Ser médico católico hoje exige heroísmo

Ser médico católico hoje exige heroísmo

BERNARD ARS

Listas de espera, especulação financeira, depressão, pressão para promover a eutanásia, gravidez de aluguel… Os desafios que os médicos enfrentam hoje em dia são numerosos e, para alguns, inéditos. Entrevista com o Dr. Bernard Ars, novo presidente da Federação Internacional das Associações dos Médicos Católicos

À frente da Federação Internacional das Associações de Médicos Católicos (FIAMC) há alguns meses, o Dr. Bernard Ars, professor universitário (PhD) e especialista em otorrinolaringologia e cirurgia cérvico-facial, definiu três prioridades: “estimular a compaixão particular que nós, médicos católicos, devemos desenvolver diante da precariedade vital e social, espalhando a antropologia e a moral cristã, assim como o justo diálogo entre Fé, Razão e Ciência, permanecendo fiéis à Igreja e a seu Magistério, e aumentar nossa vida interior”.

A FIAMC é composto por 80 associações que representam cerca de 120.000 membros de todo o mundo. Tem uma missão dupla: por um lado, fortalecer os médicos que se comprometem com a federação por sua fé em Jesus Cristo, para ajudá-los a aplicar a mensagem do Evangelho em sua prática diária. Por outro lado, informar a Santa Sé das realidades e evoluções da medicina em relação à clínica e à pesquisa.

– Aleteia: Os médicos católicos estão cada vez mais em situações onde eles devem reivindicar o direito à objeção de consciência, porque os sistemas de cuidados de saúde os obrigam a práticas contrárias à dignidade humana: manipulação genética, eutanásia, aborto… O que você recomenda a esses médicos?

Dr. Bernard Ars: Por um lado, eu os aconselho a estarem sempre cientes de que a cláusula de consciência está incluída em todos os seus contratos com uma instituição ou um colaborador, bem como na legislação de seus países e, por outro lado, formar adequadamente sua própria consciência moral ao longo de sua vida estudando a antropologia cristã e estimulando momentos de revitalização da vida interior.

– O que diz a cláusula de consciência?

O dever da objeção de consciência manifesta a grandeza da dignidade humana. Uma pessoa nunca pode ser forçada a cometer um mal moral. Ela não pode consciente e deliberadamente aderir a uma ação que destrói sua própria dignidade. A liberdade do ser humano é um reflexo da imagem e semelhança que Deus imprimiu de Si mesmo no coração dessa pessoa. Essa pessoa não pode usar sua liberdade para apagar o reflexo da presença de Deus nela.

É por isso que deve resistir às leis humanas injustas. Este foi o caso em certos momentos da história com a discriminação racial e o apartheid, é o caso hoje com o aborto, a eutanásia e outros atos inconciliáveis com a dignidade da pessoa. Se um médico católico se opõe a certas práticas, não é porque seja católico em primeiro lugar, mas porque é uma pessoa, um ser que ouve a voz de sua consciência, iluminada e confirmada pela doutrina da Igreja.

Todos conhecemos a anedota do cardeal Newman, a quem perguntaram se brindaria antes pela consciência ou pelo Papa. Quando ele respondeu que iria levantar a taça primeiro pela consciência e, em seguida, pelo Papa, não tinha a intenção de se opor ao cristão, contra a Igreja, mas honrar a voz única da verdade cujo eco soa primeiro na consciência do cristão, com a confirmação, se fosse necessário, do juízo da Igreja.

– O Papa e a Santa Sé recorrem a sua associação para aprender sobre problemas de bioética. Como o relacionamento com o Vaticano é articulado?

Nossas trocas de informações não dizem respeito apenas a problemas de bioética. A medicina está envolvida em muitas áreas do ser humano: pesquisa científica, cultura, família… Os problemas de bioética são essencialmente da responsabilidade da Academia Pontifícia para a Vida, que depende do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida. Quanto à FIAMC, depende do Dicastério para o Serviço de Desenvolvimento Humano Integral.

– Quais são as questões éticas que hoje são colocadas aos médicos católicos?

Os problemas éticos encontrados pelos médicos católicos variam em intensidade, de acordo com a prática e as regiões do mundo. Por exemplo, os clínicos gerais enfrentam dificuldades éticas e deontológicas no relacionamento pessoa a pessoa. Especialistas médicos enfrentam dificuldades éticas referentes à dominação da tecnociência, à indústria, especialmente a farmacêutica, bem como o consumismo sanitário.

Por último, os pesquisadores médicos enfrentam dificuldades éticas relacionadas aos objetivos e estratégias de trabalho, bem como os laços de financiamento. Muitas vezes, nos últimos anos, a bioética tem sido interpretada e instrumentalizada ideologicamente de maneira inconsistente com seus objetivos iniciais, que eram a defesa da vida e do ser humano, e também a visão cristã da pessoa. Para devolver seu profundo sentido à bioética, é importante formar consciências morais baseadas em uma antropologia cristã atualizada, orientada para o bem comum.

– A medicina contemporânea, baseada no hospital e no big data, corre o risco de perder a relação médico-paciente. Como seria possível recuperar o papel do médico em nossa sociedade?

Além do verdadeiro problema ético do big data, a coleta automatizada de dados do paciente permite um diagnóstico rápido e uma terapia precisa. Embora seja, sem dúvida, um progresso no tratamento de doenças, a tecnicidade da medicina científica tende a reduzir o contato entre médico e paciente a um inventário do desempenho objetivo de funções biológicas essenciais.

No entanto, o paciente espera algo mais do médico. Embora certamente não é indiferente à dor e ao sofrimento de seu corpo e à ameaça que uma doença representa para seu futuro e de seu ambiente, o paciente também espera do médico que lhe ensine a viver com a doença.

– Mas, como você ajuda os doentes a desenvolver sua resiliência?

No paciente, a resiliência é um processo dinâmico e interativo entre você mesmo, sua família e seu meio ambiente e que lhe permite desenvolver uma trajetória nova e bem-sucedida, mudando a representação da realidade que lhe causa mal. Para isso, nós médicos devemos mostrar empatia, apoio, e saber escutar. Ouvir significa dar todo o valor que a palavra do outro merece. Através da escuta aprendemos do paciente o que ele está sentindo, assim como os meios para lidar com isso.

Para que a escuta seja frutífera e benéfica para o paciente, é conveniente respeitar seu ritmo. Não tente forçar as confidências e também devemos discernir o momento favorável para terminar a conversa. A resiliência é um processo de longo prazo. Somente deixando que o tempo faça seu trabalho pode nascer um “novo” modo de vida a partir da doença. Você tem que dar tempo ao tempo. Para que esse momento difícil seja suportável, precisamos saber como vivenciá-lo dia a dia.

– Então, como é dito no Evangelho de Mateus, “basta a cada dia o seu próprio mal”?

Todos os dias há muitas dificuldades, mas cada um tem a coragem de enfrentá-las. Devemos ajudar o paciente a receber os recursos que cada dia oferece e saber como deixar para trás, com confiança, o dia que termina. Mesmo nas piores condições, o ser humano tem a capacidade de se afastar das más circunstâncias usando o humor. Vamos ser receptivos e interativos! “Os homens são fortes enquanto representam uma ideia forte”, disse Freud.

É em torno dessa ideia forte, desse sentido que dá coerência à sua vida, que o ser humano pode ser construído e reconstruído. “Você tem que encontrar o sentido, porque é um objeto de busca, mas em nenhum caso deve ser dado. Cabe ao paciente encontrá-lo por si mesmo”, disse o professor de neurologia e psiquiatria Viktor Frankl. Além disso, o médico católico, além de sua competência científica e empatia humana, é também uma alma que vê Cristo sofrendo em sua doença e reza pelo homem ou mulher que sofre.

– Muitos médicos católicos exercem sua profissão em circunstâncias de extrema pobreza. Existe uma mensagem que você gostaria de passar para esses médicos?

Aos meus queridos colegas, sem dúvida, faltam ferramentas básicas de diagnóstico e terapias atualizadas para cuidar de seus pacientes e salvar vidas humanas. Eu diria a eles que não hesitem em alertar, por todos os meios a sua disposição, as organizações internacionais e seus círculos mais próximos para atenuar a gravidade de sua situação. Não obstante, saibam que são os melhores de nós, sua empatia é mais desenvolvida, e vocês compreendem melhor do que ninguém a angústia dos doentes.

