos dos séculos.
Amém

Francisco: “Eu sou um homem perdoado”

O Santo Padre fala sobre a misericórdia em uma entrevista concedida à revista Credere, a publicação oficial do Ano Santo Extraordinário

Ivan de Vargas |  03 de Dezembro | ZENIT.org |  Papa Francisco |  Roma
A revista italiana Credere, publicação oficial do Ano Santo Extraordinário, que começa no próximo dia 8 de dezembro, realizou uma entrevista exclusiva ao Papa Francisco na qual o pontífice explica os motivos do Jubileu da Misericórdia e as expectativas.

“A questão da misericórdia, diz o Santo Padre para o editor da revista, o padre Antonio Rizzolo– se acentua fortemente na vida da Igreja desde Paulo VI. Foi João Paulo II que a enfatizou fortemente com a Dives in Misericordia, a canonização de Santa Faustina e a instituição da festa da Divina Misericórdia na Oitava de Páscoa”. Nesta linha, “senti que existe como que um desejo do Senhor de mostrar aos homens a sua misericórdia. Então, não é que me surgiu do nada, mas retomo uma tradição relativamente recente, embora sempre existiu. E percebi que era necessário fazer algo para continuar com esta tradição”.

“É óbvio que o mundo de hoje tem necessidade de misericórdia, precisa de compaixão, ou de padecer com”, continuou o Pontífice. “Estamos acostumados às más notícias, às notícias cruéis e às atrocidades maiores que ofendem o nome e a vida de Deus”, lamenta. “O mundo precisa descobrir que Deus é Pai, que tem misericórdia, que a crueldade não é o caminho. Cai-se na tentação de seguir uma linha dura, na tentação de enfatizar só as normas morais, mas quantas pessoas ficam fora!”, enfatiza.

“Veio-me à mente a imagem da Igreja como um hospital de campanha após a batalha; é a verdade: quantas pessoas feridas e destruídas! Os feridos são curados, ajudados e não submetidos a exames de colesterol. Acho que este é o momento da misericórdia”, disse o papa. “Todos nós somos pecadores, todos temos pesos interiores. Senti que Jesus quer abrir a porta do Seu coração, que o Pai quer mostrar as suas entranhas de misericórdia, e, por isso, nos envia o Espírito: para mover-se e para mover-nos. É o ano do perdão, o ano da reconciliação”, reitera.

Questionado sobre a sua experiência pessoal da misericórdia divina, Francisco reconhece: “Sou pecador, me sinto pecador, tenho certeza de ser pecador; sou um pecador a quem o Senhor olhou com misericórdia. Sou, como eu disse aos presos na Bolívia, um homem perdoado. Sou um homem perdoado, Deus me olhou com misericórdia e me perdoou. Ainda cometo erros e pecados, e me confesso a cada quinze ou vinte dias. E se me confesso é porque preciso sentir que a misericórdia de Deus ainda está em mim”.

O Santo Padre recorda também que teve essa sensação de forma especial no dia 21 de setembro de 1953, quanto sentiu a necessidade de entrar em uma igreja e confessar-se com um sacerdote que não conhecia e a partir de então a sua vida foi diferente; decidiu tornar-se sacerdote e aquele confessor, enfermo de leucemia, o acompanhou durante um ano. “Morreu no ano seguinte – relata -. Depois do funeral chorei amargamente, me senti totalmente perdido, como que com o temor de que Deus tivesse me abandonado. Este foi o momento em que me submergi na misericórdia de Deus e está muito unida ao meu lema episcopal: o dia 21 de setembro é o dia de São Mateus, e Beda o Venerável, falando da conversão de Mateus, diz que Jesus olhou-o miserando atque elegendo”. “Trata-se de uma expressão impossível de traduzir, porque em italiano um dos dois verbos não tem gerúndio, nem sequer em espanhol. A tradução literal seria “misericordando e elegendo”, quase como um trabalho artesanal. “Misericordiou-o!”: esta é a tradução literal do texto”, indica.

“Muitos anos depois, recitando o breviário latino, achei esta leitura, lembrei-me de que o Senhor tinha me modelado artesanalmente com a Sua misericórdia. Cada vez que vinha à Roma, porque ficava hospedado na Via della Scrofa, ia até a Igreja de São Luis dos Franceses, para rezar diante do quadro de Caravaggio, sobre a Vocação de São Mateus”, diz.

Para o Papa, o Jubileu da Misericórdia também pode ser uma oportunidade para redescobrir a “maternidade” de Deus: “Ele mesmo o afirma quando diz em Isaías que se uma mãe se esquecesse do seu filho, também uma mãe pode esquecer… “eu, pelo contrário, não te esquecerei jamais”. Aqui se vê a dimensão materna de Deus. Nem todos compreendem quando se fala da “maternidade de Deus”, não é uma linguagem popular – no bom sentido da palavra – , parece uma linguagem um pouco escolhida; por isso prefiro usar a ternura, própria de uma mãe, a ternura de Deus, a ternura nasce das entranhas paternas. Deus é pai e mãe”.

Por fim, o Papa Francisco adverte que a descoberta de um Deus misericordioso traz uma mudança de atitude em relação aos outros. “Hoje, a revolução é a da ternura, porque daqui vem a justiça e todo o resto”, afirma. “A revolução da ternura é aquela que hoje temos que cultivar como fruto deste ano da misericórdia: a ternura de Deus com cada um de nós. Cada um de nós deve dizer: “Sou um desgraçado, mas Deus me ama assim; então, também eu tenho que amar os outros da mesma forma”, esclarece. “Descobrir isso nos levará a ter uma atitude mais tolerante, mais paciente, mas terna”, conclui.

Papa Francisco: “Uma pessoa que não fala mal dos outros seria canonizada imediatamente”

Homilia na Casa Santa Marta: Francisco nos convida a “acusar a nós mesmos” e não os outros, evitando cair na hipocrisia

Por Luca Marcolivio

Cidade do Vaticano, 11 de Setembro de 2015 (ZENIT.org)

Fazer exame de consciência e ter a coragem de acusar a si mesmo antes de acusar os outros: sem isto, somos “hipócritas”, disse Francisco na missa desta manhã na Casa Santa Marta, dando continuidade à reflexão da homilia de ontem sobre perdão e misericórdia.

A “recompensa”, explicou o pontífice, já é evidente quando Jesus diz: “Não julgueis, para que não sejais julgados. Não condeneis, e não sereis condenados”.

“O primeiro passo é acusar a si mesmos. A coragem de acusar a si mesmo antes de acusar os outros. Paulo louva o Senhor porque Ele o elegeu e dá graças a Deus porque ‘confiou em mim ao colocar-me a seu serviço, porque eu era um blasfemo, perseguidor e violento’. Mas recebi misericórdia”.

Jesus já tinha nos ensinado a não olhar para o “cisco” no olho do irmão, mas para a “trave” em nosso próprio olho. Acusar a si mesmo é o “primeiro passo” e ninguém tem o direito de sentir-se “juiz para remover a farpa dos olhos dos outros”.

Sem isto, nos tornamos “hipócritas”. Assim como não é cristão quem não perdoa (cf. homilia de ontem), tampouco é cristão quem “não tem a capacidade de acusar a si mesmo”, de entrar “nesta obra tão bela da reconciliação, da paz, da ternura, da bondade, do perdão, da generosidade, da misericórdia que Jesus Cristo nos trouxe”.

Por isso, é importante pedir “ao Senhor a graça da conversão” e “parar” quando nos lembramos dos “defeitos dos outros”. Um exemplo a seguir, disse o papa, é o de São Paulo, que se reconhece “blasfemo”, “perseguidor” e “violento”.

Em vez de fazer “comentários sobre os outros”, é melhor fazer “comentários sobre nós mesmos”, o “primeiro passo” no “caminho da magnanimidade”. Aqueles que só “olham para o cisco no olho dos outros” revelam “uma alma mesquinha, cheio de pequenezas, cheia de fofocas”.

A graça a pedir a Deus, portanto, é a de “seguir o conselho de Jesus: ser generosos no perdão, ser generosos na misericórdia”.

O papa concluiu com uma “provocação”: “Uma pessoa que nunca, nunca, nunca tenha falado mal dos outros poderia ser canonizada imediatamente”, sem sequer “necessidade do milagre”.

