Uma carta da Irmã Lúcia, vidente de Fátima, sobre a grandiosidade do Santo Terço

FATIMA

Joao Paulo Trindade | AFP

Redação da Aleteia | Fev 17, 2020

“Nestes tempos de desorientação diabólica, nos não deixemos enganar por falsas doutrinas”

O texto seguinte foi escrito pela Irmã Lúcia, que, na infância, tinha sido uma das três crianças que testemunharam a aparição de Nossa Senhora em Fátima. Ele trata da natureza e da recitação do terço e faz parte de uma coletânea de excertos de cartas escritas por ela entre 1969 e 1971.

Coimbra, 4 de dezembro de 1970

Querida Maria Teresa,

Pax Christi,

A nossa Madre recebeu a sua carta e pede desculpa de não responder pessoalmente; mas não lhe é possível neste momento, em que está com tanto que fazer por causa da próxima fundação do novo Carmelo de Braga. Por este motivo, entregou-me a carta para que responda eu. É o que venho fazer.

A nossa Madre não pode dar a licença que a Maria Teresa deseja. Mas também não é necessária. Eu não devo nem posso pôr-me em evidência. Devo permanecer em silêncio, na oração e na penitência. É a maneira como melhor posso e devo auxiliar. É preciso que todo o apostolado tenha, como base, este fundamento; e esta é a parte que o Senhor escolheu para mim; orar e sacrificar-me pelos que lutam e trabalham na vinha do Senhor e pela extensão do seu Reino.

É por este motivo que o meu nome não deve aparecer. Em vez dele, é muito mais eficaz que se sirva do Nome de Nossa Senhora, sugerindo o movimento como “Cumprimento” da Mensagem, apresentando como argumento a insistência com que Nossa Senhora pediu e recomendou que se reze o Terço todos os dias, repetindo o mesmo em todas as Aparições, como que prevenindo-nos para que, nestes tempos de desorientação diabólica, nos não deixemos enganar por falsas doutrinas, diminuindo na elevação da nossa alma para Deus, por meio da oração.

Por certo, não é preciso rezar o Terço durante a celebração do Santo Sacrifício da Missa: tempo deve haver para a Santa Missa e tempo para rezar o Terço: Podemos e devemos tomar parte numa coisa sem deixar a outra. O Terço é, para a maioria das almas que vivem no mundo, como que o pão espiritual de cada dia; e privá-las ou tirar-lhes esta oração, isto é, diminuir nos espíritos o apreço e a boa fé com que a rezavam, é, na parte espiritual, o mesmo ou mais ainda; tanto mais quanto a parte espiritual é superior à material. Digo: É como se na parte material privassem as pessoas do pão necessário à vida física.

Infelizmente, o povo, na sua maioria, em matéria religiosa, é ignorante e deixa-se arrastar por onde o levam. Daí, a grande responsabilidade de quem tem a seu cargo conduzi-lo; e todos nós somos condutores uns dos outros, porque todos temos o dever de ajudar-nos mutuamente, e andar pelo bom caminho.

Além do que tenho dito, será bom que à oração do Terço se dê um sentido mais real que aquele que se lhe tem dado, até aqui, de simples oração “mariana”. Todas as orações que rezamos no Terço são orações que fazem parte da Sagrada Liturgia; e, mais que uma oração dirigida a Maria, é dirigida a Deus:

— O Pai-Nosso foi-nos ensinado por Jesus Cristo, dizendo: “Rezai, pois, assim: Pai Nosso, que estais nos Céus…”

— “Glória ao Pai, ao Filho, ao Espírito Santo …” é o hino que cantaram os Anjos enviados por Deus para anunciar o nascimento do Seu Verbo, Deus feito homem.Advertising

— A Ave-Maria, bem compreendida, não é menos uma oração dirigida a Deus: “Ave, Maria, gratia plena, Dominus tecum“: Eu te saúdo, Maria, porque contigo está o Senhor! Estas palavras são, com certeza, ditadas pelo Pai ao Anjo, quando o enviou à terra, para que com elas saudasse Maria. Sim! O Anjo veio dizer, a Maria, que ela era cheia de Graça não por ela, mas porque com ela estava o Senhor!

— “Bendita sois vós entre as mulheres e Bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus”: Estas palavras, com que Isabel saudou a Maria, foram-lhe ditadas pelo Espírito Santo, diz-nos o Evangelista: “Ao ouvir Isabel a saudação de Maria, … ficou cheia do Espírito Santo. Erguendo a voz, exclamou: Bendita és tu entre as mulheres e Bendito é o fruto de teu ventre”. Sim! Porque esse fruto é Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem!