Saibam também que muitos de nós oramos por vocês. E quando nós, médicos, não temos nada mais eficaz a propor que enfrentar a doença e o sofrimento, sempre temos nosso acompanhamento, nossa escuta e nosso tempo para oferecer. Trazemos sempre a esperança. Podemos sempre oferecer, por último e não menos importante, a ajuda poderosa da oração.

– Você poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória? Por que decidiu se dedicar à medicina? E como médico cristão?

Eu escolhi a medicina com 17 anos porque era uma profissão de relacionamento humano – de dar e receber – e porque eu sentia que poderia ser feliz praticando-a. Escolhi a otorrinolaringologia porque essa especialidade me dava, em proporções iguais, as alegrias das consultas clínicas, da cirurgia e dos trabalhos funcionais.

Quanto à vocação de médico cristão, não a escolhi na realidade. Ela veio devagar e suavemente. Eu sempre fui crente e praticante. No entanto, diante dos problemas e sofrimentos da vida, a prática cristã e também a minha vida de oração com Jesus me pareciam a única e verdadeira forma de vida.

– Gostaria de dar alguns conselhos aos jovens cristãos que querem se tornar médicos?

Comprometa-se onde quer que seu coração te chame! E quando assumir o compromisso, pratique sem cessar, no nível científico e técnico e de forma contínua. É uma questão de profissionalismo! Mas faça isso também no nível cultural, artístico, filosófico e mesmo teológico, a fim de ter a maior abertura humanística possível na escuta de nossos pacientes.

Com efeito, o paciente que vem nos consultar vem falar de si e espera que o médico ouça e responda. Ele está passando mal. Pode se sentir excluído. A resposta ao paciente se faz de maneira aberta sobre a doença. Isso leva o paciente a refletir sobre si mesmo e a doença que o aflige. A doença arredia e, mais ainda, a morte, podem aparecer como um limite para a eficácia médica. A tendência natural seria escapar dessa doença ou morte, mas o importante é estar disponível para que o paciente não se sinta sozinho diante dessa experiência.

O médico não é dono da vida ou da morte do paciente que lhe foi confiado. Ele não tem seu paciente, mas ele está a serviço da vida da pessoa que sofre. O médico católico vive de Cristo. Tem uma unidade vital, uma coerência em todos os aspectos da sua vida, que implica não só uma competência profissional e responsável, científica e técnica, em colaboração com as outras disciplinas sanitárias mas, acima de tudo, uma vida interior forte e cotidiana, bem como um conhecimento profundo da visão cristã do ser humano.

Em suma, uma antropologia cristã atualizada, expressada tanto na pesquisa quanto na clínica, em uma palavra, na cultura. A medicina não é uma ciência, é uma arte. É a profissão mais bonita do mundo!

300 milhões de cristãos são perseguidos hoje no mundo – e sua situação piora

RED WEDNESDAY

Há até países em que a situação se manteve inalterada na comparação com o relatório anterior porque já era tão grave que não tinha como piorar

Foi apresentado em Roma na última quinta-feira o XIV Relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, pela sigla internacionalmente adotada em inglês).

O relatório demonstra, em números e fatos documentados, que a perseguição religiosa continua dramática em pleno terceiro milênio, sendo os cristãos os mais perseguidos, discriminados e oprimidos em todo o planeta, em diferentes contextos.

Informações que destacam a mesma conclusão têm sido divulgadas também por organismos laicos, como a USCIRF, sigla em inglês da Comissão dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, e a International Society for Human Rights, uma ONG de Frankfurt, na Alemanha, bem como por entidades ligadas ao protestantismo, como a associação norte-americana Open Doors e o Center for the Study of Global Christianity, do Gordon Conwell Theological Seminary, uma instituição evangélica de South Hamilton, no Estado norte-americano de Massachusetts.

O relatório da ACN

PERÍODO – O período examinado vai de junho de 2016 a junho de 2018.

CONTEÚDO – No estudo, são apresentados incidentes e episódios significativos, relatados graças ao trabalho de parceiros do projeto presentes em mais de 150 países. Entre tais casos contam-se conversões e casamentos forçados, atentados, sequestros, destruição de locais de culto e de símbolos religiosos, prisões arbitrárias, acusações de blasfêmia, regulamentos para o controle de assuntos religiosos e várias medidas para a limitação do culto público.

PAÍSES – São 38 os países em que mais abertamente são discriminados ou perseguidos os cristãos e os fiéis de outras confissões diferentes da majoritária. Na maioria dos casos, a religião majoritária nesses lugares é o islamismo, mas há também países em que a discriminação e a perseguição vêm do laicismo ateísta imposto pelo governo, como na China e na Coreia do Norte. Desses 38 países em que são registradas violações graves ou extremas da liberdade religiosa, 21 são classificados como “lugares de perseguição” e 17 como “lugares de discriminação”:

  • Os 21 “lugares de perseguição” são o Afeganistão, a Arábia Saudita, Bangladesh, a Birmânia, a China, a Coreia do Norte, a Eritreia, a Índia, a Indonésia, o Iraque, a Líbia, o Níger, a Nigéria, o Paquistão, a Palestina, a Síria, a Somália, o Sudão, o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Iêmen.
  • Os 17 “lugares de discriminação” são a Argélia, o Azerbaijão, o Butão, Brunei, o Egito, a Federação Russa, o Irã, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Laos, as Maldivas, a Mauritânia, o Catar, o Tadjiquistão, a Turquia, a Ucrânia e o Vietnã.

NÚMEROS – 300 milhões de fiéis sofrem discriminação e perseguição atualmente no mundo. 61% dos cristãos vivem em países onde a liberdade religiosa não é respeitada. 1 em cada 7 cristãos vive hoje num país onde a perseguição é uma realidade dramática do cotidiano.

PIORA – Durante o período analisado, a situação piorou em 17 desses 38 países. Em outros, como a Coreia do Norte, a Arábia Saudita, a Nigéria, o Afeganistão e a Eritreia, a situação se manteve inalterada porque, segundo a ACN, ela já é tão grave que não pode piorar.

ESPERANÇAS – Foi registrada, por outro lado, uma queda brusca nas violências perpetradas pelo grupo islâmico fanático Al-Shabaab, o que levou a Tanzânia e o Quênia, anteriormente classificados como “países de perseguição”, a voltarem ao grupo dos “não classificados”. Destaca-se igualmente o sucesso de campanhas militares contra o Estado Islâmico e outros grupos hiper-extremistas islâmicos em regiões da África e do Oriente Médio, embora eles ainda não tenham sido derrotados de modo definitivo.

FUNDAMENTALISMO E ULTRANACIONALISMO – Além do fundamentalismo de matriz islâmica, foi registrado como “tendência preocupante” o aumento de um ultranacionalismo agressivo contra minorias ou mesmo contra quaisquer crenças religiosas, como ocorre há décadas na Coreia do Norte e na China. Esta, ao longo dos últimos dois anos, adotou novas medidas para reprimir grupos religiosos percebidos como “resistentes ao domínio das autoridades comunistas”. No entanto, um fenômeno similar ocorre também na Índia, país em que vêm sendo evidenciados cada vez mais atos de violência motivados por ódio religioso. Um deputado indiano chegou recentemente a descrever as minorias religiosas como “ameaça à unidade do país”, que, para os ultranacionalistas, deve ser exclusivamente hinduísta.

ANTISSEMITISMO – O relatório ressalta ainda que “o período em análise viu um aumento do antissemitismo na Europa, fenômeno frequentemente ligado ao crescimento do islamismo militante. Na França, onde a comunidade judaica é a mais populosa da Europa, com cerca de 500.000 judeus, foi registrado um pico bem documentado de ataques antissemitas e de violência contra centros culturais e religiosos judaicos”.

AVERSÃO AO ISLà– A aversão às minorias islâmicas também aumentou significativamente no período analisado, motivada por uma onda de ataques terroristas no Ocidente, em particular na Europa. O relatório observa: “A maioria dos governos ocidentais não conseguiu fornecer a assistência necessária e urgente aos grupos religiosos minoritários, em particular às comunidades de pessoas deslocadas que desejam voltar para as suas respectivas nações, das quais foram forçadas a fugir”.