Papa simplifica processos de nulidade matrimonial

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Foram anunciadas na manhã de terça-feira (08/09) as principais mudanças decididas pelo Papa em relação aos processos de nulidade matrimonial.

O objetivo do Papa não é favorecer a nulidade dos matrimônios, mas a rapidez dos processos: simplificar, evitando que por causa de atrasos no julgamento, o coração dos fiéis que aguardam o esclarecimento sobre seu estado “não seja longamente oprimido pelas trevas da dúvida”.

As alterações constam nos dois documentos ‘Mitis Iudex Dominus Iesus’ (Senhor Jesus, meigo juiz) e ‘Mitis et misericors Iesus’ (Jesus, meigo e misericordioso), apresentados na Sala de Imprensa da Sé.

A reforma foi elaborada com base nos seguintes critérios:

1.    Uma só sentença favorável para a nulidade executiva: não será mais necessária a decisão de dois tribunais. Com a certeza moral do primeiro juiz, o matrimônio será declarado nulo.
2.    Juiz único sob a responsabilidade do Bispo: no exercício pastoral da própria ‘autoridade judicial’, o Bispo deverá assegurar que não haja atenuações ou abrandamentos.
3.    O próprio Bispo será o juiz: para traduzir na prática o ensinamento do Concílio Vaticano II, de que o Bispo é o juiz em sua Igreja, auspicia-se que ele mesmo ofereça um sinal de conversão nas estruturas eclesiásticas e não delegue à Cúria a função judicial no campo matrimonial. Isto deve valer especialmente nos processos mais breves, em casos de nulidade mais evidentes.
4.    Processos mais rápidos: nos casos em que a nulidade do matrimônio for sustentada por argumentos particularmente evidentes.
5.    O apelo à Sé Metropolitana: este ofício da província eclesiástica é um sinal distintivo da sinodalidade na Igreja.
6.    A missão própria das Conferências Episcopais: considerando o afã apostólico de alcançar os fiéis dispersos, elas devem sentir o dever de compartilhar a ‘conversão’ e respeitarem absolutamente o direito dos Bispos de organizar a autoridade judicial na própria Igreja particular. Outro ponto é a gratuidade dos processos, porque “a Igreja, mostrando-se mãe generosa, ligada estritamente à salvação das almas, manifeste o amor gratuito de Cristo, por quem fomos todos salvos”.
7.    O apelo à Sé Apostólica: será mantido o apelo à Rota Romana, no respeito do antigo princípio jurídico de vínculo entre a Sé de Pedro e as Igrejas particulares.
8.    Previsões para as Igrejas Orientais: considerando seu peculiar ordenamento eclesial e disciplinar, foram emanados separadamente as normas para a reforma dos processos matrimoniais no Código dos Cânones das Igrejas Orientais.

Diante dos jornalistas credenciados, o juiz decano do Tribunal da Rota Romana, Mons. Pio Vito Pinto explicou que os decretos (motu próprio) são resultado do trabalho da comissão especial para a reforma destes processos, nomeada pelo Papa em setembro de 2014.

Também estavam na coletiva o Cardeal Francesco Coccopalmerio, Presidente do Pontifício Conselho para os Textos Legislativos, e o arcebispo jesuíta  Luis Francisco Ladaria, secretário da Congregação para a Doutrina da Fé.

Fonte: Rádio Vaticano

Papa Francisco escreve explicando o perdão do aborto no Ano da Misericórdia

Carta do Santo Padre a Mons. Fisichella, esclarecendo a indulgência, a absolvição de pecados graves e a possibilidade dos membros da Comunidade São Pio X de confessar-se válida e licitamente.

O Papa Francisco enviou uma carta ao arcebispo Rino Fisichella, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Nova Evangelização, na qual especifica alguns particulares sobre o Jubileu da Misericórdia.

Na carta, o Santo Padre explica desde como obter uma indulgência jubilar plena – até mesmo para os defuntos, fruto do próprio acontecimento que se celebra e se vive com fé, esperança e caridade, e para as pessoas que não podem mover-se livremente, como anciãos ou presos – até o perdão que poderão administrar os sacerdotes àqueles que cometeram ou estiveram envolvidos em abortos, “sabendo conjugar palavras de genuína acolhida com uma reflexão que ajude a compreender o pecado cometido, e indicar um itinerário de conversão verdadeira”.

Além disso, àqueles que fazem parte da Comunidade de São Pio X, que não estão em plena comunhão com a Igreja, o Papa concede-lhes a possibilidade de confessar-se durante este ano jubilar da Misericórdia, recebendo licitamente a absolvição.

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Ao Venerado Irmão
D. Rino Fisichella
Presidente do Pontifício Conselho
para a Promoção da Nova Evangelização

A proximidade do Jubileu Extraordinário da Misericórdia permite-me focar alguns pontos sobre os quais considero importante intervir para consentir que a celebração do Ano Santo seja para todos os crentes um verdadeiro momento de encontro com a misericórdia de Deus. Com efeito,  desejo que o Jubileu seja uma experiência viva da proximidade do Pai, como se quiséssemos sentir pessoalmente a sua ternura, para que a fé de cada crente se revigore e assim o testemunho se torne cada vez mais eficaz.

O meu pensamento dirige-se, em primeiro lugar, a todos os fiéis que em cada Diocese, ou como peregrinos em Roma, viverem a graça do Jubileu. Espero que a indulgência jubilar chegue a cada um como uma experiência genuína da misericórdia de Deus, a qual vai ao encontro de todos com o rosto do Pai que acolhe e perdoa, esquecendo completamente o pecado cometido. Para viver e obter a indulgência os fiéis são chamados a realizar uma breve peregrinação rumo à Porta Santa, aberta em cada Catedral ou nas igrejas estabelecidas pelo Bispo diocesano, e nas quatro Basílicas Papais em Roma, como sinal do profundo desejo de verdadeira conversão. Estabeleço igualmente que se possa obter a indulgência nos Santuários onde se abrir a Porta da Misericórdia e nas igrejas que tradicionalmente são identificadas como Jubilares. É importante que este momento esteja unido, em primeiro lugar, ao Sacramento da Reconciliação e à celebração da santa Eucaristia com uma reflexão sobre a misericórdia. Será necessário acompanhar estas celebrações com a profissão de fé e com a oração por mim e pelas intenções que trago no coração para o bem da Igreja e do mundo inteiro.

Penso também em quantos, por diversos motivos, estiverem impossibilitados de ir até à Porta Santa, sobretudo os doentes e as pessoas idosas e sós, que muitas vezes se encontram em condições de não poder sair de casa. Para eles será de grande ajuda viver a enfermidade e o sofrimento como experiência de proximidade ao Senhor que no mistério da sua paixão, morte e ressurreição indica a via mestra para dar sentido à dor e à solidão. Viver com fé e esperança jubilosa este momento de provação, recebendo a comunhão ou participando na santa Missa e na oração comunitária, inclusive através dos vários meios de comunicação, será para eles o modo de obter a indulgência jubilar. O meu pensamento dirige-se também aos encarcerados, que experimentam a limitação da sua liberdade. O Jubileu constituiu sempre a oportunidade de uma grande amnistia, destinada a envolver muitas pessoas que, mesmo merecedoras de punição, todavia tomaram consciência da injustiça perpetrada e desejam sinceramente inserir-se de novo na sociedade, oferecendo o seu contributo honesto. A todos eles chegue concretamente a misericórdia do Pai que quer estar próximo de quem mais necessita do seu perdão. Nas capelas dos cárceres poderão obter a indulgência, e todas as vezes que passarem pela porta da sua cela, dirigindo o pensamento e a oração ao Pai, que este gesto signifique para eles a passagem pela Porta Santa, porque a misericórdia de Deus, capaz de mudar os corações, consegue também  transformar as grades em experiência de liberdade.

Eu pedi que a Igreja redescubra neste tempo jubilar a riqueza contida nas obras de misericórdia corporais e espirituais. De fato, a experiência da misericórdia torna-se visível no testemunho de sinais concretos como o próprio Jesus nos ensinou. Todas as vezes que um fiel viver uma ou mais destas obras pessoalmente obterá sem dúvida a indulgência jubilar. Daqui o compromisso a viver de misericórdia para alcançar a graça do perdão completo e exaustivo pela força do amor do Pai que não exclui ninguém. Portanto, tratar-se-á de uma indulgência jubilar plena, fruto do próprio evento que é celebrado e vivido com fé, esperança e caridade.