Assim, esta saudação é um louvor a Deus: És bendita entre as mulheres, porque é Bendito o fruto do teu ventre; e porque tu és a Mãe de Deus feito homem, em Ti adoramos a Deus como no primeiro Sacrário, no qual o Pai encerrou o Seu Verbo; como primeiro Altar, o teu Regaço; primeira Custódia, os teus braços, diante dos quais se ajoelharam os Anjos, os pastores e os reis, para adorar o Filho de Deus feito homem! E porque tu, ó Maria, és o primeiro Templo vivo da Santíssima Trindade, onde mora o Pai, o Filho e o Espírito Santo; “o Espírito virá sobre ti e a força do Altíssimo estenderá sobre ti a Sua sombra. Por isso mesmo é que o Santo, que vai nascer, há-de chamar-se Filho de Deus” (Lc. 1, 35). E, já que és um Sacrário, uma Custódia, um Templo vivo, morada permanente da Santíssima Trindade, Mãe de Deus e Mãe nossa, “roga por nós, pobres pecadores, agora e na hora da nossa morte”.

Quem poderá negar que isto é uma oração e um louvor dirigido a Deus?! Será mais que para dirigir a Deus os nossos louvores, as nossas adorações, as súplicas, nos ajoelhemos diante de altares de madeira, pedra ou metal, ou de custódias douradas, insensíveis, incapazes de rogar por nós?!

Certo é que São Paulo diz que há um só Medianeiro junto do Pai. Sim! Como Deus, há um só, que é Jesus Cristo. Mas o mesmo Apóstolo pede que roguem por ele e recomenda que roguemos uns pelos outros. Poderia, então, o Apóstolo não crer que a oração de Maria não fosse tão agradável a Deus como a nossa?! É a desorientação diabólica que invade o mundo e engana as almas! É preciso fazer-lhe frente; e para isso pode servir-se do que aqui lhe digo. Mas como coisa sua, sem dizer o meu nome; como coisa que lhe sai ao correr da pena. E, na verdade, sua é, porque, na qualidade de membros que somos do Corpo Místico de Cristo, tudo é nosso, porque tudo é da Cabeça, Cristo Jesus.Advertising

E fico no meu lugar, rezando por si, por todos aqueles que consigo vão trabalhar, para que seja uma campanha que dê muita glória a Deus, leve muita luz e graça às almas, paz à Santa Igreja e ao mundo ensanguentado em guerras.

Talvez também fosse bom apresentar a campanha, não só como cumprimento da Mensagem, mas também como campanha de oração e penitência pela paz do Mundo, da Santa Igreja e de Portugal nas Províncias Ultramarinas. E que Portugal, que é tão devoto da Eucaristia e de Maria, seja o primeiro a reconhecer que a oração do Terço não é somente uma oração Mariana, mas também Eucarística. E, por isso, nada deve impedir que se possa rezar diante do Santíssimo Sacramento. Em prova disto está que o Santo Padre Pio XI havia concedido indulgência plenária a quem rezasse o Terço diante do Santíssimo; e recentemente foi de novo concedida a mesma indulgência por Sua Santidade Paulo VI.

É, pois, preciso rezar o Terço, nas Cidades, nas Vilas e nas Aldeias, pelas ruas, pelos caminhos, de viagem ou em casa, nas igrejas e capelas! É a oração acessível a todos, e que todos podem e devem rezar. Há muitos que diariamente não assistem à oração litúrgica da Santa Missa; se não rezam o Terço, que oração fazem?! E, sem oração, quem se salvará?! “Vigiai e orai para não entrardes em tentação”.

É preciso, pois, orar, e orar sempre. Isto é, que todas as nossas atividades e trabalhos sejam acompanhados de um grande espírito de oração, porque é na oração que a alma se encontra com Deus; e é nesse encontro que se recebe graça e força, ainda mesmo quando ela é acompanhada de distrações. Ela leva sempre às almas um aumento de Fé, ainda que não seja mais que a recordação momentânea dos mistérios da nossa Redenção, lembrando o Nascimento, Morte e Ressurreição do nosso Salvador; e Deus saberá descontar e perdoar o que toca à humana franqueza, ignorância e pouquidade.

Quanto à repetição das Ave-Marias, não é como querem fazer crer que seja uma coisa antiquada. Todas as coisas que existem e foram criadas por Deus se mantêm e conservam por meio da repetição, continuada sempre, dos mesmos atos. E ainda a ninguém ocorreu chamar antiquado ao sol, lua, estrelas, aves e plantas etc., porque giram, vivem e brotam sempre do mesmo modo! E são bem mais antigos que a reza do Terço! Para Deus, nada é antigo. São João diz que os bem-aventurados, no Céu, cantam um cântico novo, repetindo sempre; Santo, Santo é o Senhor, Deus dos Exércitos! É novo, porque, na luz de Deus, tudo aparece com novo brilho!Advertising

Um grande abraço da sempre em união de orações.