Pronunciamentos

Durante a apresentação do relatório, pronunciaram-se o cardeal Mauro Piacenza, presidente internacional da ACN; dom Boutros Fahim Awad Hanna, bispo copta católico de Minya, no Egito; Tabassum Yousaf, advogado do Supremo Tribunal de Sindh, no Paquistão, e defensor de vítimas de perseguição religiosa; e Marta Petrosillo, porta-voz da ACN-Itália.

cardeal Piacenza recordou que os cristãos contribuíram para o correto amadurecimento da ideia de liberdade e tiveram um papel não somente no âmbito religioso, mas também no histórico e cultural:
“A liberdade religiosa não é um direito dos muitos; é, antes, uma rocha sobre a qual todos os direitos humanos se arraigam firmemente, porque se refere à dimensão transcendente da pessoa humana. Na liberdade religiosa há liberdade de pensamento e até mesmo a liberdade para se distanciar do elemento religioso”.

Dom Hanna testemunhou que, no Egito, a liberdade religiosa faz parte da constituição nacional, mas, na prática, resta muito a ser feito para a sua plena aplicação.

Tabassum Yousaf relatou, em seu depoimento, as dramáticas intimidações sofridas pelos cristãos no Paquistão, um país que adota arbitrariamente a chamada “lei antiblasfêmia” para perseguir cristãos, fiéis de outras minorias religiosas e até mesmo outros cidadãos muçulmanos vistos como adversários políticos.

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A partir de informações do Vatican News

Apresentadora espera bebê com anencefalia e avisa: “Não vamos abortar”

anencefalia

“Deus tem um plano para ela”, declarou a profissional, junto com o esposo

Apresentadora do canal norte-americano Wish TV, Brooke Martincomunicou no início deste mês que espera uma bebê diagnosticada com anencefalia e acrescentou que, junto com o marido, Cole, decidiu não abortá-la.

“Nossa bebê foi diagnosticada com anencefalia, uma doença rara que faz com que o crânio do bebê não se desenvolva. Descobrimos que é uma menina e que ela não tem possibilidade de sobreviver, mas decidimos prosseguir com a gravidez até quando ela continuar viva”.

A fé de Brooke e do esposo foi a inspiração para o nome da pequena:

“Escolhemos o nome dela: Emma Noelle. Os dois nomes, juntos, soam como Emmanuel, que significa ‘Deus conosco’”.

Anencefalia e manipulação ideológica

Os casos de anencefalia são frequentemente utilizados ​​como um “argumento” para se legalizar o aborto. Entretanto, a forma de tratar o assunto costuma ser impregnada de manipulação emocional unilateral, chegando-se a empregar, em certos discursos pró-aborto, expressões como “gestar um funeral” para “descrever” a gravidez de um bebê com esta condição.

É fato que ainda não existe nenhum tratamento padrão para a anencefalia e que a quase totalidade dos bebês anencéfalos morre logo após o nascimento. No entanto, há muitas controvérsias quanto à forma de lidar com esta situação por parte da gestante e da sua família, com testemunhos de mulheres que levaram a gravidez adiante e consideraram que esta decisão foi determinante para o seu próprio processo de cura psicológica. Trata-se de um processo de aceitação, superação e cura mediante a escolha da vida, semelhante ao que ocorre quando uma vítima de estupro consegue fazer a objetiva separação entre o trauma da violência sexual e a inocência do bebê gestado nesse ato de violência: há muitos relatos de mães para quem o bebê se revelou um “bálsamo” capaz de saná-las, em contraposição aos relatos de vítimas que optaram pelo aborto e depois constataram que, além de manterem o trauma do estupro, ainda acrescentaram a ele o trauma do aborto. Esta perspectiva, porém, é frequentemente omitida no debate público.

Um plano de Deus

Brooke e Cole, que já são pais do pequeno Max, hoje com 2 anos, complementam:

“Estamos desolados. Estamos muito tristes. Por outro lado, temos a certeza de que Deus tem um plano para Emma e ​​que Ele vai redimir a sua história”.

Enquanto Cole se declara orgulhoso da esposa e “da forma como ela lidou com a notícia“, Brooke prossegue:

“Normalmente, um bebê com anencefalia morre. Existe a possibilidade de que possamos perdê-la até antes do parto (…) Nós sabemos que algum dia vamos poder estar com ela na eternidade. E esta é a nossa confiança. Esta é a nossa esperança”.

O milagre de Lourdes que converteu um ganhador do Nobel

ALEXIS CARREL

Ele aceitou ir a Lourdes pensando em comprovar pessoalmente a falsidade dos supostos milagres – mas acabou presenciando um deles

Desde a primeira aparição da Santíssima Virgem Maria à menina francesa Bernadette Soubirous, a água da gruta de Lourdes tem sido fonte de curas milagrosas, tanto para quem visitou a gruta quanto para quem usou a água em lugares distantes. Desde a época de Bernadette, mais de 7.000 curas milagrosas foram relatadas ao Departamento Médico de Lourdes por peregrinos que visitaram o santuário. Este número não inclui os casos ocorridos fora de Lourdes.

LOURDES GROTTE

Jean-Paul Corlin I CC BY-SA 4.0

Havia tantas curas supostamente associadas à água e à gruta de Lourdes que a Igreja Católica decidiu criar o Departamento Médico de Lourdes, a ser constituído e liderado por médicos e cientistas. O objetivo do “Bureau“, como também é chamado, é avaliar os alegados casos milagrosos e verificar, entre outros critérios, se a cura em questão foi quase instantânea, se a saúde restabelecida se manteve durante todo o resto da vida e se a cura é cientificamente inexplicável. O Bureau é constituído por 20 médicos e cientistas. Seus registros estão abertos a qualquer médico ou cientista que queira fazer a própria investigação particular ou contestar qualquer caso específico reconhecido como “milagroso”.

Um dos casos mais significativos já registrados em Lourdes foi a cura de Marie Bailly, testemunhada por um médico então agnóstico, o Dr. Alexis Carrell. Ele próprio acabou se convertendo à fé católica depois de estudar a inexplicável cura que tinha presenciado.sua conversão.

O milagre de Marie Bailly

Em 1902, um amigo médico do Dr. Carrell o convidou para ajudar a cuidar de pacientes doentes que eram transportados por trem de Lyon até Lourdes. Carrell, na época, não acreditava em milagres, mas concordava em ajudar por amizade e pelo interesse em descobrir as causas naturais que permitiam curas tão rápidas como as que aconteciam em Lourdes.

No trem, ele encontrou uma mulher chamada Marie Bailly, que sofria de peritonite tuberculosa aguda. Seu abdômen estava consideravelmente distendido, com grandes massas duras. Marie estava apenas parcialmente consciente. Carrell acreditava que ela morreria muito rapidamente depois de chegar a Lourdes – ou até antes. Outros médicos presentes no trem concordaram com esse diagnóstico.

Assim que o trem chegou a Lourdes, Marie foi levada até a gruta, onde três jarros d’água foram derramados sobre seu abdômen distendido. Após o primeiro derramamento, ela sentiu uma dor lancinante, que diminuiu depois do segundo. Após o terceiro derramamento d’água, ela experimentou o que descreveu como uma sensação agradável. Seu estômago começou a se achatar e seu pulso voltou ao normal.

Carrel estava em pé logo atrás de Marie, junto com outros médicos, tomando notas enquanto a água era derramada sobre seu abdômen. Ele escreveu:

“O abdome, enormemente distendido e muito duro, começou a se achatar. Em 30 minutos [a protuberância] havia desaparecido completamente. Nenhuma descarga foi observada do corpo”.

Marie, pouco depois, se sentou na cama, jantou (sem vomitar) e, no dia seguinte, saiu da cama sozinha e se vestiu. Embarcou no trem, sentou-se em um dos bancos duros e chegou a Lyon revigorada.