Enfim, a indulgência jubilar pode ser obtida também para quantos faleceram. A eles estamos unidos pelo testemunho de fé e caridade que nos deixaram. Assim como os recordamos na celebração eucarística, também podemos, no grande mistério da comunhão dos Santos, rezar por eles, para que o rosto misericordioso do Pai os liberte de qualquer resíduo de culpa e possa abraçá-los na beatitude sem fim.

Um dos graves problemas do nosso tempo é certamente a alterada relação com a vida. Uma mentalidade muito difundida já fez perder a necessária sensibilidade pessoal e social pelo acolhimento de uma nova vida. O drama do aborto é vivido por alguns com uma consciência superficial, quase sem se dar conta do gravíssimo mal que um gesto  semelhante comporta. Muitos outros, ao contrário, mesmo vivendo este momento como uma derrota, julgam que não têm outro caminho a percorrer. Penso, de maneira particular, em todas as mulheres que recorreram ao aborto. Conheço bem os condicionamentos que as levaram a tomar esta decisão. Sei que é um drama existencial e moral. Encontrei muitas mulheres que traziam no seu coração a cicatriz causada por esta escolha sofrida e dolorosa. O que aconteceu é profundamente injusto; contudo, só a sua verdadeira compreensão pode impedir que se perca a esperança. O perdão de Deus não pode ser negado a quem quer que esteja arrependido, sobretudo quando com coração sincero se aproxima do Sacramento da Confissão para obter a reconciliação com o Pai. Também por este motivo, não obstante qualquer disposição em contrário, decidi conceder a todos os sacerdotes para o Ano Jubilar a faculdade de absolver do pecado de aborto quantos o cometeram e, arrependidos de coração, pedirem que lhes seja perdoado. Os sacerdotes se preparem para esta grande tarefa sabendo conjugar palavras de acolhimento genuíno com uma reflexão que ajude a compreender o pecado cometido, e indicar um percurso de conversão autêntica para conseguir entender o verdadeiro e generoso perdão do Pai, que tudo renova com a sua presença.

Uma última consideração é dirigida aos fiéis que por diversos motivos sentem o desejo de frequentar as igrejas oficiadas pelos sacerdotes da Fraternidade São Pio X. Este Ano Jubilar da Misericórdia não exclui ninguém. De diversas partes, alguns irmãos Bispos referiram-me acerca da sua boa fé e prática sacramental, porém unida à dificuldade de viver uma condição pastoralmente árdua. Confio que no futuro próximo se possam encontrar soluções para recuperar a plena comunhão com os sacerdotes e os superiores da Fraternidade. Entretanto, movido pela exigência de corresponder ao bem destes fiéis, estabeleço por minha própria vontade que quantos, durante o Ano Santo da Misericórdia, se aproximarem para celebrar o Sacramento da Reconciliação junto dos sacerdotes da Fraternidade São Pio X, recebam validamente e licitamente a absolvição dos seus pecados.

Confiando na intercessão da Mãe da Misericórdia, recomendo à sua protecção a preparação deste Jubileu Extraordinário.

Vaticano, 1 de Setembro de 2015

Franciscus

NOTA DO BLOG VIDA SEM DÚVIDA

EXPLICANDO O QUE FEZ O PAPA FRANCISCO…

Na Igreja Católica, o aborto é algo tão abominável que é considerado: 1) Pecado mortal e 2) Delito Canônico, cuja pena é a excomunhão automática, e esta pena pode ser remida apenas pelo bispo diocesano ou pelos padres aos quais ele der esta faculdade.

Para cometer o DELITO DE ABORTO, são necessárias três condições:
1) O réu deve ser maior de dezoito anos;
2) O aborto deve ser seguido de efeito, ter acontecido com certeza;
3) A pessoa deve ter conhecimento dessa pena.

Caso contrário, não se cometeu o DELITO, mas somente o PECADO MORTAL DE ABORTO (que, obviamente, pode levar à condenação eterna), e qualquer padre já poderia absolver.

Lembrando que o delito é aplicado também a todo aquele que coopera com o aborto, não somente à mulher que abortou.

Quando se comete o DELITO, o penitente, arrependido, caso o confessor tenha a faculdade, recebe duas absolvições (uma do pecado e outra do delito) e duas penitências. O sacerdote pode também dar apenas a absolvição sacramental, com intenção de absolver também do delito.

A maior parte dos bispos concede a todos os sacerdotes de suas dioceses a faculdade de absolver o delito de aborto, deixando-lhes apenas o ônus de informá-lo quando isso acontece.

O Papa Francisco, ontem, apenas estendeu automaticamente a todos os padres esta jurisdição, durante o ANO SANTO, sem necessidade de terem nenhuma faculdade dada pelo bispo (ou seja, durante este ano, o DELITO de aborto não ficaria reservado aos bispos). Na prática, como a maior parte dos sacerdotes já tinham essa faculdade, a mudança foi muito, muito pequena.

Infelizmente, a mídia se serve disso para semear confusão, e dar a impressão de que o aborto teria sido “perdoado”, ou seja, teria deixado de ser pecado… Se a MÍDIA não sabe nem o que é PECADO, quanto menos sabe o que seria um DELITO CANÔNICO!!!

Bento XVI: “Encontramos a Palavra naqueles que refletem Jesus Cristo”

Papa emérito preside missa no Campo Santo Teutônico, para membros do “Schülerkreis”

Por Luca Caruso

Roma, 31 de Agosto de 2015 (ZENIT.org)

“A verdade, amor e bondade que vêm de Deus tornam o homem puro e a verdade, amor e bondade encontram-se na Palavra, que liberta do ‘esquecimento’ de um mundo que já não pensa em Deus”.

Este foi o coração da homilia do Papa Emérito Bento XVI na homilia da Missa a que presidiu na igreja do Campo Santo Teutônico no Vaticano, para os membros do “Schülerkreis” (círculo de estudantes de Ratzinger), que se reuniram em Castel Gandolfo para refletir sobre o tema ‘Como falar de Deus, hoje’, motivado pelo sacerdote e filósofo checo Tomás Halík.

Em sua homilia pronunciada em alemão, o Papa emérito centrou-se no evangelho de Marcos proclamado neste domingo (30). Bento XVI recordou que há três anos, por ocasião do encontro do Schülerkreis, foi lido o mesmo Evangelho e o cardeal Schönborn, que fez a homilia, perguntou: “Mas não devemos ser purificados também externamente e não somente interiormente? O mal só vem de dentro ou também de fora?”. Bento XVI admitiu que não se lembra da resposta, mas considerou uma pergunta muito interessante e por isso centrou sua meditação a partir da mesma. “Para uma resposta adequada – observou – devemos ampliar a pergunta e levar em consideração não apenas esta passagem do Evangelho, mas o Evangelho na sua totalidade”.

Não vem de fora o mal que nos ataca? É o sentido da pergunta feita pelo Papa Emérito. Claro, é necessário purificar-se de todas as impurezas que estão fora: “poderíamos dizer, a higiene exterior contra muitas doenças e epidemias que nos ameaçam”. É bom ter esse tipo de responsabilidade com o exterior a fim de que a morte não prevaleça, destacou o Papa emérito. Mas isso não é suficiente – continuou Bento XVI- porque há também “a epidemia do coração”, do interior, que “leva à corrupção e ainda a outras sujeiras, que levam o homem a pensar apenas em si mesmo e não no bem”. Portanto, é de crucial importância o ethos, ou seja, “a higiene interior”. “O que faz um homem puro? Qual é a verdadeira força da purificação? Como chegamos à limpeza do coração?” – questionou Bento XVI -. “Em outra passagem do Evangelho – continuou -, o Senhor diz: “Vocês são puros por causa da palavra que eu anunciei”. Portanto, torna-se puro por meio da Palavra: “Verdade, amor e bondade que vêm de Deus torna o homem puro; e verdade, amor e bondade se encontram na Palavra, que liberta do ‘esquecimento’ de um mundo que já não pensa em Deus”. “A Palavra é mais do que palavras, porque é através das palavras que encontramos a Palavra, que é Ele mesmo – reiterou o Papa Emérito -. A Palavra é o próprio Jesus Cristo e nós encontramos a Palavra naqueles que O refletem, que nos mostram o rosto de Deus e que refletem a sua mansidão, a sua humildade de coração, a sua ternura, a sua bondade, a sua sinceridade” . “Que o Senhor – concluiu Bento XVI – nos conceda esta ‘higiene do coração’ por meio da Verdade, que vem de Deus: esta é a força de purificação”.