Irmã Lúcia
i.c.d.

Touro, águia, leão, homem: por que os evangelistas estão associados a essas criaturas?

Daniel R. Esparza | Ago 20, 2019
Uma tradição antiga e muitas vezes desconhecida sustenta esses temas cristãos tradicionais

Um dos temas mais comuns da arte cristã é o quase onipresente Tetramorph. Do grego tetra (“quatro”) e morphé (“forma” ou “forma”) a palavra aplica-se, em geral, a qualquer representação de um conjunto de quatro elementos.
Mas na arte cristã, o Tetramorph refere-se quase exclusivamente à maneira mais comum de descrever os quatro evangelistas, cada um deles acompanhado ou representado por uma figura, três deles sendo animais e apenas um (aquele que acompanha ou representa Mateus) humano ou, mais frequentemente, uma figura angelical alada.

Tais imagens, ao contrário de alguns outros motivos zoomórficos tradicionais da arte cristã, têm bases bíblicas. Elas correspondem à visão dos chamados “quatro seres viventes” de Ezequiel: o profeta descreve quatro seres: “Quanto ao aspecto de seus rostos tinham todos eles figura humana, todos os quatro uma face de leão pela direita, todos os quatro uma face de touro pela esquerda, e todos os quatro uma face de águia.” Esse Tetramorph carregou o trono ou carruagem do Senhor.

Pode-se apenas imaginar de onde Ezequiel tirou essas imagens complexas.

Todos sabemos que a combinação de diferentes seres e símbolos era bastante comum no antigo Egito, assim como na antiga Mesopotâmia. Lembremo-nos das esfinges egípcias, dos touros babilônicos alados e das harpias gregas. Curiosamente, o próprio Ezequiel foi um dos profetas judeus que viveu durante o exílio na Babilônia por volta do século 6 antes de Cristo, então sua visão poderia ter sido influenciada pelos antigos motivos da arte assíria, na qual essas combinações eram de fato bastante comuns.

A Revelação de João (isto é, o livro do Apocalipse) ecoa a visão de Ezequiel em seu quarto capítulo: “O primeiro animal vivo assemelhava-se a um leão; o segundo, a um touro; o terceiro tinha um rosto como o de um homem; e o quarto era semelhante a uma águia em pleno voo”.

   Agora, por que essas criaturas são designadas para um evangelista específico? Por que a águia está emparelhada com João, por exemplo? Há razões associadas às particularidades dos Evangelhos de cada autor, segundo São Jerônimo. Procure esses quatro símbolos nas gravuras dos evangelistas ou, por si só, decorando as fachadas dos livros e dos púlpitos do Evangelho.

Mateus é associado ao homem alado, ou anjo, porque o seu Evangelho se concentra na humanidade de Cristo, afirma São Jerônimo. O Evangelho de Mateus inclui uma narrativa sobre a genealogia de Jesus.
O leão é relacionado a São Marcos, porque o seu Evangelho enfatiza a majestade de Cristo e sua dignidade real, assim como o leão é tradicionalmente considerado o rei dos animais. O Evangelho de Marcos começa com a voz profética de João Batista, clamando no deserto como um rugido de leão.
A Lucas associa-se o touro, porque seu Evangelho se concentra no caráter sacrificial da morte de Cristo, e o touro sempre foi um animal sacrificial por excelência, tanto para o judaísmo quanto para o paganismo romano.

Por, João está associado à águia por duas razões: primeiro, porque seu Evangelho descreve a Encarnação do Logos divino, e a águia é um símbolo daquilo que vem de cima. A segunda, porque como a águia, João, em sua Revelação, viu além do que está imediatamente presente. Por isso São João Evangelista é chamado de “Águia de Patmos”.

Antes de Lutero, onde estava a Igreja de Cristo?

Se a Igreja Católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, então ela nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos. Do contrário, Jesus Cristo nos enganou.

Da infalibilidade da Igreja deriva um corolário fatal a todas as heresias. Qualquer grupo de almas batizadas que se separa da comunhão dos fiéis e rompe com os ensinamentos e tradições antigas já está condenado pela sua própria novidade.

A Igreja de Cristo é una como a verdade. O Espírito Santo nela habita com a sua assistência continuada todos os dias, até a consumação dos tempos. Impossível assinalar uma época na história em que a Esposa do Verbo se tenha desviado da senda real da ortodoxia. As promessas divinas falhariam, Cristo deixaria de ser Deus e a religião por ele instituída afundaria para sempre no pego imenso das superstições humanas.

Se a Igreja caiu no erro, as portas do inferno prevaleceram contra ela e Cristo não manteve a sua promessa.