Carrel continuou interessado em suas condições psicológicas e físicas e pediu que ela fosse monitorada por um psiquiatra e um médico durante quatro meses. Depois desse tempo, Marie se juntou às Irmãs da Caridade para trabalhar com os doentes e os pobres em uma vida bastante árdua. Ela faleceu em 1937, aos 58 anos.

A conversão de Carrel

Quando Carrel testemunhou esse evento inacreditavelmente rápido e medicamente inexplicável, acreditou ter visto o que as pessoas chamavam de milagre, mas era difícil, para ele, apartar-se do antigo agnosticismo cético.

Além disso, ele não queria ser testemunha, como médico, de um evento milagroso: Carrel sabia que, se o caso se tornasse público, a sua carreira na faculdade de medicina de Lyon se arruinaria.

Mas a cura de Marie Bailly se mostrava tão evidentemente milagrosa, por ter sido tão rápida, tão completa e tão inexplicável, que acabaria se tornando pública de qualquer forma na mídia da França e do mundo todo. Repórteres chegaram a publicar que Carrel não considerava que a cura tivesse sido um milagre, o que o forçou a escrever uma resposta pública. Em sua manifestação, o doutor afirmou que um lado, composto por crentes, tinha chegado rapidamente demais à conclusão de que ocorrera um milagre, mas também declarou que o outro lado, composto pela comunidade médica, tinha se recusado injustificadamente a reconhecer fatos que pareciam de fato milagrosos.

Como Carrel temia, a sua defesa da possibilidade da cura milagrosa de Bailly causou o fim da sua carreira na Faculdade de Medicina de Lyon. Ironicamente, porém, o efeito foi muito positivo para o seu futuro: ele se transferiu para a Universidade de Chicago e, depois, para a Universidade Rockefeller. Graças ao seu trabalho em anastomose vascular, Carrel recebeu nada menos que o Prêmio Nobel de Medicina de 1912.

Ele ainda retornaria muitas vezes a Lourdes, e, em uma das ocasiões, testemunhou um segundo milagre: a cura instantânea de um menino cego de 18 meses.

Apesar desses dois milagres que viu com os próprios olhos, Carrel relutou até 1942 antes de finalmente conseguir afirmar conclusivamente a realidade dos milagres. Naquele ano, ele anunciou publicamente que acreditava em Deus, na imortalidade da alma e nos ensinamentos da Igreja Católica.

Cientistas e fé

Mais próximo da nossa época, outro médico premiado com o Nobel de Medicina afirmou:

“Muitos cientistas cometem o erro de rejeitar o que não entendem. Não gosto dessa atitude. Frequentemente cito a frase do astrofísico Carl Sagan: ‘A ausência de prova não é prova de ausência’ (…) Quanto aos milagres de Lourdes que eu estudei, creio que realmente se trata de algo inexplicável (…) Não consigo entender esses milagres, mas reconheço que há curas que não estão previstas no estado atual da ciência”.

Trata-se do Dr. Luc Montagnier, que, entre outras relevantes contribuições à ciência, ficou famoso pela descoberta do vírus HIV. Segundo ele, é recomendável que os incrédulos, em vez de promulgarem os seus próprios dogmas de “intelectualidade superior” diante daquilo que não entendem, procurem conhecer o assunto com mais rigor científico e menos conclusões precipitadas (e anticientíficas).

De fato, são milhares os registros de “curas inexplicáveis” que acontecem todos os anos no santuário mariano de Lourdes, mas são pouquíssimas as curas consideradas efetivamente milagrosas por parte da Igreja, que, talvez para surpresa de muitos, adota critérios rigorosos em sua minuciosa avaliação científica de cada caso.

Oito dias de indulgência

Solícita pelos que já morreram, a Igreja nos concede de hoje até o dia 8 de novembro a oportunidade de sufragar, com uma indulgência plenária por dia, as benditas almas do Purgatório.

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
(Lc 13, 31-35)

Naquela mesma hora, alguns fariseus chegaram perto de Jesus para lhe dizer: “Parte, some daqui, porque Herodes quer matar-te”. Ele respondeu: “Ide dizer a essa raposa que eu fico expulsando demônios e curando, hoje e amanhã; e no terceiro dia levarei a cabo a minha obra. Entretanto, devo continuar meu caminho hoje, amanhã e no dia seguinte, porque não convém que um profeta morra fora de Jerusalém. Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas e apedrejas os mensageiros de Deus, quantas vezes quis reunir teus filhos, como a galinha a sua ninhada sob suas asas… e não o quiseste. Eis que vossa casa será deixada deserta para vós. Sim, eu vos garanto: não me vereis mais até (o tempo em) que digais: Bendito o que vem em nome do Senhor!”

Hoje, dia 1.º de novembro, a Igreja celebra ao redor do mundo inteiro a solenidade de todos os santos. Aqui no Brasil, contudo, a celebração é transferida para o domingo seguinte, para facilitar a participação dos fiéis na Santa Missa. Em todo caso, a Igreja nos concede a partir de hoje um período de oito dias para lucrarmos uma série de indulgências plenárias em sufrágio das almas dos fiéis falecidos. Lembremos, antes de tudo, que condições impõe a Igreja para que possamos obter qualquer indulgência plenária: a) em primeiro lugar, é preciso confessar-se, sendo que uma só confissão basta para esses oito dias, a não ser que se cometa entrementes algum pecado mortal; b) em segundo, é necessário receber a Sagrada Comunhão; c) por fim, deve-se rezar pelas intenções do Santo Padre, bastando para isso recitar um Pai-Nosso e uma Ave-Maria. Lembremos ainda que só se pode ganhar uma única indulgência plenária por dia, de sorte que para lucrar diversas indulgências plenárias se requerem, para cada uma delas, uma Comunhão distinta e uma nova oração nas intenções do Sumo Pontífice. Cumpridas estas condições, teremos de 1 a 8 de novembro a oportunidade de obter uma indulgência plenária, aplicável apenas às almas do Purgatório, sempre que visitarmos devotamente um cemitério e rezarmos, mesmo em espírito, pelos defuntos. Não é necessário, além disso, que a pessoa pela qual quisermos rezar esteja enterrada no cemitério visitado. Vale lembrar, por fim, que no dia de 2 novembro, comemoração dos fiéis defuntos, a Igreja não nos obriga a visitar nenhum cemitério: trata-se de um piedoso costume, mas a norma estabelece apenas que, neste, é suficiente cumprir as condições de costume e visitar piedosamente uma igreja ou oratório para receber a indulgência [1].

Referências

  1. Cf. Manual das Indulgências. Trad. port. da CNBB, 1986, nn. 13 e 67.

Viver mais alguns anos ou ir para o Purgatório?

Ressuscitado milagrosamente por um santo, este homem preferiu voltar ao Purgatório a viver novamente sobre a terra. A razão? Nesta vida estamos expostos ao perigo de nos perdermos; no Purgatório, não mais.

Em meio aos mais intensos sofrimentos, as almas do Purgatório vivem contentes, e isso não se pode explicar senão pelas divinas consolações que o Espírito Santo lhes concede. Esse divino Espírito, por meio da fé, da esperança e da caridade, dispõe-nas como a uma pessoa doente que tem de se submeter a um tratamento muito doloroso, cujo efeito, todavia, é restaurar-lhe completamente a saúde. Essa pessoa enferma sofre, mas ama o seu sofrimento, pois é um sofrimento que a salva.

O Espírito Santo Consolador dá um contentamento similar às santas almas. Disso nós temos um impressionante exemplo na história de um homem, chamado Pedro de Piotravin, ressuscitado dos mortos por Santo Estanislau da Cracóvia, e que preferiu voltar ao Purgatório a viver novamente sobre a terra [1].

O aclamado milagre dessa ressurreição deu-se no ano de 1070, e é assim relatado nos Acta Santorum, em 7 de maio [2].

Santo Estanislau era bispo de Cracóvia quando o duque Boleslau II governava a Polônia. O santo bispo não deixava de lembrar o príncipe de seus deveres, os quais, no entanto, ele escandalosamente violava diante de todo o povo.