Na oração dos fiéis rezou-se pelo Papa Francisco, para que o Senhor o ajude em seu trabalho, especialmente, no Ano Santo da Misericórdia.

Após a missa, teve lugar nas salas adjacentes do Campo Santo Teutônico uma cerimônia para a inauguração da Sala Papa Bento – Joseph Ratzinger.

Em seu discurso de abertura, Dom Hans Peter Fischer, reitor do Colégio Teutônico, também anunciou que em 18 de novembro será realizada a cerimônia de abertura da biblioteca Joseph Ratzinger – Bento XVI, dedicada à sua vida e aos seus pensamentos como estudioso e Papa, na Biblioteca do Colégio Teutônico e do Instituto Romano da Sociedade Görres, no Vaticano. O evento contará com uma palestra do Cardeal Gianfranco Ravasi, presidente do Pontifício Conselho para a Cultura sobre o tema “Da Bíblia à Biblioteca – Bento XVI e a Cultura da Palavra”.

A Biblioteca é uma iniciativa apoiada pela Fundação Vaticana Joseph Ratzinger-Bento XVI, que dispõe de cerca de mil volumes em várias línguas e é caracterizado como um lugar aberto a todos os interessados ​​nas publicações de e sobre Joseph Ratzinger, para conhecer a sua vida e aprofundar a sua teologia. Muitos volumes foram doados pelo próprio Bento XVI, outros pela Fundação Vaticana.

A biblioteca está aberta de segunda a quarta-feira, das 15:30 às 19:30. “A Fundação Ratzinger – disse o monsenhor Fischer – dispõe de especialistas para orientar os interessados.

Entre os presentes na cerimônia: o cardeal Christoph Schönborn, arcebispo de Viena e Kurt Koch, presidente do Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos, Dom Georg Gänswein, prefeito da Casa Pontifícia e secretário pessoal do Papa Bento XVI , Dom Barthélemy Adoukonou, secretário do Pontifício Conselho para a Cultura, o bispo auxiliar de Hamburgo, Hans-Jochen Jaschke, o abade Maximilian Heim, prêmio Ratzinger em 2011, o monsenhor Stefan Heid, diretor do Instituto Romano da Sociedade de Görres, monsnehor Giuseppe Antonio Scotti, presidente da Fundação Vaticana Joseph Ratzinger – Bento XVI, o padre Stephan Otto Horn, presidente do Schülerkreis, Christian Schaller, prêmio Ratzinger em 2013.

Fonte: http://www.fondazioneratzinger.va/content/fondazioneratzinger/it.html

O Papa Francisco deu sua bênção a todas as pessoas que trabalham promovendo a dignidade humana na Jornada da Vida, celebrada na Inglaterra

Da redação, com Rádio Vaticano

No próximo domingo, 26, a Conferência Episcopal da Inglaterra celebra, no Reino Unido, a Jornada da Vida. Em memória aos pais da Virgem Maria e avós de Jesus, os santos Joaquim e Ana, a iniciativa deste ano está dedicada ao fim da vida, e têm como tema: “Cultivar a vida, aceitar a morte”.

Por essa razão, o Papa Francisco enviou uma mensagem saudando o Núncio Apostólico da Gran Bretanha, monsenhor Antônio Mennini, que a entregou ao bispo responsável por esse evento, monsenhor John Sherrington.

No texto, o Papa Francisco dá sua bênção apostólica “a todas as pessoas que participam desse evento tão significativo, e a quem trabalha de diferentes maneiras, na promoção da dignidade de toda pessoa humana, desde o momento de sua concepção até a sua morte natural”.

Suicídio assistido

Cabe destacar que o tema eleito para essa edição da Jornada da Vida coloca-se em um âmbito da vasta campanha de sensibilização, organizada pelos bispos ingleses, tendo em vista o debate e o voto do Parlamento com relação ao Projeto de Lei sobre o suicídio assistido, previsto para o dia 11 de setembro.

Essa proposta, apresentada por Rob Marris, tende a fazer possível, para os doentes adultos em estado terminal, a eleição de por fim à sua própria vida com assistência médica específica. De modo que se o Parlamento aprovar, os médicos poderão fornecer para aqueles que solicitarem, medicamentos letais aos doentes terminais.

Não acelerar a morte

De fato, na mensagem, para a Jornada da Vida deste ano, os bispos ingleses reafirmam dois pontos para a Igreja sobre o fim da vida: é um erro “acelerar ou provocar a morte, porque Deus nos chamará no Seu devido tempo”, e a rejeição da abstinência terapêutica, “quando os tratamentos não surgem efeito ou incluem danos aos pacientes.”

Discurso do Santo Padre aos Movimentos Populares

Santa Cruz de la Sierra. O Santo Padre encerra, na Bolívia, o II Encontro Mundial dos Movimentos Populares

Por Redação

Roma, 10 de Julho de 2015 (ZENIT.org)

Boa tarde a todos!

Há alguns meses, reunimo-nos em Roma e não esqueço aquele nosso primeiro encontro. Durante este tempo, trouxe-vos no meu coração e nas minhas orações. Alegra-me vê-vos de novo aqui, debatendo os melhores caminhos para superar as graves situações de injustiça que padecem os excluídos em todo o mundo. Obrigado Senhor Presidente Evo Morales, por sustentar tão decididamente este Encontro. Então, em Roma, senti algo muito belo: fraternidade, paixão, entrega, sede de justiça. Hoje, em Santa Cruz de la Sierra, volto a sentir o mesmo. Obrigado! Soube também, pelo Pontifício Conselho «Justiça e Paz» presidido pelo Cardeal Turkson, que são muitos na Igreja aqueles que se sentem mais próximos dos movimentos populares. Muito me alegro por isso! Ver a Igreja com as portas abertas a todos vós, que se envolve, acompanha e consegue sistematizar em cada diocese, em cada comissão «Justiça e Paz», uma colaboração real, permanente e comprometida com os movimentos populares. Convido-vos a todos, bispos, sacerdotes e leigos, juntamente com as organizações sociais das periferias urbanas e rurais a aprofundar este encontro.

Deus permitiu que nos voltássemos a ver hoje. A Bíblia lembra-nos que Deus escuta o clamor do seu povo e também eu quero voltar a unir a minha voz à vossa: terra, tecto e trabalho para todos os nossos irmãos e irmãs. Disse-o e repito: são direitos sagrados. Vale a pena, vale a pena lutar por eles. Que o clamor dos excluídos seja escutado na América Latina e em toda a terra.

1. Comecemos por reconhecer que precisamos duma mudança. Quero esclarecer, para que não haja mal-entendidos, que falo dos problemas comuns de todos os latino-americanos e, em geral, de toda a humanidade. Problemas, que têm uma matriz global e que actualmente nenhum Estado pode resolver por si mesmo. Feito este esclarecimento, proponho que nos coloquemos estas perguntas:

– Reconhecemos nós que as coisas não andam bem num mundo onde há tantos camponeses sem terra, tantas famílias sem tecto, tantos trabalhadores sem direitos, tantas pessoas feridas na sua dignidade?

– Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando explodem tantas guerras sem sentido e a violência fratricida se apodera até dos nossos bairros? Reconhecemos nós que as coisas não andam bem, quando o solo, a água, o ar e todos os seres da criação estão sob ameaça constante?

Então digamo-lo sem medo: Precisamos e queremos uma mudança.

Nas vossas cartas e nos nossos encontros, relataram-me as múltiplas exclusões e injustiças que sofrem em cada actividade laboral, em cada bairro, em cada território. São tantas e tão variadas como muitas e diferentes são as formas próprias de as enfrentar. Mas há um elo invisível que une cada uma destas exclusões: conseguimos nós reconhecê-lo? É que não se trata de questões isoladas. Pergunto-me se somos capazes de reconhecer que estas realidades destrutivas correspondem a um sistema que se tornou global. Reconhecemos nós que este sistema impôs a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na destruição da natureza?

Se é assim – insisto – digamo-lo sem medo: Queremos uma mudança, uma mudança real, uma mudança de estruturas. Este sistema é insuportável: não o suportam os camponeses, não o suportam os trabalhadores, não o suportam as comunidades, não o suportam os povos…. E nem sequer o suporta a Terra, a irmã Mãe Terra, como dizia São Francisco.