Após 15 séculos de cristianismo levante-se um monge no coração da Alemanha e lança ao mundo o pregão de uma reforma. Simples regeneração dos costumes?

Não, reforma doutrinal.

O que então se chamava doutrina cristã admitida pela Igreja universal era uma adulteração profunda do Evangelho, um acervo de superstições e idolatrias, patrocinadas pelo anticristo de Roma. A Igreja se havia apartado da verdadeira fé: era mister reconduzi-la às fontes genuínas do Evangelho.

Cristo errara a mão. Fundara uma sociedade fadada a destinos imortais. Plantara-a no mundo como cidade visível para acolher os eleitos. Mas apenas saída das suas mãos divinas, apenas o mundo pagão, com a paz de Constantino, viera buscar à sombra da cruz a verdade e a vida, a Igreja desfalece, corrompe-se, paganiza-se. Onze séculos de ignorância, de trevas e de superstições ensombraram a obra do Salvador.

“A entrega das chaves a S. Pedro”, de Pietro Perugino.

Foi mister que um frade apóstata, sensual e orgulhoso apontasse no horizonte religioso da humanidade para reconduzi-la aos mananciais cristalinos do Evangelho, e, mais feliz, mais próvido, mais sábio, mais poderoso que o Cristo, fundasse uma nova Igreja de vitalidade menos efêmera, Igreja imorredoura e incorruptível, destinada a acolher sob as suas tendas as gerações do porvir. Eis a significação real do protestantismo. Eis outrossim a sua condenação, a seta fatal que se lhe embebeu no peito e há de arrastá-lo à morte inevitável.

Se Cristo é Deus, se Cristo fundou uma Igreja, essa é indefectível e imortal como as obras divinas. Mas se a Igreja caiu no erro, as portas do inferno prevaleceram contra ela e Cristo não manteve a sua promessa. Cristo enganou-nos, Cristo não é Deus, e o cristianismo é uma grande impostura. É tão forte a consequência que muitos protestantes por este motivo abjuraram o cristianismo. É o exemplo de Staudlin, que dizia:

Se na religião partimos de um princípio sobrenatural (como uma revelação, a Bíblia, por exemplo ou o Corão), cumpre necessariamente admitir que a Divindade, comunicando uma revelação ao homem, deve prover outrossim o modo de impedir que o sentido desta revelação seja abandonado às arbitrariedades do juízo subjetivo. Esta inconsequência de Jesus Cristo não me permite considerá-lo senão como um sábio benfeitor. [1]

Ochin, outro protestante, que no dizer de Calvino, era mais sábio ele só que a Itália inteira, chegava pelo mesmo caminho à mesma conclusão. “Considerando, de um lado, como poderia a Igreja haver sido fundada por Jesus Cristo e regada com o seu sangue, e, do outro, como poderia ela ser fundamentalmente adulterada pelo catolicismo, como estamos vendo, conclui que aquele que a estabeleceu não podia ser o Filho de Deus; faltou-lhe evidentemente a Providência” [2]. E Ochin, renunciando ao protestantismo, fez-se judeu.

Se a Igreja Católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, então ela nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos. Do contrário, Jesus Cristo nos enganou.

Nada, com efeito, mais diametralmente oposto aos ensinamentos e promessas do Evangelho do que a ideia de uma Igreja que pode desgarrar da sua primeira instituição, pregar o erro e a corrupção. O Espírito de Verdade habitará nela para todo o sempre: prometeu-o formalmente Cristo. Formalmente mandou-nos o Senhor que obedecêssemos à Igreja em todos os tempos e em todos os lugares. Não nos disse: Escutai a Igreja durante 300 ou 1.000 anos, mas ouvi-a sempre, sem nenhum limite de tempo, sem nenhuma reserva, sem nenhuma restrição. “Quem não ouve a Igreja, seja considerado como pagão ou pecador” (Mt 18, 17).

Ora, evidentemente, antes de Lutero existia uma Igreja, a Igreja católica, que por uma sucessão ininterrupta de pastores ascendia aos apóstolos, e, por meio dos apóstolos, ao próprio Cristo. Esta era a Igreja instituída pelo Salvador, esta a Igreja de que falam as promessas evangélicas. Fora dela, a história não conhece outra.

Jesus Cristo não nos disse: Escutai a Igreja durante 300 ou 1000 anos, mas ouvi-a sempre, sem nenhum limite de tempo, sem nenhuma reserva.