Como se irritasse com o santo destemor do prelado, Boleslau decidiu vingar-se dele, levantando contra o bispo os herdeiros de um certo Pedro de Piotravin, que morrera três anos antes, tendo vendido uma porção de terra para a igreja da Cracóvia. Os herdeiros acusaram o santo de ter se apossado indevidamente do terreno, sem tê-lo pagado ao dono. Estanislau declarou que havia pagado pela terra, mas, como as testemunhas que deviam defendê-lo tinham sido ou subornadas ou intimidadas, o bispo foi denunciado como usurpador da propriedade de outrem e condenado a restituir a terra.

Vendo que nada podia esperar da justiça humana, o santo bispo elevou então o seu coração a Deus, de quem recebeu uma inspiração repentina. Ele pediu um prazo de três dias, prometendo fazer Pedro de Piotravin aparecer pessoalmente para atestar a aquisição legal e o pagamento do terreno. O tempo foi-lhe concedido como escárnio.

Destaque de uma pintura de Bernardino Cervi retratando o Purgatório (1625).

O santo jejuou, fez vigílias e suplicou a Deus que defendesse sua causa. No terceiro dia, depois de haver celebrado a Santa Missa, ele saiu, acompanhado de seu clero e de muitos dos fiéis, ao lugar onde Pedro fora enterrado. A suas ordens o túmulo foi aberto, no qual nada havia senão ossos. Ele os tocou, então, com seu báculo e em nome daquele que é a ressurreição e a vida, ordenou ao homem morto que se levantasse. Subitamente os ossos se reuniram, revestiram-se de carne e, à vista do povo estupefato, o homem morto foi visto tomando o bispo pela mão e caminhando rumo ao tribunal.

Boleslau, com sua corte e uma imensa multidão de pessoas, estava esperando o resultado com ansiosa expectativa. “Olhai para Pedro”, disse o santo a Boleslau. “Ele veio, príncipe, para dar testemunho diante de vós. Interrogai-o, ele vos responderá”. Impossível era descrever o estupor do duque, de seus conselheiros e de toda a assembleia ali reunida. Pedro afirmou que tinha recebido o pagamento pela terra; voltando-se para seus herdeiros, ele repreendeu-os por ter acusado injustamente o santo prelado; e exortou-os, por fim, a fazer penitência por um pecado tão grave. Foi assim que a iniquidade, já estimando seu sucesso, foi confundida.

Eis que se dá, então, a circunstância que diz respeito ao nosso assunto, e à qual gostaríamos de nos referir. Desejando completar esse grande milagre para a glória de Deus, Estanislau propôs ao falecido que, se ele desejasse viver mais alguns anos, ele obter-lhe-ia esse favor da parte de Deus. Mas Pedro replicou que não tinha tal desejo. Ele estava no Purgatório, mas preferiria retornar para lá imediatamente e suportar-lhe as penas do que expor-se à condenação nesta vida terrestre. O homem só suplicou ao santo que implorasse de Deus abreviar o tempo de seus sofrimentos, a fim de que ele pudesse entrar o quanto antes na morada dos bem-aventurados.

Depois disso, acompanhado do bispo e de uma vasta multidão, Pedro retornou a seu túmulo, deitou-se, seu corpo se desfez em pedaços e seus ossos retornaram ao mesmo estado em que haviam sido achados. Temos razão para acreditar que o santo obteve rapidamente a libertação dessa alma.

Mas o mais extraordinário nesse exemplo, e que mais nos deve atrair a atenção, é uma alma do Purgatório, tendo experimentado tormentos os mais excruciantes, preferir esse estado à vida deste mundo; e a razão dada a essa preferência é que nesta vida mortal estamos expostos ao perigo de nos perdermos e termos como destino último a condenação eterna.

Notas

  1. Como conciliar essa revelação particular com a do frei Daniele Natale, publicada também aqui, segundo a qual nenhum sofrimento desta vida se compara em dureza às penas do outro mundo? A resposta encontra-se na profundidade da conversão de cada pessoa: de fato, para uma alma que está ainda nos primeiros degraus da vida espiritual, ver-se livre da possibilidade de condenar-se eternamente conta muito mais do que o desejo de aumentar a própria glória no Céu; é a mesma distância que separa o temor do amor (Equipe CNP).
  2. Essa história encontra-se nos Acta Sanctorum de maio, t. II, p. 276c: “Em honra do Deus altíssimo. A Pedro de Piotravin, ginete, morto duas vezes. Venera, ó visitante, este cidadão do céu, que, depois de estar por três anos no purgatório expiando as culpas desta vida que lhe retardavam o eterno descanso, foi chamado das sombras <da morte> por Santo Estanislau, Bispo, e, unido outra vez à própria carne, aduzido como testemunha da legítima propriedade deste contra uns sacrílegos usurpadores. Admiras-te do milagre? Pois aprende a admirar antes a imortalidade da alma, a ressurreição dos corpos, as chamas que purgam do pecado, o direito sacrossanto das posses da Igreja e, por último, a santidade de vida do prelado Estanislau, que com o auxílio de Deus realizou tamanho prodígio. Simão Koludzki, prelado de Gniezno […].  Ano da graça de 1660” (tradução nossa).

O purgatório é uma invenção medieval?

Desde quando os católicos rezam pelas almas do purgatório? Essa realidade é uma mera invenção da Idade Média ou faz parte da fé recebida dos apóstolos? Assista a este vídeo e descubra, além disso, por que os protestantes não acreditam no purgatório.

 

O purgatório é uma invenção da Idade Média? Infelizmente, muitos pregadores católicos e professores de teologia têm repetido essa afirmação absurda, ignorando que o purgatório é um dogma – estabelecido pelos Concílios Ecumênicos de Florença e de Trento [1] – e que, portanto, está enraizado na própria fé dos apóstolos. Se é verdade que a existência do purgatório não está explicitamente consignada na Bíblia, é preciso recordar que esta não é a única fonte de fé da Igreja. Não é necessário, portanto, que todos os dogmas estejam claramente nas Escrituras, mas sim na fé apostólica, que é o fundamento da própria Bíblia.De fato, de muito cedo vem o costume de rezar pelos falecidos. Atesta-o o Segundo Livro dos Macabeus, que indica como os judeus piedosamente suplicavam por seus entes queridos [2]. Atestam-no as catacumbas dos primeiros cristãos, cheias de inscrições com orações pelas almas dos mortos. Atesta-o, enfim, o testemunho de todos os fiéis, de todos os séculos e de todos os lugares (quod semper, quod ubique, quod ab omnibus). Como afirma Santo Tomás de Aquino, é inútil rezar tanto pelas almas que estão no Céu, tanto pelas que estão no inferno, já que ambas estão em seu destino definitivo. Se a Igreja sempre rezou pelas almas dos mortos, então, é porque sempre creu que, após a morte, nem todas as pessoas salvas estão prontas para contemplar Deus face a face.Foi Martinho Lutero, no século XVI, quem, não querendo aceitar o purgatório, chegou a rejeitar os próprios Livros dos Macabeus do Cânon das Escrituras. É que o purgatório não cabe na religião protestante, cuja doutrina não aceita a santidade humana. Para eles, todos os homens são profundamente pecadores e irão entrar no Céu ainda profundamente pecadores, com Deus olhando tão somente para a sua fé. Com isso, o protestantismo “sacramentou” teologicamente a dificuldade piscológica de Lutero, um homem que, atormentado por seus escrúpulos, não conseguia viver a santidade.Na Igreja Católica, porém, existem numerosos exemplos de santos que, mesmo convertidos e livres dos pecados mortais, continuavam a fazer penitência, pois sabiam que precisavam purificar-se dos “resquícios” dos pecados cometidos (reliquie peccati) que ainda ficavam em sua alma. Para detectar isso, basta olhar para dentro de si mesmo e perceber que aí existe uma desordem. O que a Igreja diz – e que é bastante lógico – é que essa desordem não pode entrar no Céu.O fato de a reflexão teológica a respeito do purgatório se ter desenvolvido plenamente na Idade Média não quer dizer que o purgatório foi inventado nessa época. Se a palavra própria para designar o estado de purificação das almas depois da morte só veio em tempos medievais, isso não significa que só na Idade Média os cristãos começaram a crer nessa realidade. Assim como nós já existíamos, antes mesmos de os nossos pais nos darem um nome.