Queremos uma mudança nas nossas vidas, nos nossos bairros, no vilarejo, na nossa realidade mais próxima; mas uma mudança que toque também o mundo inteiro, porque hoje a interdependência global requer respostas globais para os problemas locais. A globalização da esperança, que nasce dos povos e cresce entre os pobres, deve substituir esta globalização da exclusão e da indiferença.

Hoje quero reflectir convosco sobre a mudança que queremos e precisamos. Como sabem, recentemente escrevi sobre os problemas da mudança climática. Mas, desta vez, quero falar duma mudança noutro sentido. Uma mudança positiva, uma mudança que nos faça bem, uma mudança – poderíamos dizer – redentora. Porque é dela que precisamos. Sei que buscais uma mudança e não apenas vós: nos diferentes encontros, nas várias viagens, verifiquei que há uma expectativa, uma busca forte, um anseio de mudança em todos os povos do mundo. Mesmo dentro da minoria cada vez mais reduzida que pensa sair beneficiada deste sistema, reina a insatisfação e sobretudo a tristeza. Muitos esperam uma mudança que os liberte desta tristeza individualista que escraviza.

O tempo, irmãos e irmãs, o tempo parece exaurir-se; já não nos contentamos com lutar entre nós, mas chegamos até a assanhar-nos contra a nossa casa. Hoje, a comunidade científica aceita aquilo que os pobres já há muito denunciam: estão a produzir-se danos talvez irreversíveis no ecossistema. Está-se a castigar a terra, os povos e as pessoas de forma quase selvagem. E por trás de tanto sofrimento, tanta morte e destruição, sente-se o cheiro daquilo que, um dos primeiros teólogos da Igreja, Basílio de Cesareia chamava «o esterco do diabo»: reina a ambição desenfreada de dinheiro. Esse é o esterco do diabo. O serviço ao bem comum fica em segundo plano. Quando o capital se torna um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro domina todo o sistema socioecónomico, arruína a sociedade, condena o homem, transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum. A irmã e mãe Terra. Não quero alongar-me na descrição dos efeitos malignos desta ditadura subtil: vós conheceilos! Mas também não basta assinalar as causas estruturais do drama social e ambiental contemporâneo. Sofremos de um certo excesso de diagnóstico, que às vezes nos leva a um pessimismo charlatão ou a rejubilar com o negativo. Ao ver a crónica negra de cada dia, pensamos que não haja nada que se possa fazer para além de cuidar de nós mesmos e do pequeno círculo da família e dos amigos. Que posso fazer eu, recolhedor de papelão, catador de lixo, limpador, reciclador, frente a tantos problemas, se mal ganho para comer? Que posso fazer eu, artesão, vendedor ambulante, carregador, trabalhador irregular, se não tenho sequer direitos laborais? Que posso fazer eu, camponesa, indígena, pescador que dificilmente consigo resistir à propagação das grandes corporações? Que posso fazer eu, a partir da minha comunidade, do meu barraco, da minha povoação, da minha favela, quando sou diariamente discriminado e marginalizado? Que pode fazer aquele estudante, aquele jovem, aquele militante, aquele missionário que atravessa as favelas e os paradeiros com o coração cheio de sonhos, mas quase sem nenhuma solução para os meus problemas? Podem fazer muito! Podem fazer muito. Vós, os mais humildes, os explorados, os pobres e excluídos, podeis e fazeis muito. Atrevo-me a dizer que o futuro da humanidade está, em grande medida, nas vossas mãos, na vossa capacidade de vos organizar e promover alternativas criativas na busca diária dos “3 T” (trabalho, tecto, terra), e também na vossa participação como protagonistas nos grandes processos de mudança nacionais, regionais e mundiais. Não se acanhem!

2. Vós sois semeadores de mudança. Aqui, na Bolívia, ouvi uma frase de que gosto muito: «processo de mudança». A mudança concebida, não como algo que um dia chegará porque se impôs esta ou aquela opção política ou porque se estabeleceu esta ou aquela estrutura social. Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba a longo ou curto prazo por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir. É preciso mudar o coração. Por isso gosto tanto da imagem do processo, onde a paixão por semear, por regar serenamente o que outros verão florescer, substitui a ansiedade de ocupar todos os espaços de poder disponíveis e de ver resultados imediatos. A opção é por gerar processos e não por ocupar espaços. Cada um de nós é apenas uma parte de um todo complexo e diversificado interagindo no tempo: povos que lutam por uma afirmação, por um destino, por viver com dignidade, por «viver bem», dignamente, nesse sentido.

Vós, a partir dos movimentos populares, assumis as tarefas comuns motivados pelo amor fraterno, que se rebela contra a injustiça social. Quando olhamos o rosto dos que sofrem, o rosto do camponês ameaçado, do trabalhador excluído, do indígena oprimido, da família sem tecto, do imigrante perseguido, do jovem desempregado, da criança explorada, da mãe que perdeu o seu filho num tiroteio porque o bairro foi tomado pelo narcotráfico, do pai que perdeu a sua filha porque foi sujeita à escravidão; quando recordamos estes «rostos e nomes» estremecem-nos as entranhas diante de tanto sofrimento e comovemo-nos…. Porque «vimos e ouvimos», não a fria estatística, mas as feridas da humanidade dolorida, as nossas feridas, a nossa carne. Isto é muito diferente da teorização abstracta ou da indignação elegante. Isto comove-nos, move-nos e procuramos o outro para nos movermos juntos. Esta emoção feita acção comunitária é incompreensível apenas com a razão: tem um plus de sentido que só os povos entendem e que confere a sua mística particular aos verdadeiros movimentos populares.

Vós viveis, cada dia, imersos na crueza da tormenta humana. Falastes-me das vossas causas, partilhastes comigo as vossas lutas, desde Buenos Aires, e agradeço-vos. Queridos irmãos, muitas vezes trabalhais no insignificante, no que aparece ao vosso alcance, na realidade injusta que vos foi imposta e a que não vos resignais opondo uma resistência activa ao sistema idólatra que exclui, degrada e mata. Vi-vos trabalhar incansavelmente pela terra e a agricultura camponesa, pelos vossos territórios e comunidades, pela dignificação da economia popular, pela integração urbana das vossas favelas e agrupamentos, pela auto-construção de moradias e o desenvolvimento das infra-estruturas do bairro e em muitas actividades comunitárias que tendem à reafirmação de algo tão elementar e inegavelmente necessário como o direito aos “3 T”: terra, tecto e trabalho. Este apego ao bairro, à terra, ao território, à profissão, à corporação, este reconhecer-se no rosto do outro, esta proximidade no dia-a-dia, com as suas misérias, porque existem, as temos, e os seus heroísmos quotidianos, é o que permite realizar o mandamento do amor, não a partir de ideias ou conceitos, mas a partir do genuíno encontro entre pessoas, precisamos instaurar essa cultura do encontro, porque não se amam os conceitos nem as ideias; ninguém ama um conceito, ninguém ama uma ideia. Amam-se as pessoas. A entrega, a verdadeira entrega nasce do amor pelos homens e mulheres, crianças e idosos, vilarejos e comunidades… Rostos e nomes que enchem o coração. A partir destas sementes de esperança semeadas pacientemente nas periferias esquecidas do planeta, destes rebentos de ternura que lutam por subsistir na escuridão da exclusão, crescerão grandes árvores, surgirão bosques densos de esperança para oxigenar este mundo.

Vejo, com alegria, que trabalhais no que aparece ao vosso alcance, cuidando dos rebentos; mas, ao mesmo tempo, com uma perspectiva mais ampla, protegendo o arvoredo. Trabalhais numa perspectiva que não só aborda a realidade sectorial que cada um de vós representa e na qual felizmente está enraizada, mas procurais também resolver, na sua raiz, os problemas gerais de pobreza, desigualdade e exclusão. Felicito-vos por isso. É imprescindível que, a par da reivindicação dos seus legítimos direitos, os povos e as suas organizações sociais construam uma alternativa humana à globalização exclusiva. Vós sois semeadores de mudança. Que Deus vos dê coragem, alegria, perseverança e paixão para continuar a semear. Podeis ter a certeza de que, mais cedo ou mais tarde, vamos ver os frutos. Peço aos dirigentes: sede criativos e nunca percais o apego às coisas próximas, porque o pai da mentira sabe usurpar palavras nobres, promover modas intelectuais e adoptar posições ideológicas, mas se construirdes sobre bases sólidas, sobre as necessidades reais e a experiência viva dos vossos irmãos, dos camponeses e indígenas, dos trabalhadores excluídos e famílias marginalizadas, de certeza não vos equivocareis.