Quando nasceram as igrejas luteranas, calvinistas e anglicanas, já a Igreja católica tinha uma existência quinze vezes secular. Desde Jesus Cristo só há uma Igreja, a grande Igreja, como a chamavam os pagãos, a Igreja, simplesmente, sem epítetos derivados de nomes humanos, como a chamamos nós. Diante deste fato, afirmai agora que essa Igreja entrou a corromper-se no 4.º século e de todo adulterou a doutrina evangélica nas “trevas caliginosas da Idade Média” e tereis anulado as promessas de sua Providência, atributo distintivo da Divindade. Staudlin e Ochin são lógicos. Entre o catolicismo e o naturalismo deísta não há racionalmente meio termo. Se a Igreja católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos [3]. Se não, Jesus Cristo enganou-nos. Seitas cristãs acatólicas são superfetação parasitária destinada a uma existência efêmera.

Por uma feliz incoerência, porém, muitos protestantes não resvalaram até ao fundo do abismo. Parando à meia encosta, esforçam-se por conservar alguns restos de cristianismo. Mas nem estes deixaram de sentir o fio cortante do argumento: onde estava a Igreja antes de Lutero?

Pergunta capciosa? Não, pergunta molesta, pergunta irrespondível, pergunta que vale por si uma apologia inteira, pergunta inexoravelmente fatal ao protestantismo.

Referências

  1. Magazin de l’histoire de la religion, 3e. partie, p. 83.
  2. Citado na obra Dialogues sur le protestantisme, p. 55.
  3. Bem dizia aquele filósofo: Se o Messias já veio, devemos ser católicos; se não veio, judeus; em nenhuma hipótese, protestantes.

Notas

Fonte: https://www.padrepauloricardo.org/

300 milhões de cristãos são perseguidos hoje no mundo – e sua situação piora

RED WEDNESDAY

Há até países em que a situação se manteve inalterada na comparação com o relatório anterior porque já era tão grave que não tinha como piorar

Foi apresentado em Roma na última quinta-feira o XIV Relatório da Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (ACN, pela sigla internacionalmente adotada em inglês).

O relatório demonstra, em números e fatos documentados, que a perseguição religiosa continua dramática em pleno terceiro milênio, sendo os cristãos os mais perseguidos, discriminados e oprimidos em todo o planeta, em diferentes contextos.

Informações que destacam a mesma conclusão têm sido divulgadas também por organismos laicos, como a USCIRF, sigla em inglês da Comissão dos Estados Unidos para a Liberdade Religiosa Internacional, e a International Society for Human Rights, uma ONG de Frankfurt, na Alemanha, bem como por entidades ligadas ao protestantismo, como a associação norte-americana Open Doors e o Center for the Study of Global Christianity, do Gordon Conwell Theological Seminary, uma instituição evangélica de South Hamilton, no Estado norte-americano de Massachusetts.

O relatório da ACN

PERÍODO – O período examinado vai de junho de 2016 a junho de 2018.

CONTEÚDO – No estudo, são apresentados incidentes e episódios significativos, relatados graças ao trabalho de parceiros do projeto presentes em mais de 150 países. Entre tais casos contam-se conversões e casamentos forçados, atentados, sequestros, destruição de locais de culto e de símbolos religiosos, prisões arbitrárias, acusações de blasfêmia, regulamentos para o controle de assuntos religiosos e várias medidas para a limitação do culto público.

PAÍSES – São 38 os países em que mais abertamente são discriminados ou perseguidos os cristãos e os fiéis de outras confissões diferentes da majoritária. Na maioria dos casos, a religião majoritária nesses lugares é o islamismo, mas há também países em que a discriminação e a perseguição vêm do laicismo ateísta imposto pelo governo, como na China e na Coreia do Norte. Desses 38 países em que são registradas violações graves ou extremas da liberdade religiosa, 21 são classificados como “lugares de perseguição” e 17 como “lugares de discriminação”:

  • Os 21 “lugares de perseguição” são o Afeganistão, a Arábia Saudita, Bangladesh, a Birmânia, a China, a Coreia do Norte, a Eritreia, a Índia, a Indonésia, o Iraque, a Líbia, o Níger, a Nigéria, o Paquistão, a Palestina, a Síria, a Somália, o Sudão, o Turcomenistão, o Uzbequistão e o Iêmen.
  • Os 17 “lugares de discriminação” são a Argélia, o Azerbaijão, o Butão, Brunei, o Egito, a Federação Russa, o Irã, o Cazaquistão, o Quirguistão, o Laos, as Maldivas, a Mauritânia, o Catar, o Tadjiquistão, a Turquia, a Ucrânia e o Vietnã.

NÚMEROS – 300 milhões de fiéis sofrem discriminação e perseguição atualmente no mundo. 61% dos cristãos vivem em países onde a liberdade religiosa não é respeitada. 1 em cada 7 cristãos vive hoje num país onde a perseguição é uma realidade dramática do cotidiano.

PIORA – Durante o período analisado, a situação piorou em 17 desses 38 países. Em outros, como a Coreia do Norte, a Arábia Saudita, a Nigéria, o Afeganistão e a Eritreia, a situação se manteve inalterada porque, segundo a ACN, ela já é tão grave que não pode piorar.