Referências

Bibliografia

  1. Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1030; Concílio de Florença, Decr. pro Graecis: DS 1304; Concílio de Trento, Sessão 25ª, Decretum de purgatorio: DS 1820: Sess. 6ª. Decr. de iustificatione, canon 30: DS 1580
  2. Cf. 2 Mc 12, 39-45

O ocultismo e os livros de Harry Potter

Este texto, escrito em 2001, é o testemunho de uma mãe de família católica que, preocupada com a formação moral de seus filhos e havendo passado por uma experiência com o mundo do ocultismo, quer alertar as famílias para os males da magia e da feitiçaria, principalmente quando a cultura ao nosso redor tende a ridicularizar a oposição a essas práticas como exagero ou até mesmo “fanatismo”.

Não se trata propriamente de um “anátema” aos livros de Harry Potter, mas sim de um convite a refletir sobre a educação que damos a nossos filhos e as influências a que os deixamos expostos — e é com esse espírito que gostaríamos que todos lessem este texto, pois o que está em jogo aqui, mais do que a avaliação de uma obra de literatura (hoje, aliás, não tão em alta quanto alguns anos atrás), é a salvação das almas de nossas crianças.

A matéria original em inglês, de autoria de Toni Collins, foi adaptada aqui e ali para esta publicação.

Harry Potter: você por acaso se lembra de quando ele entrou na sua vida? Notou que crianças que mal conseguiam concentrar-se na leitura de uma carta de Pokémon eram capazes, de repente, de ler por horas a fio? Seus filhos repentinamente vinham da escola para casa contando, entusiasmados, histórias de magos e bruxas?

Os livros de Harry Potter, escritos por J. K. Rowling, ganharam milhões de crianças e adultos. Trata-se indiscutivelmente da obra mais rapidamente abraçada pelo público infantil na história. Você teria de se esconder no mais remoto dos eremitérios para evitar de ver os livros, e estar tão isolado quanto para evitar a controvérsia em torno deles.

São abundantes, de fato, as controvérsias, e Harry Potter mexe com as emoções de muitos. Alguns pais se entusiasmam com o fato de seus filhos se dedicarem à leitura pela primeira vez. Eles dizem amar o modo como os livros pintam o bem contra o mal, e usam os livros para ajudar seus filhos a aprender a diferença entre o que é certo e errado. Mas outros pais ficam profundamente perturbados com o assunto tratado pela saga. Eles se preocupam em ver tantas crianças abraçando um mundo de magia e bruxaria.

Quanto a mim, sou uma mãe que se enquadra nesta última categoria. Frequentemente me vejo no desconforto de tentar explicar aos amigos mais queridos o porquê de eu ficar tão incomodada com os livros. Não é fácil dizer a alguém: “Eu sei que você ama esses livros, mas…”.

Quando eu toco nesse assunto, vejo-me obrigada a compartilhar, mesmo que a contragosto, um pouco de meu testemunho antes de ser católica. Mas tem ficado difícil se abrir a respeito do próprio passado, principalmente porque aqueles de nós que passaram pelas mesmas experiências tendem a possuir, também, uma espécie de receio quanto à popularidade de Harry Potter. Apesar de meu incômodo com os livros, tenho de admitir que eles me ajudaram a perceber como um antigo pecado não confessado estava emperrando minha vida.

Astrologia, hipnotismo e bruxaria

Tendo sido batizada em um lar de católicos não-praticantes, passei minha infância frequentando várias igrejas protestantes. Aprendi a fazer minhas orações antes de dormir. Meus pais enfatizavam a educação moral em casa. Eu tinha um sentimento profundo e permanente da presença de Deus em minha vida. Sabia que Ele me amava e sempre soube que podia me voltar para Ele.

Mas, tanto quanto posso me lembrar, pela época em que meus pais se divorciaram, quando eu tinha 14 anos, Deus deixou de ser enfatizado em minha casa. Lembro-me de haver uma ênfase pesada na importância da astrologia para explicar as personalidades das pessoas, um fascínio com adivinhação e uma incrível festa temática do “zodíaco” que eu e minha mãe demos, cheia de luzes ambientes e jogos de levitação para entretenimento.

Não muito tempo depois, fui assistir a um espetáculo de hipnose, que depois comecei a frequentar. O show dava a uma jovem vaidosa como eu a oportunidade de cantar em frente a uma plateia. Considerava a hipnose uma fraude até a noite em que aquele hipnotizador me escolheu para o finale do seu show. Dizendo que meu corpo era “rígido como uma barra de ferro”, ele me fez deitar ao longo de duas poltronas reclináveis e então ficou em cima de mim.

Tê-lo ali, agindo sobre meu corpo aerotransportado, ensinou-me que algo realmente acontece quando você é hipnotizado. Meus amigos cristãos tentaram me dizer que esse “algo” não era saudável para mim espiritualmente, mas eu não dei ouvidos. Eu realmente pensava que não podia me afetar, que tudo não passava de diversão. Mas olhando para trás na minha vida, eu agora posso dizer que o final dos dois anos que eu passei assistindo ao show daquele hipnotizador coincidiu com minha decisão consciente de voltar as costas a Deus.

Consequência direta de ter sido hipnotizada? Provavelmente não. Posso assegurar a você, no entanto, que autorizar alguém a regularmente tomar o controle de minhas escolhas conscientes não fez bem algum à minha fraca vida de fé.

Meus amigos cristãos tentaram me dizer que aquilo não era saudável para mim espiritualmente, mas eu não dei ouvidos.
O evento mais assustador de minha vida aconteceu quando eu me arrisquei a fazer uma bruxaria. Eu cresci como uma menina de poucos amigos e havia me transformado em uma adolescente solitária, sempre à procura de amor. Um dia, escolhi um desses livrinhos que sempre são vendidos nos caixas de supermercados, e esse que comprei era sobre feitiços de amor. Levei-o para casa, tranquei-me no quarto e comecei a lançar um feitiço sobre o meu “namoradinho” da escola. Eu não me lembro das palavras que usei (graças a Deus), mas jamais esquecerei o que aconteceu.

Comecei a lançar o feitiço. Pá! Uma imensa porta preta (como o monólito de Uma Odisseia no Espaço) bateu com força como se viajasse de minha mão esquerda para a direita. “Deus não quer que você faça isso”, disse uma voz bem fundo dentro de mim. Pá! Uma porta tão grande quanto bateu forte na outra direção, e uma voz respondeu: “Tanto faz, Deus não existe”, eu me senti tentada a escutar. Pá! A porta bateu de volta na direção original e uma voz disse, devagar mas com firmeza: “Sim… Ele… existe”.

Coloquei o livro de magia no chão, para nunca mais pegá-lo. Fiquei bastante mexida com aquilo e sabia que havia encontrado algo além deste mundo. A dúvida havia entrado na minha vida pela primeira vez, e eu sabia que poderia ter abraçado um universo sem Deus no instante em que aquela segunda porta bateu. Eu sabia que algo ali queria que eu me afastasse de Deus para sempre, e esse algo teve a sua oportunidade quando eu tomei parte no mundo da bruxaria.

Teria esse ato abortado de bruxaria deixado consequências? Certamente sim. Pouco tempo depois, quando saiu o filme O Exorcista, aquele meu namorado enamorou-se pelo demônio, ao mesmo tempo atraído por ele e desejando ter o seu poder. Eventualmente ele começou a cruzar as ruas de Hollywood procurando por relacionamentos homossexuais, e eu dei fim à nossa amizade.

Eu também senti as consequências, mas elas não viriam à tona enquanto eu não abandonasse a Deus e voltasse a Ele, então, tornando-me católica. A essa altura eu descobri em mim uma incrível sensibilidade para o oculto. Qualquer coisa mesmo que remotamente associada a esse mundo — horóscopos, ler a mão, livrarias de astrologia ou cura através dos cristais — era capaz de me perturbar profundamente. Era como se eu sentisse um “borbulhar” obscuro dentro de minha alma, puxando-me para o preternatural. Eu lutava contra isso rezando pelas pessoas envolvidas em tais práticas e, ao mesmo tempo, protegendo-me de qualquer exposição a coisas desse gênero.

E Harry Potter?