A Igreja não pode nem deve ser alheia a este processo no anúncio do Evangelho. Muitos sacerdotes e agentes pastorais realizam uma tarefa imensa acompanhando e promovendo os excluídos em todo o mundo, ao lado de cooperativas, dando impulso a empreendimentos, construindo casas, trabalhando abnegadamente nas áreas da saúde, desporto e educação. Estou convencido de que a cooperação amistosa com os movimentos populares pode robustecer estes esforços e fortalecer os processos de mudança.

No coração, tenhamos sempre a Virgem Maria, uma jovem humilde duma pequena aldeia perdida na periferia dum grande império, uma mãe sem tecto que soube transformar um curral de animais na casa de Jesus com uns pobres paninhos e uma montanha de ternura. Maria é sinal de esperança para os povos que sofrem dores de parto até que brote a justiça. Rezo à Virgem do Carmo, padroeira da Bolívia, para fazer com que este nosso Encontro seja fermento de mudança.

3. Esse padre fala muito, não? Por último, gostaria que reflectíssemos, juntos, sobre algumas tarefas importantes neste momento histórico, pois queremos uma mudança positiva em benefício de todos os nossos irmãos e irmãs. Disto estamos certos! Queremos uma mudança que se enriqueça com o trabalho conjunto de governos, movimentos populares e outras forças sociais. Sabemos isto também! Mas não é tão fácil definir o conteúdo da mudança, ou seja, o programa social que reflicta este projecto de fraternidade e justiça que esperamos. Neste sentido, não esperem uma receita deste Papa. Nem o Papa nem a Igreja têm o monopólio da interpretação da realidade social e da proposta de soluções para os problemas contemporâneos. Atrever-me-ia a dizer que não existe uma receita. A história é construída pelas gerações que se vão sucedendo no horizonte de povos que avançam individuando o próprio caminho e respeitando os valores que Deus colocou no coração.

Gostaria, no entanto, de vos propor três grandes tarefas que requerem a decisiva contribuição do conjunto dos movimentos populares:

3.1 A primeira tarefa é pôr a economia ao serviço dos povos. Os seres humanos e a natureza não devem estar ao serviço do dinheiro. Digamos NÃO a uma economia de exclusão e desigualdade, onde o dinheiro reina em vez de servir. Esta economia mata. Esta economia exclui. Esta economia destrói a Mãe Terra.

A economia não deveria ser um mecanismo de acumulação, mas a condigna administração da casa comum. Isto implica cuidar zelosamente da casa e distribuir adequadamente os bens entre todos. A sua finalidade não é unicamente garantir o alimento ou um «decoroso sustento». Não é sequer, embora fosse já um grande passo, garantir o acesso aos “3 T” pelos quais combateis. Uma economia verdadeiramente comunitária – poder-se-ia dizer, uma economia de inspiração cristã – deve garantir aos povos dignidade, «prosperidade e civilização em seus múltiplos aspectos». Esta última frase foi dita pelo Papa João XIII há 50 anos. Jesus fala no Evangelho aquele que dê expontaneamente um copo de água para quem tem sede, lhe será tido em conta no reino dos céus. Assim que…

Isto envolve os “3 T” mas também acesso à educação, à saúde, à inovação, às manifestações artísticas e culturais, à comunicação, ao desporto e à recreação. Uma economia justa deve criar as condições para que cada pessoa possa gozar duma infância sem privações, desenvolver os seus talentos durante a juventude, trabalhar com plenos direitos durante os anos de actividade e ter acesso a uma digna aposentação na velhice. É uma economia onde o ser humano, em harmonia com a natureza, estrutura todo o sistema de produção e distribuição de tal modo que as capacidades e necessidades de cada um encontrem um apoio adequado no ser social. Vós – e outros povos também – resumis este anseio duma maneira simples e bela: «viver bem». Que não é o mesmo que “esbanjar” (ndr: tradução nossa da expressão espanhola “pasarla bien”).

Esta economia é não apenas desejável e necessária, mas também possível. Não é uma utopia, nem uma fantasia. É uma perspectiva extremamente realista. Podemos consegui-la. Os recursos disponíveis no mundo, fruto do trabalho intergeneracional dos povos e dos dons da criação, são mais que suficientes para o desenvolvimento integral de «todos os homens e do homem todo». Mas o problema é outro. Existe um sistema com outros objectivos. Um sistema que, apesar de acelerar irresponsavelmente os ritmos da produção, apesar de implementar métodos na indústria e na agricultura que sacrificam a Mãe Terra na ara da «produtividade», continua a negar a milhares de milhões de irmãos os mais elementares direitos económicos, sociais e culturais. Este sistema atenta contra o projecto de Jesus. Contra a boa notícia que trouxe Jesus.

A justa distribuição dos frutos da terra e do trabalho humano não é mera filantropia. É um dever moral. Para os cristãos, o encargo é ainda mais forte: é um mandamento. Trata-se de devolver aos pobres e às pessoas o que lhes pertence. O destino universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. É uma realidade anterior à propriedade privada. A propriedade, sobretudo quando afecta os recursos naturais, deve estar sempre em função das necessidades das pessoas. E estas necessidades não se limitam ao consumo. Não basta deixar cair algumas gotas, quando os pobres agitam este copo que, por si só, nunca derrama. Os planos de assistência que acodem a certas emergências deveriam ser pensados apenas como respostas transitórias. Nunca poderão substituir a verdadeira inclusão: a inclusão que dá o trabalho digno, livre, criativo, participativo e solidário. Neste caminho, os movimentos populares têm um papel essencial, não apenas exigindo e reclamando, mas fundamentalmente criando. Vós sois poetas sociais: criadores de trabalho, construtores de casas, produtores de alimentos, sobretudo para os descartados pelo mercado global. Conheci de perto várias experiências, onde os trabalhadores, unidos em cooperativas e outras formas de organização comunitária, conseguiram criar trabalho onde só havia sobras da economia idólatra. As empresas recuperadas, as feiras francas e as cooperativas de catadores de papelão são exemplos desta economia popular que surge da exclusão e que pouco a pouco, com esforço e paciência, adopta formas solidárias que a dignificam. Quão diferente é isto do facto de os descartados pelo mercado formal serem explorados como escravos!

Os governos que assumem como própria a tarefa de colocar a economia ao serviço das pessoas devem promover o fortalecimento, melhoria, coordenação e expansão destas formas de economia popular e produção comunitária. Isto implica melhorar os processos de trabalho, prover de adequadas infra-estruturas e garantir plenos direitos aos trabalhadores deste sector alternativo. Quando Estado e organizações sociais assumem, juntos, a missão dos “3 T”, activam-se os princípios de solidariedade e subsidiariedade que permitem construir o bem comum numa democracia plena e participativa.

3.2 A segunda tarefa é unir os nossos povos no caminho da paz e da justiça.

Os povos do mundo querem ser artífices do seu próprio destino. Querem caminhar em paz para a justiça. Não querem tutelas nem interferências, onde o mais forte subordina o mais fraco. Querem que a sua cultura, o seu idioma, os seus processos sociais e tradições religiosas sejam respeitados. Nenhum poder efectivamente constituído tem direito de privar os países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos novas formas de colonialismo que afectam seriamente as possibilidades de paz e justiça, porque «a paz funda-se não só no respeito pelos direitos do homem, mas também no respeito pelo direito dos povos, sobretudo o direito à independência».

Os povos da América Latina alcançaram, com um parto doloroso, a sua independência política e, desde então, viveram já quase dois séculos duma história dramática e cheia de contradições procurando conquistar uma independência plena. Nos últimos anos, depois de tantos mal-entendidos, muitos países latino-americanos viram crescer a fraternidade entre os seus povos. Os governos da região juntaram seus esforços para fazer respeitar a sua soberania, a de cada país e a da região como um todo que, de forma muito bela como faziam os nossos antepassados, chamam a «Pátria Grande». Peço-vos, irmãos e irmãs dos movimentos populares, que cuidem e façam crescer esta unidade. É necessário manter a unidade contra toda a tentativa de divisão, para que a região cresça em paz e justiça.