ESPERANÇAS – Foi registrada, por outro lado, uma queda brusca nas violências perpetradas pelo grupo islâmico fanático Al-Shabaab, o que levou a Tanzânia e o Quênia, anteriormente classificados como “países de perseguição”, a voltarem ao grupo dos “não classificados”. Destaca-se igualmente o sucesso de campanhas militares contra o Estado Islâmico e outros grupos hiper-extremistas islâmicos em regiões da África e do Oriente Médio, embora eles ainda não tenham sido derrotados de modo definitivo.

FUNDAMENTALISMO E ULTRANACIONALISMO – Além do fundamentalismo de matriz islâmica, foi registrado como “tendência preocupante” o aumento de um ultranacionalismo agressivo contra minorias ou mesmo contra quaisquer crenças religiosas, como ocorre há décadas na Coreia do Norte e na China. Esta, ao longo dos últimos dois anos, adotou novas medidas para reprimir grupos religiosos percebidos como “resistentes ao domínio das autoridades comunistas”. No entanto, um fenômeno similar ocorre também na Índia, país em que vêm sendo evidenciados cada vez mais atos de violência motivados por ódio religioso. Um deputado indiano chegou recentemente a descrever as minorias religiosas como “ameaça à unidade do país”, que, para os ultranacionalistas, deve ser exclusivamente hinduísta.

ANTISSEMITISMO – O relatório ressalta ainda que “o período em análise viu um aumento do antissemitismo na Europa, fenômeno frequentemente ligado ao crescimento do islamismo militante. Na França, onde a comunidade judaica é a mais populosa da Europa, com cerca de 500.000 judeus, foi registrado um pico bem documentado de ataques antissemitas e de violência contra centros culturais e religiosos judaicos”.

AVERSÃO AO ISLà– A aversão às minorias islâmicas também aumentou significativamente no período analisado, motivada por uma onda de ataques terroristas no Ocidente, em particular na Europa. O relatório observa: “A maioria dos governos ocidentais não conseguiu fornecer a assistência necessária e urgente aos grupos religiosos minoritários, em particular às comunidades de pessoas deslocadas que desejam voltar para as suas respectivas nações, das quais foram forçadas a fugir”.

Pronunciamentos

Durante a apresentação do relatório, pronunciaram-se o cardeal Mauro Piacenza, presidente internacional da ACN; dom Boutros Fahim Awad Hanna, bispo copta católico de Minya, no Egito; Tabassum Yousaf, advogado do Supremo Tribunal de Sindh, no Paquistão, e defensor de vítimas de perseguição religiosa; e Marta Petrosillo, porta-voz da ACN-Itália.

cardeal Piacenza recordou que os cristãos contribuíram para o correto amadurecimento da ideia de liberdade e tiveram um papel não somente no âmbito religioso, mas também no histórico e cultural:
“A liberdade religiosa não é um direito dos muitos; é, antes, uma rocha sobre a qual todos os direitos humanos se arraigam firmemente, porque se refere à dimensão transcendente da pessoa humana. Na liberdade religiosa há liberdade de pensamento e até mesmo a liberdade para se distanciar do elemento religioso”.

Dom Hanna testemunhou que, no Egito, a liberdade religiosa faz parte da constituição nacional, mas, na prática, resta muito a ser feito para a sua plena aplicação.

Tabassum Yousaf relatou, em seu depoimento, as dramáticas intimidações sofridas pelos cristãos no Paquistão, um país que adota arbitrariamente a chamada “lei antiblasfêmia” para perseguir cristãos, fiéis de outras minorias religiosas e até mesmo outros cidadãos muçulmanos vistos como adversários políticos.

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A partir de informações do Vatican News

A verdadeira razão pela qual católicos não podem ser maçons

Padre Paulo Ricardo | Ago 31, 2017

Três séculos após a fundação da primeira Grande Loja Maçônica, os princípios dessa instituição continuam frontalmente incompatíveis com a doutrina católica

Por Ed Condon [*] — O antagonismo recíproco entre a Igreja Católica e a Maçonaria está bem firmado e é de longa data. Durante a maior parte dos últimos 300 anos, as duas instituições têm sido reconhecidas, mesmo pela mentalidade secular, como implacavelmente opostas uma à outra. Em décadas recentes, a animosidade entre elas tem-se apagado da consciência pública em grande medida, devido ao menor envolvimento direto da Igreja em assuntos civis e à derrocada dramática da Maçonaria, tanto em números quanto em importância. Mas, por ocasião dos 300 anos da Maçonaria, vale a pena rever o que sempre esteve no “núcleo” da absoluta oposição da Igreja a esse grupo. Aparentemente, a Maçonaria pode não passar de um clube esotérico masculino, mas ela já foi, e continua sendo, um movimento filosófico altamente influente — e que impactou de modo dramático, ainda que sutil, a sociedade e a política modernas no Ocidente.