Junto com isso, veio Harry Potter. Fui apresentada a ele quando minha melhor amiga descobriu que a saga havia feito seu filho mais velho gostar de leitura pela primeira vez na vida. Em seguida, Harry Potter já estava em todo lugar, e minha filha de 18 anos estava lendo os livros. Mas eu senti aquele “borbulhar”, e por isso sabia que precisava descobrir se meus medos tinham algum fundamento na realidade.

Muito assustada para ler os livros logo de cara, comecei a ler o que outras pessoas tinham a dizer sobre eles. Comecei a notar um padrão. Dos comentaristas que eu li e que diziam amar os livros de Harry Potter, praticamente nenhum havia passado por uma alguma experiência com o oculto. Para eles, a saga não passava de uma fantasia agradável do mesmo gênero de J. R. R. Tolkien e C. S. Lewis. Em contraste, quase todo comentarista que eu lia e que havia passado por alguma experiência com o oculto achava os livros perturbadores, quase como se eles fossem cartilhas de iniciação à magia.

Por que a diferença de opiniões? Li os primeiros dois livros, Harry Potter e a Pedra Filosofal e Harry Potter e a Câmara Secreta, e cheguei a uma resposta. A maior parte dos livros são, de fato, uma fantasia agradável. A autora, Joanne Rowling, faz cócegas em nossa imaginação com contos de unicórnios, jogos de quadribol e corujas mensageiras.

Mas em meio a esses charmosos retratos encontram-se seções mais tenebrosas, particularmente na parte inicial da educação recebida por Harry. Essa combinação — elementos mais sombrios introduzidos no começo e um acabamento agradável que só pode ser considerado imaginativo — deixa muitos leitores com uma sensação geral boa a respeito dos livros.

Então por que eu senti tal pavor ao ler Harry Potter? Por que outras pessoas que deixam o ocultismo, de modo geral, não gostam dos livros? John Gibson, que se converteu do neopaganismo para o catolicismo e cuja história de conversão encontra-se registrada em Surprised by Truth 2 (“Surpreendidos pela Verdade II”, sem tradução para o português), escreveu-me o seguinte: “Antes e acima de tudo, a maioria das pessoas que se envolveram com o oculto possuem como que uma impressão digital disso em suas almas. Isso nos dá uma espécie de sensibilidade ao oculto que outras pessoas não têm.”

“Uma impressão digital na alma” — era essa a diferença que eu estava vendo entre os leitores que amavam Harry Potter e aqueles de nós que não o fazíamos. Aquela “impressão digital” estava sendo cutucada novamente toda vez que eu lia Harry Potter, e nossas almas iam se remexendo. Nós estávamos reconhecendo coisas com as quais já tínhamos tido contato no passado e que havíamos rejeitado por amor a Deus.

Para esclarecer o que eu quero dizer aqui, permitam-me oferecer apenas algumas histórias de pessoas cujas vidas, em algum ponto, entrelaçaram-se com o oculto e que hoje externam preocupações a respeito de Harry Potter.

“Só existe um tipo de magia”

Clare McGrath Merkle é uma ex-curandeira Nova Era, bem versada no ocultismo e convertida ao catolicismo. Sua preocupação com os livros de Harry Potter é profunda, porque ela reconhece em suas páginas muitas das artes que ela praticava. Ela e suas amigas de ocultismo — psicólogas, médicas e outras profissionais (que também eram feiticeiras e bruxas) — defendiam seus estudos juntas “como sendo da categoria de magia branca, quase como a escola de magia de Harry Potter”, isto é, Hogwarts.

Mas, tendo ela mesma deixado o mundo do oculto para entrar no aprisco da Igreja Católica, ela agora reconhece que, na verdade, só existe um tipo de magia, “conhecida por vários nomes, como magia negra, ocultismo, satanismo ou artes das trevas”.

“O ocultismo é a porta principal pela qual o diabólico entra na vida de uma pessoa.”
Jacqui Komschlies dá um alerta similar: “Nós precisamos lembrar que a bruxaria, na vida real, não só pode como leva à morte — e a morte do tipo eterno”. Por mais de dez anos ela ficou fascinada com o sobrenatural, desenvolvendo um “apetite” pela leitura de histórias de “magos, magia, poder e aventura”. Eventualmente, ela descobriu que o sobrenatural estava tomando controle de seus pensamentos.

Um dia os espíritos, os poderes e as deusas que povoavam até mesmo seus sonhos começaram a falar com ela. Assustada, ela invocou Deus. Ele a resgatou, e as vozes cessaram.

Hoje ela adverte: “Nosso mundo está explodindo de interesse por bruxaria de verdade. Digite ‘Como posso me tornar uma bruxa?’ no Google e você terá listas para dezenas de sites relacionados. Uma matéria chega a trazer um processo de oito passos para se tornar uma bruxa por conta própria.”

Ainda que Vivian Dudro não tenha nenhum passado com o ocultismo, ela partilha das mesmas preocupações de Jacqui sobre o crescente fascínio das crianças com o oculto. Uma pesquisa feita por ela mesma mostra que, “em San Francisco, as histórias de Harry Potter já inspiraram numerosas crianças a procurar outros livros a respeito de bruxas, magos e fantasmas. As livrarias da cidade encheram suas prateleiras de contos juvenis com histórias desse gênero… A tendência me preocupa porque não só se trata de um pecado sério, mas o ocultismo é a porta principal pela qual o diabólico entra na vida de uma pessoa” [3].

“Brincando com fogo… do inferno”

Steve Wood, editor da St. Joseph’s Covenant Keepers, uma comunidade virtual de pais sob o patrocínio de S. José, ponderou sobre o assunto a partir de sua própria experiência com o oculto. Tendo lido os primeiros livros da saga, ele sustenta uma opinião forte a respeito:

Antes de minha conversão ao cristianismo, eu estive envolvido em Nova Era e falsos movimentos religiosos que realmente praticavam várias das coisas casualmente descritas nos romances de Harry Potter… Tenho conduzido jovens do próprio mundo descrito nesses livros a um compromisso com Cristo… Eu pessoalmente confrontei e atendi indivíduos possessos envolvidos com satanismo e ocultismo. À luz dessa experiência, advirto os pais que expor os filhos ao ‘fascinante’ mundo de Harry Potter é brincar com fogo do inferno.
Não são apenas os leigos que se preocupam com Harry Potter. O padre Phillip Scott é um sacerdote que vive perto de uma comunidade de “góticos” na Flórida. Os jovens dessa comunidade praticam “missas” satânicas, vivem o ocultismo e realizam malefícios espirituais, frequentemente amaldiçoando a ele e a seus irmãos no sacerdócio.

O padre Phillip acredita que a entrada nesse estilo de vida horrendo começa com a curiosidade, e ele acredita que livros como Harry Potter podem estimular essa curiosidade. Em uma entrevista com Steve Wood, o padre conta ter atendido um jovem cuja mente estava povoada com imagens dos livros de Harry Potter. O mais assustador é que os livros não haviam sido escritos à época que o rapaz fora atendido; olhando para trás, o padre Phillip reconheceu nas páginas de Harry Potter exatamente as imagens que haviam atormentado aquele rapaz. Para este sacerdote, os livros de J. K. Rowling são um “veneno”.

Feitiços e poções

O que são algumas dessas imagens e quais os seus respectivos riscos? Em seu livro de 1991, Ungodly Rage (também sem tradução para o português), Donna Steichen partilhou esta citação perspicaz de uma ex-praticante da Wicca, Carmen Helen Guerra:

Quando eu era uma bruxa, eu realizava rituais, evocava espíritos e entidades, fazia feitiços, queimava velas e misturava poções. A única coisa que eu não fazia era voar a bordo de uma vassoura, mas eu provavelmente teria descoberto como fazer isso se tivesse tido tempo para tanto. Mas aonde isso me levou? Para a escuridão, a depressão e a criação de uma aura de melancolia ao meu redor. Eu vivia sob constantes ataques demoníacos. A casa em que eu vivia estava cheia de atividades fantasmagóricas… devido a “convidados” de rituais meus que haviam permanecido. Meus familiares e amigos tinham medo de mim. Eu sabia que não tinha futuro; tudo o que eu tinha era um presente sombrio. Eu estava presa por juramentos e pelo “destino”. Mas eu tinha poder, algo que eu sempre quis. Não era culpa de Satanás. “Ele não existia”, assim eu pensava. Eu desisti de tudo, e procurei a Jesus com os joelhos no chão… Ele me libertou da opressão em que eu vivia e devolveu-me a alma — que eu havia tão estupidamente entregado ao mal em troca de poder.
O que isso tem a ver com Harry Potter? Ainda que estejam travestidos com luzes e doçuras, o primeiro livro da série traz rituais (como a “Cerimônia de Seleção”); feitiços (como Hermione lançando o feitiço do “corpo preso” sobre Neville); espíritos e outras entidades não-humanas (Voldemort possui o corpo de Quirrell e há uma miríade de fantasmas em Hogwarts); velas (milhares flutuando sobre as mesas em Hogwarts); e poções (com aulas especiais do professor Snape).