Apesar destes avanços, ainda subsistem factores que atentam contra este desenvolvimento humano equitativo e coarctam a soberania dos países da «Pátria Grande» e doutras latitudes do Planeta. O novo colonialismo assume variadas fisionomias. Às vezes, é o poder anónimo do ídolo dinheiro: corporações, credores, alguns tratados denominados «de livre comércio» e a imposição de medidas de «austeridade» que sempre apertam o cinto dos trabalhadores e dos pobres. Os bispos latino-americanos denunciam-no muito claramente, no documento de Aparecida, quando afirmam que «as instituições financeiras e as empresas transnacionais se fortalecem ao ponto de subordinar as economias locais, sobretudo debilitando os Estados, que aparecem cada vez mais impotentes para levar adiante projetos de desenvolvimento a serviço de suas populações». Noutras ocasiões, sob o nobre disfarce da luta contra a corrupção, o narcotráfico ou o terrorismo – graves males dos nossos tempos que requerem uma acção internacional coordenada – vemos que se impõem aos Estados medidas que pouco têm a ver com a resolução de tais problemáticas e muitas vezes tornam as coisas piores.

Da mesma forma, a concentração monopolista dos meios de comunicação social que pretende impor padrões alienantes de consumo e certa uniformidade cultural é outra das formas que adopta o novo colonialismo. É o colonialismo ideológico. Como dizem os bispos da África, muitas vezes pretende-se converter os países pobres em «peças de um mecanismo, partes de uma engrenagem gigante». Temos de reconhecer que nenhum dos graves problemas da humanidade pode ser resolvido sem a interacção dos Estados e dos povos a nível internacional. Qualquer acto de envergadura realizado numa parte do Planeta repercute-se no todo em termos económicos, ecológicos, sociais e culturais. Até o crime e a violência se globalizaram. Por isso, nenhum governo pode actuar à margem duma responsabilidade comum. Se queremos realmente uma mudança positiva, temos de assumir humildemente a nossa interdependência. Ou seja, nossa sadia independência. Mas interacção não é sinónimo de imposição, não é subordinação de uns em função dos interesses dos outros. O colonialismo, novo e velho, que reduz os países pobres a meros fornecedores de matérias-primas e mão de obra barata, gera violência, miséria, emigrações forçadas e todos os males que vêm juntos… precisamente porque, ao pôr a periferia em função do centro, nega-lhes o direito a um desenvolvimento integral. E isso, irmãos, desigualdade, e a desigualdade gera violência que nenhum recurso policial, militar ou dos serviços secretos será capaz de deter. Digamos NÃO às velhas e novas formas de colonialismo. Digamos SIM ao encontro entre povos e culturas. Bem-aventurados os que trabalham pela paz. Aqui quero deter-me num tema importante. É que alguém poderá, com direito, dizer: «Quando o Papa fala de colonialismo, esquece-se de certas acções da Igreja». Com pesar, vo-lo digo: Cometeram-se muitos e graves pecados contra os povos nativos da América, em nome de Deus. Reconheceram-no os meus antecessores, afirmou-o o CELAM e quero reafirmá-lo eu também. Como São João Paulo II, peço que a Igreja «se ajoelhe diante de Deus e implore o perdão para os pecados passados e presentes dos seus filhos». E eu quero dizer-vos, quero ser muito claro, como foi São João Paulo II: Peço humildemente perdão, não só para as ofensas da própria Igreja, mas também para os crimes contra os povos nativos durante a chamada conquista da América. E junto com esse pedido de perdão, e para ser justos, também quero que recordemos sacerdotes, bispos, que se oporam fortemente à lógica da espada com a força da cruz. Houve pecado, houve pecado e abunda, mas não pedimos perdão, e por isso pedimos perdão. Mas ali também onde houve pecado, onde houve abundante pecado, sobrebundou a graça, através desses homens que defenderam a justiça dos povos originários.

Peço-vos também a todos, crentes e não crentes, que se recordem de tantos bispos, sacerdotes e leigos que pregaram e pregam e continuam pregando a boa nova de Jesus com coragem e mansidão, respeito e em paz; disse bispos, sacerdotes e leigos, não quero esquecer-me das freirinhas que anonimamente andam pelos nossos bairros pobres, levando uma mensagem de paz e de justiça, que, na sua passagem por esta vida, deixaram impressionantes obras de promoção humana e de amor, pondo-se muitas vezes ao lado dos povos indígenas ou acompanhando os próprios movimentos populares mesmo até ao martírio. A Igreja, os seus filhos e filhas, fazem parte da identidade dos povos na América Latina. Identidade que alguns poderes, tanto aqui como noutros países, se empenham por apagar, talvez porque a nossa fé é revolucionária, porque a nossa fé desafia a tirania do ídolo dinheiro. Hoje vemos, com horror, como no Médio Oriente e noutros lugares do mundo se persegue, tortura, assassina a muitos irmãos nossos pela sua fé em Jesus. Isto também devemos denunciá-lo: dentro desta terceira guerra mundial em parcelas que vivemos, há uma espécie de genocídio em curso que deve cessar. Aos irmãos e irmãs do movimento indígena latino-americano, deixem-me expressar a minha mais profunda estima e felicitá-los por procurarem a conjugação dos seus povos e culturas segundo uma forma de convivência, a que eu chamo poliédrica, onde as partes conservam a sua identidade construindo, juntas, uma pluralidade que não atenta contra a unidade, mas fortalece-a. A sua procura desta interculturalidade que conjuga a reafirmação dos direitos dos povos nativos com o respeito à integridade territorial dos Estados enriquece-nos e fortalece-nos a todos.

3.3 A terceira tarefa, e talvez a mais importante que devemos assumir hoje, é defender a Mãe Terra. A casa comum de todos nós está a ser saqueada, devastada, vexada impunemente. A covardia em defendê-la é um pecado grave. Vemos, com crescente decepção, sucederem-se uma após outra cimeiras internacionais sem qualquer resultado importante. Existe um claro, definitivo e inadiável imperativo ético de actuar que não está a ser cumprido. Não se pode permitir que certos interesses – que são globais, mas não universais – se imponham, submetendo Estados e organismos internacionais, e continuem a destruir a criação. Os povos e os seus movimentos são chamados a clamar, mobilizar-se, exigir – pacífica mas tenazmente – a adopção urgente de medidas apropriadas. Peço-vos, em nome de Deus, que defendais a Mãe Terra. Sobre este assunto, expressei-me devidamente na carta encíclica Laudato si’.

4. Para concluir, quero dizer-lhes novamente: O futuro da humanidade não está unicamente nas mãos dos grandes dirigentes, das grandes potências e das elites. Está fundamentalmente nas mãos dos povos; na sua capacidade de se organizarem e também nas suas mãos que regem, com humildade e convicção, este processo de mudança. Estou convosco. Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família sem tecto, nenhum camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania, nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra. Rezo por vós, rezo convosco e quero pedir a nosso Pai Deus que vos acompanhe e abençoe, que vos cumule do seu amor e defenda no caminho concedendo-vos, em abundância, aquela força que nos mantém de pé: esta força é a esperança, e uma coisa importante, a esperança que não decepciona. Obrigado! E peço-vos, por favor, que rezeis por mim. E se algum de vocês não pode rezar, eu o respeito, peço que pense bem de mim, que me mande me mande um ok.

[Texto original: Espanhol, com expressões e frases acrescentadas pelo Papa, transcritas por ZENIT]

Papa convida a seguir o exemplo de Maria, que deu seu sim à vontade de Deus

Homilia do Papa na Missa celebrada na praça do Santuário Mariano de Caacupé, sábado, 11 de julho

Por Redação

Roma, 12 de Julho de 2015 (ZENIT.org)

O Santo Padre Francisco chegou nesta sexta-feira, 10 de julho, ao Paraguai, onde encerra sua viagem à América do Sul. Na manhã deste sábado, 11 de julho, o Papa presidiu a Santa Missa na praça do Santuário Mariano de Caacupé. Eis a homilia na íntegra:

Estar aqui convosco é sentir-me em casa, aos pés da nossa Mãe, a Virgem dos Milagres de Caacupé. Num santuário, nós, filhos, encontramo-nos com a nossa Mãe e lembramo-nos de que somos irmãos uns dos outros. É um lugar de festa, de encontro, de família. Vimos apresentar as nossas necessidades, vimos agradecer, pedir perdão e recomeçar. Muitos baptismos, muitas vocações sacerdotais e religiosas, muitos namoros e matrimónios nasceram aos pés da nossa Mãe. Muitas lágrimas e despedidas. Vimos sempre com a nossa vida, porque aqui estamos em casa e o melhor de tudo é saber que há alguém que nos espera.