A história da Franco-maçonaria preenche, por si só, vastas páginas. A sua gradual transformação de guildas de pedreiros medievais em uma rede de sociedades secretas, com uma filosofia e um rito gnósticos próprios, pode ser lida com grande interesse. A versão mais recente da Franco-maçonaria teve início com a formação da Grande Loja da Inglaterra, em 1717, em um bar chamado Goose & Gridiron, próximo à Catedral londrina de São Paulo Apóstolo. Nos primeiros anos, antes que a Igreja fizesse qualquer pronunciamento formal sobre o assunto, muitos católicos já faziam parte da associação e a “diáspora” dos católicos e jacobitas ingleses foi crucial para espalhar a Franco-maçonaria na Europa continental. Ela chegou a se tornar, em alguns lugares, tão popular entre os católicos que o Rei Francisco I da Áustria serviu de protetor formal da instituição.

Mesmo assim, a Igreja se converteu na maior inimiga das lojas maçônicas. Entre o Papa Clemente XII, em 1738, e a promulgação do primeiro Código de Direito Canônico, em 1917, oito papas ao todo escreveram condenações explícitas à Franco-maçonaria. Todas previam a mais estrita pena eclesiástica para quem se associasse: excomunhão automática reservada à Sé Apostólica.

Mas o que a Igreja entendia, e entende hoje, por Franco-maçonaria? Que características fizeram com que ela merecesse uma tal condenação?

É comum ouvirmos dizer que a Igreja se opôs à Franco-maçonaria por causa do caráter supostamente revolucionário ou sedicioso das lojas. Está relativamente difundida a ideia de que as lojas maçônicas eram células essencialmente políticas para republicanos e outros reformistas, e a Igreja se opunha a elas para defender o velho regime absolutista, ao qual ela estava institucionalmente atrelada. No entanto, embora a sedição política eventualmente se sobressaísse na oposição da Igreja à Maçonaria, essa não era, em hipótese alguma, a razão originária de sua rejeição. O que Clemente XII denunciou originalmente não era uma sociedade republicana revolucionária, mas um grupo que propagava o indiferentismo religioso: a ideia de que todas as religiões (e nenhuma delas) têm igual validade, e que na Maçonaria estão todas unidas para servirem a um entendimento comum e mais elevado da virtude. Os católicos, como membros, deveriam colocar sua adesão à loja acima de sua pertença à Igreja. Em outras palavras, a proibição rigorosa da Igreja devia-se não a motivos políticos, mas ao cuidado com as almas.

Desde o princípio, a preocupação primária da Igreja foi a de que a Maçonaria submete a fé de um católico à da loja, obrigando-o a colocar uma fraternidade secularista fundamental acima da comunhão com a Igreja. A linguagem legal e as penalidades aplicadas nas condenações à Franco-maçonaria eram, na verdade, muito similares àquelas usadas na supressão dos albigenses: a Igreja vê a Franco-maçonaria como uma forma de heresia. Ainda que os próprios ritos maçônicos contenham um material considerável que pode ser chamado de herético — e até de explicitamente anticatólico, em alguns casos —, a Igreja sempre esteve muito mais preocupada com a filosofia geral da Franco-maçonaria do que com a ostentação de seus rituais.

Ao longo dos séculos XVIII e XIX, a Igreja Católica e o seu lugar de privilégio no governo e na sociedade de muitos países europeus tornaram-se objeto de crescente oposição secular e até mesmo de violência. Existem, é verdade, poucas evidências históricas — se é que as há — de que as lojas maçônicas tenham desempenhado um papel ativo no início da Revolução Francesa. De qualquer modo, a causa dos horrores anticlericais e anticatólicos da Revolução pode ser encontrada na mentalidade secularista descrita pelas várias bulas papais que condenam a Maçonaria. As sociedades maçônicas foram condenadas não porque pretendessem ameaçar as autoridades civis e eclesiásticas, mas porque uma tal ameaça, na verdade, constituía a consequência inevitável de sua existência e crescimento. A revolução era o sintoma, não a doença.

A coincidência de interesses entre Igreja e Estado, e o ataque a elas empreendido por sociedades secretas revolucionárias, foram mais claros nos Estados Papais da Península Itálica, onde a Igreja e o Estado eram uma só coisa. Assim que começou o século XIX, ganhou notoriedade uma imitação da Franco-maçonaria, de caráter revolucionário explícito e oposição declarada à Igreja: eles se chamavam de Carbonari (“carbonários”, palavra italiana para “carvoeiros”) e, em sua campanha por um governo constitucional secular, praticavam tanto o assassinato quanto a insurreição armada contra os vários governos da Península Itálica, sendo identificados como uma ameaça imediata à fé, aos Estados Papais e à própria pessoa do Pontífice Romano.