Pode não ser agradável pensar nisso, mas realmente existem pessoas que praticam bruxaria, que lançam feitiços e fazem rituais, e procuram resultados. J. K. Rowling escreve como se esses poderes pudessem ser usados para o bem, e é esse o grande perigo dos seus livros. Rituais, feitiços e poções são usados por bruxas no mundo real, e só funcionam pelo poder de espíritos maus. Em si mesmos, eles não podem jamais levar ao bem. Retratar essas práticas intrinsecamente más como se pudessem ser “domadas” para o bem é uma mentira perigosa.

Rowling fomenta ainda mais confusão a esse respeito por retratar a bruxaria não como um problema moral, mas como uma questão de herança genética. No mundo de Rowling, a habilidade de praticar magia é herdada. Mas, na realidade, você não precisa pertencer a uma determinada linha de sangue para fazer trabalhos de bruxaria. Tudo o que você precisa fazer é atrair maus espíritos, mudar a sua vontade e trocar Jesus Cristo pelo mundo do ocultismo.

Nós temos duas falsidades, portanto, apresentadas às crianças que lêem esses livros: primeiro, que o “status” de bruxos está escrito em seus genes; e segundo, que se eles forem os “sortudos”, podem usar os poderes que têm para o bem. Essas são mentiras nocivas que se aprendem, porque a realidade é muito diferente e nada inofensiva. Basta perguntar às pessoas que se envolveram com isso no mundo real.

O alerta da Igreja

O Catecismo da Igreja Católica afirma de modo inequívoco: “Todas as práticas de magia ou de feitiçaria com as quais a pessoa pretende domesticar os poderes ocultos, para colocá-los a seu serviço e obter um poder sobrenatural sobre o próximo — mesmo que seja para proporcionar a este a saúde —, são gravemente contrárias à virtude da religião. […] A Igreja adverte os fiéis a evitá-lo” (n. 2117).

Essa é uma linguagem forte no Catecismo, a mesma linguagem usada para condenar a luxúria, a fornicação e o aborto. Os católicos não podem em boa consciência menosprezar esse alerta. Se Harry estivesse usando luxúria, fornicação ou aborto para salvar seus amigos em Hogwarts, nós ainda consideraríamos esses livros alimento aceitável para crianças?

Rituais, feitiços e poções são usados por bruxas no mundo real, e só funcionam pelo poder de espíritos maus.
É importante destacar que a bruxaria sobre a qual Rowling escreve contrasta frontalmente com o mundo mágico retratado por Tolkien e Lewis. As boas personagens da Terra Média e de Nárnia não lançam feitiços sobre ninguém, não evocam espíritos, não convivem com eles como vizinhos queridos, não realizam rituais tampouco preparam poções. As boas personagens em Hogwarts, no entanto, fazem todas essas coisas.

Na Terra Média, um anel transporta você para outro mundo e, em Nárnia, relâmpagos aparecem em algum momento crítico para realizar alguma poderosa façanha. Mas em Hogwarts o malvado Voldemort encanta um diário para possuir a alma de uma garota. Essas são diferenças profundas e substanciais, e requerem que vejamos a magia de Rowling sob uma luz bem diferente da “magia” de Tolkien e Lewis.

À primeira vista, Harry Potter parece um nobre garotinho que colocará sua própria vida em risco para salvar seus amigos. Ele defende os fracos, conforta os abatidos e luta contra o mal. Mas eu descobri que ele também tinha uma má propensão a quebrar as regras da escola e a mentir.

De fato, ao fim do primeiro livro, Harry salva o mundo do malvado Lord Voldemort contando covardemente uma mentira. Fazer isso para salvar o mundo pode parecer aceitável à primeira vista, mas temos de lembrar que esta é uma obra de ficção, e a autora poderia facilmente ter encontrado uma forma honesta de Harry salvar o mundo. Uma leitura atenta do segundo livro mostra que mentir, a partir de então, tornou-se muito mais fácil para Harry do que era no primeiro livro. Assim o caráter de Harry vai se enfraquecendo, ao invés de fortalecer-se.

Também me preocupa a forma como Harry é autorizado a evitar a devida disciplina. Ele é famoso e talentoso, uma celebridade. Várias vezes, tanto no primeiro quanto no segundo livro, quando Harry quebra as regras da escola, ou ele é esperto o suficiente para se safar ou artificioso o bastante para não ser castigado.

Repetidamente ameaçado com expulsão, ele é sempre perdoado. No pior de todos os casos, ele é ameaçado com expulsão de Hogwarts se voar em sua vassoura. Mas quando ele de fato o faz, e com grande talento, ele na verdade é recompensado com uma posição privilegiada no time de quadribol da escola.

Como muitos heróis do esporte, ele não recebe uma punição sequer, precisamente por ser um grande atleta. A mensagem que fica é de que, se você for bonito o suficiente, talentoso o suficiente, forte o suficiente, ou esperto o bastante, você não precisa se preocupar com seguir as regras em seu cantinho do universo. Isso dificilmente me parece ensinar a diferença entre o que é certo e errado.

Um agente de conversão

Há muitas outras coisas que eu vejo de errado nos livros de Harry Potter, mas deixei para o final um modo importante por meio do qual eles mudaram minha vida… para melhor.

Vocês se lembram do feitiço que eu havia tentado fazer quando era jovem? Não tendo sido educada como católica, nunca me havia ocorrido de levar aquele ato para o confessionário. Em meu grande desconforto com os livros, sentindo aquele “borbulhar” na minha alma só de olhar para eles, eu finalmente me dei conta de que precisava da graça da Confissão por haver tentado, uma vez, lançar um feitiço sobre alguém. Eu poderia ter argumentado que não precisava me confessar (pois certamente não havia preenchido todos os requisitos para o cometimento de um pecado mortal), mas fiquei muito feliz por ter feito isso.

Por meio da minha confissão, Deus em sua misericórdia concedeu-me um grande dom: seu perdão abençoou minha vida e eu experimentei benefícios palpáveis vindos do sacramento que eu recebi naquele dia. Aquele “borbulhar”, aquela força oculta e poderosa que costumava atrair-me para o oculto, tudo isso se foi. Eu ainda rezo por bruxas e adivinhos quando deparo com eles, e com frequência peço a Deus proteção contra o mundo do ocultismo, mas não mais com o medo paralisador que eu sentia antes.

Feliz liberdade! Nesse sentido, eu devo ver Harry Potter como um agente de minha conversão. É nesse sentido que eu espero que você também o veja como um agente de conversão na vida de seus filhos.

Nem todos que lêem Harry Potter serão espiritualmente prejudicados. Ao mesmo tempo que eu vejo nos livros o perigo de estimularem um interesse pelo ocultismo, sou a última a me preocupar com crianças protegidas pelos sacramentos e bem educadas na sua fé.

Se seus filhos ainda não leram Harry Potter, eu espero que você lhes dê várias razões para que não o façam. Mas, se eles já tiverem lido os livros, como tantas crianças nos Estados Unidos, no Brasil e mundo afora, eu espero que você use esta matéria para incentivar uma discussão dentro de sua família. Compartilhe com seus filhos o ensinamento da Igreja sobre a magia, e fale com eles da influência destrutiva que o ocultismo exerce sobre as pessoas.

Se Harry Potter se tornar para sua família uma prevenção contra o ocultismo, ao invés de um portão que conduz a ele, ele terá feito, ainda que involuntariamente, um grande favor a seus filhos.