Como tantas outras vezes, viemos porque queremos renovar a paixão de viver a alegria do Evangelho.

Como não reconhecer que este santuário é parte vital do povo paraguaio, parte da vossa vida. Assim o sentis, assim o rezais, assim o cantais: «No teu Éden de Caacupé, é o teu povo, Virgem pura, que Te dá o seu amor e fé». E estamos hoje, como Povo de Deus, aos pés da nossa Mãe para Lhe dar o nosso amor e fé.

No Evangelho, acabámos de ouvir o anúncio do Anjo a Maria com estas palavras: Alegra-Te, ó cheia de graça, o Senhor está contigo. Alegra-Te, Maria; alegra-Te! Perante esta saudação, Ela ficou perplexa e interrogava-Se acerca do seu significado. Não entende grande coisa do que estava a acontecer; mas soube que vinha de Deus e disse: Sim. Maria é a Mãe do Sim. Sim ao sonho de Deus, sim ao projecto de Deus, sim à vontade de Deus.

Um sim que não foi nada fácil de viver, como sabemos. Um sim, que não a cumulou de privilégios nem distinções; antes, como Lhe dirá Simeão na sua profecia, «uma espada [Lhe] trespassará a alma» (Lc 2, 35) E sabemos que a trespassou… Por isso A amamos tanto, encontrando n’Ela uma verdadeira Mãe que nos ajuda a manter viva a fé e a esperança no meio das situações mais complicadas. Seguindo a profecia de Simeão, far-nos-á bem rever brevemente três momentos difíceis na vida de Maria.

1. Primeiro: o nascimento de Jesus. Não havia lugar para eles. Não tinham uma casa, uma morada para receber o seu filho. Não havia lugar, onde pudesse dar à luz. Nem família por perto, estavam sozinhos. O único lugar disponível era um curral de animais. E, na sua memória, ecoavam certamente as palavras do Anjo: Alegra-Te, Maria, o Senhor está contigo. E poderia ter-Se perguntado: Onde está Ele agora?

2. Segundo momento: a fuga para o Egipto. Tiveram de partir, exilar-Se. Em Belém, não só não havia lugar nem família, mas até mesmo as suas vidas corriam perigo. Tiveram que sair, partindo para uma terra estrangeira. Foram emigrantes perseguidos pela cobiça e a ganância do Rei Herodes. E lá ela também poderia ter-se perguntado: Onde está aquilo que o Anjo Me disse?

3. Terceiro momento: a morte na cruz. Não deve haver uma situação mais difícil para uma mãe do que acompanhar a morte do seu filho. São momentos lancinantes. Lá, ao pé da cruz, vemos Maria, como qualquer mãe, firme, sem abandonar, mas acompanhando seu filho até ao momento extremo da morte e morte de cruz. E lá também poderia ter-se perguntado: Onde está aquilo que o Anjo Me disse? Em seguida, a vemos contendo e sustentando os discípulos.

Contemplamos a sua vida e sentimo-nos compreendidos, entendidos. Podemos sentar-nos a rezar e usar uma linguagem comum a tantas situações que vivemos diariamente. Podemo-nos identificar com muitas situações da sua vida. Contar-Lhe as nossas coisas, porque Ela entende-as.

Ela é mulher de fé, é a Mãe da Igreja, Ela acreditou. A sua vida é testemunha de que Deus não decepciona, que Deus não abandona o seu Povo, embora existam momentos ou situações onde parece que Ele não está. Ela foi a primeira discípula que acompanhou seu Filho e sustentou a esperança dos apóstolos nos momentos difíceis. Estavam trancados com não sei quantas chaves, com medo, no cenáculo. Foi a mulher que esteve atenta e soube dizer – quando parecia ser o fim da festa e da alegria –: «Não têm vinho!» (Jo 2, 3). Foi a mulher que soube ir e ficar com a sua prima «cerca de três meses» (Lc 1, 56), para esta não estar sozinha no parto. Esta é nossa mãe, tão boa, tão generosa, tão presente acompanhando-nos na nossa vida.

Sabemos tudo isto pelo Evangelho; mas também sabemos que, nesta terra, é a Mãe que esteve ao nosso lado em muitas situações difíceis. Este santuário guarda como um tesouro a memória de um Povo que sabe que Maria é Mãe, que esteve e está ao lado dos seus filhos.

Esteve e está nos nossos hospitais, nas nossas escolas, nas nossas casas. Esteve e está nos nossos trabalhos e nos nossos caminhos. Esteve e está à mesa de cada lar. Esteve e está na formação da Pátria, fazendo-nos uma Nação. Sempre com uma presença discreta e silenciosa. Quando olhamos uma imagem, um santinho ou uma medalha, o sinal dum terço, sabemos que não andamos sozinhos, porque ela nos acompanha.

E por que motivo? Porque Maria simplesmente quis estar no meio de seu Povo, com os seus filhos, com a sua família. Seguindo sempre Jesus, no meio da multidão. Como boa mãe, não abandonou os seus; antes pelo contrário, sempre apareceu onde um filho podia ter necessidade d’Ela. E isto, só porque é Mãe.

Uma Mãe que aprendeu a ouvir e a viver, no meio de tantas dificuldades, aquele «não temas, o Senhor está contigo». Uma Mãe que continua a dizer-nos: «Fazei o que Ele vos disser». Este é o seu convite constante e contínuo: «Fazei o que Ele vos disser». Não tem um programa próprio, não vem dizer-nos nada de novo; antes, ela gosta de ficar calada, apenas a sua fé acompanha a nossa fé.

Vós sabeis isto, experimentastes o que estamos a partilhar convosco. Todos vós, todos os paraguaios têm a memória viva de um Povo que encarnou estas palavras do Evangelho. E quero referir-me de modo especial a vós, mulheres e mães paraguaias, que, com grande coragem e dedicação, soubestes levantar um país derrotado, afundado, submerso por uma guerra iniqua.

Vós tendes a memória, vós tendes o DNA daquelas que reconstruíram a vida, a fé, a dignidade do seu povo, junto com Maria. Vivestes situações muito, muito difíceis, que, vistas sob uma lógica comum, poriam em causa toda a fé. Pelo contrário vós impelidas e sustentadas pela Virgem Maria, continuastes crentes, inclusive «com uma esperança para além do que se podia esperar» (Rm 4, 18). E quando tudo parecia desmoronar-se, dizíeis juntamente com Maria: Não temamos! O Senhor está connosco, está com o nosso povo, com as nossas famílias; façamos o que Ele nos disser. E assim encontrastes ontem e encontrais hoje força para não deixar que esta terra caia no caos. Deus abençoe esta tenacidade, Deus vos abençoe e anime, Deus abençoe a mulher paraguaia, a mais gloriosa da América.

Como povo, viemos à nossa casa, à casa da Pátria paraguaia, para ouvir mais uma vez estas palavras que nos fazem muito bem: «Alegra-te, o Senhor está contigo». São um apelo a não perder a memória, a não perder as raízes, os inúmeros testemunhos que receberam de povo crente, comprovado pelas suas lutas. Uma fé que se fez vida, uma vida que se fez esperança e uma esperança que vos leva a «primeirear» na caridade. Sim, como Jesus, continuem a «primeirear» no amor. Sede vós os portadores desta fé, desta vida, desta esperança. Vós, paraguaios, sede forjadores deste hoje e do amanhã.

Voltando o olhar para a imagem de Maria, convido-vos a dizer juntos: «No teu Éden de Caacupé, é o teu povo, Virgem pura, que Te dá o seu amor e fé». Todos juntos: «No teu Éden de Caacupé, é o teu povo, Virgem pura, que Te dá o seu amor e fé». Rogai por nós, Santa Mãe de Deus, para que sejamos dignos de alcançar as promessas e graças de nosso Senhor Jesus Cristo. Amen.

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