Quaresma (Parte III)

Dando continuidade a nossa caminhada nesta Quaresma, na qual meditamos sobre a oração, esmola e jejum no contexto da Justiça, Amor e Perdão, iremos tecer alguns comentários sobre o Perdão.

3 – Perdão

O perdão é o fruto da vivência da oração, do jejum e da esmola. Só perdoa quem ama e conhece a justiça de Deus diante dos seus próprios atos. Desta forma é necessário conhecermos a Deus e a nós mesmos para  que possamos perdoar o outro. Aquele que não reconhece as suas limitações e pecados, se acha muito justo e correto, sem erros, não reconhecerá o perdão de Deus em sua vida e nem perdoará, tão pouco, o irmão.

Tomaremos a Palavra de Lucas 15,11-32. É a Palavra do Filho Pródigo. Nesta história narrada por Jesus, um homem tinha dois filhos, o filho mais novo chegou para o Pai e lhe pediu sua parte da herança, pois não mais desejava ficar em sua casa. Interessante é que o Pai não contestou, respeitou a decisão do seu filho. Este foi para longe e gastou todos os seus bens numa vida desenfreada. Quando não tinha mais nada que tinha trazido do Pai, foi cuidar dos porcos, e com fome, nem as bolotas destes podia comer. Às vezes contemplamos esta Palavra e pensamos só no gasto de dinheiro, que também aconteceu, mas não podemos deixar de analisar que este filho era portador de dons, que provinham da casa do Pai, que não se negou a lhe dá. Também nós muitas vezes nos comportamos como este filho, temos dons que Deus nos deu, mas nos afastamos dEle, ou seja, da sua intimidade, e começamos a utilizar estes dons apenas para coisas passageiras (roupas, bebidas, trabalho, lazer, consumismo, prazer, etc). Irá chegar um momento em que tudo o que fazemos com os dons que Deus nos deu que não estão em seus planos irão nos escravizar, deixando um vazio e nos levando a mendigar as ‘bolotas’ dos porcos, ou seja, nos comportamos como animais, perdendo a nossa dignidade de pessoa, de filhos e consequentemente não respeitando as outras pessoas. Assim muitos se perdem nas drogas, no alcoolismo, na internet, na escravidão do trabalho.

Mas quando o homem se dá conta do que está fazendo de sua vida, e percebe que ela não tem sentido fora da casa do Pai, ele volta. Reconhece que nada lhe vale os bens sem o seu amor. Ao voltar, encontramos uma cena única: o Pai sentiu compaixão, misericórdia e correu ao seu encontro, e algumas traduções dizem que ele se lançou em seu pescoço e o cobriu de beijos. Nada perguntou ao filho, só amou. Este é o perdão que somos chamados a viver, do filho que se reconhece pecador, se perdoa, e tem certeza do amor do Pai, e o perdão do Pai que o acolhe sem julgamentos, o abraça e acolhe em sua casa, e faz uma grande festa. É assim que devemos fazer com aqueles que estão longe e voltam.

Somos chamados a perdoar, perdão que deverá começar com um acolhimento dentro do nosso coração, depois vamos ao encontro. Quem perdoa acolhe e acredita, sempre.

Mas ainda nos deparamos com a figura do filho mais velho, que ao saber que seu irmão está de volta, fica triste e com inveja, não acolhe, e ainda recorda que seu irmão gastou tudo com prostitutas. A prostituição na Sagrada Escritura é sempre em relação a Deus, ou seja, ele estava adorando outros deuses. Quem não se sente acolhido irá sempre se comparar ao tratamento dado aos outros, tem complexo de inferioridade, é duro consigo e com os irmãos, não se reconhece necessitado do perdão, desta forma não perdoa, está sempre julgando e apontando. Os nossos escritos nos dizem:

A medida que medes o outro é a mesma medida que medes a ti mesmo (ECCRM*).

O perdão precisa começar dentro de nós, nos perdoando, e reconhecendo que necessitamos do perdão do Pai.

A Palavra continua, e o Pai vai ao encontro do filho, agora o mais velho: “Filho, tu estás sempre comigo, e o que é meu é teu”. O Pai nos ensina que, não só aquele que está longe de sua casa precisa de acolhimento e perdão, mas muitos dentro de nossas comunidades estão como este filho mais velho, cumprem todos os seus trabalhos, mas seu coração está longe do coração paterno. Ainda não se sente acolhido, amado, justificado e perdoado. Estes que parecem ter tudo, também precisam do resgate do Pai. Os dois filhos precisam de sandálias nos pés (humildade e obediência, fabricadas delicadamente pelas mãos de Nossa Senhora) para caminharem, vestes novas (tecidas pelo o Espírito Santo, com linhas da vida de oração, Eucaristia, Reconciliação e Formação) e anel no dedo (sinal de filiação e dignidade de filho de Deus, através do acreditar e acolher a vontade de Deus).

Que possamos nesta quarta semana da Quaresma, pedirmos a graça do perdão a Deus, de nos reconciliarmos com conosco, com Deus e com o próximo. E livres para amar, possamos nos lançar em direção a tantos filhos mais novos e mais velhos que estão a espera do abraço do Pai, a partir de nós. Amém!

 

Janet Alves
Formadora Geral da Comunidade Católica Reviver pela Misericórdia

* Escritos da Comunidade Católica Reviver pela Misericórdia