A ligação entre a ameaça passiva da filosofia secreta maçônica e a conspiração ativa da Carbonária foi explicada na Constituição Apostólica Ecclesiam a Jesu Christo, do Papa Pio VII, promulgada em 1821. Mesmo tratando e condenando a oposição aberta e declarada dos Carbonari à governança temporal dos Estados Papais, ainda assim era claro que a mais grave ameaça colocada por essas células violentamente revolucionárias era a sua filosofia secularista.

Ao longo de todas as várias condenações papais à Franco-maçonaria, mesmo quando as lojas financiavam ativamente campanhas militares contra o papa, como fizeram com a conquista de Garibaldi e a unificação da Itália, o que sempre constituiu a primeira objeção da Igreja à Loja foi a ameaça que ela representava à fé dos católicos e à liberdade da Igreja de agir em sociedade. O fato de os ensinamentos da Igreja serem minados nas lojas, e a sua autoridade em matéria de fé e moral ser questionada, era repetidamente descrito como uma conspiração contra a fé, tanto nos indivíduos quanto em sociedade.

Na encíclica Humanum Genus, o Papa Leão XIII descreveu a agenda maçônica como sendo a exclusão da Igreja da participação em assuntos públicos e a perda gradual de seus direitos como um membro institucional da sociedade. Durante o seu tempo como papa, Leão escreveu um grande número de condenações à Franco-maçonaria, tanto no âmbito pastoral quanto no âmbito legislativo. Ele sublinhou em detalhes o que a Igreja considerava ser a agenda maçônica, agenda esta que, lida com um olhar contemporâneo, ainda é de uma relevância surpreendente.

Ele se referiu especificamente ao objetivo de secularizar o Estado e a sociedade. Ressaltou em particular a exclusão do ensino religioso das escolas públicas e o conceito de que “o Estado, que deve ser absolutamente ateu, tem o inalienável direito e dever de formar o coração e os espíritos de seus cidadãos” ( Dall’Alto dell’Apostolico Seggio, n. 6). Também denunciou abertamente o desejo maçônico de tirar da Igreja qualquer forma de controle ou influência sobre escolas, hospitais, instituições de caridade públicas, universidades e qualquer outra associação que servisse ao bem comum. Também deu um destaque específico ao impulso maçônico de repensar o matrimônio como um mero contrato civil, promover o divórcio e apoiar a legalização do aborto.

É praticamente impossível ler esta agenda e não reconhecer nela a base de quase todo o nosso discurso político contemporâneo. O fato de muitos de nossos principais partidos políticos, se não todos, apoiarem tranquilamente essas ideias, e o próprio conceito de Estado secular e suas consequências sobre a sociedade ocidental, incluindo a pervasiva cultura do divórcio e a disponibilidade quase universal do aborto, tudo isso é uma vitória da agenda maçônica. E isso levanta questões canônicas muito sérias sobre a participação católica no atual processo político secular.

Ao longo de séculos de condenações papais à Franco-maçonaria, era normal que cada papa incluísse nomes de novas sociedades que compartilhavam da filosofia e da agenda maçônicas e que, por isso, também deveriam ser entendidas pelos católicos, nos termos da lei canônica, como “maçônicas”. No século XX, isso chegou a incluir partidos políticos e movimentos como o comunismo.

Quando o Código de Direito Canônico foi reformado, após o Vaticano II, o cânon específico que proibia os católicos de aderirem a “seitas maçônicas” foi revisado. No novo código, promulgado em 1983 por São João Paulo II, a menção explícita à Franco-maçonaria foi retirada completamente. O novo cânon 1374 refere-se somente a associações “que maquine[m] contra a Igreja”. Muitos entenderam essa mudança como um indicativo de que a Franco-maçonaria não mais era considerada má aos olhos da Igreja. Na verdade, os membros do comitê responsável pela reforma esclareceram que eles queriam se referir não apenas aos franco-maçons, mas a muitas outras organizações; a conspiração da agenda secularista maçônica tinha-se espalhado para tão além das lojas que continuar usando um termo abrangente como “maçônico” seria confuso. O então Cardeal Ratzinger emitiu um esclarecimento da nova lei em 1983, no qual deixou claro que o novo cânon havia sido formulado para encorajar uma interpretação e uma aplicação mais abrangentes.

Dado o entendimento cristalino, no ensinamento da Igreja, do que a conspiração ou a agenda maçônica incluem — a saber, o matrimônio como um mero contrato civil aberto ao divórcio à vontade; o aborto; a exclusão do ensino religioso das escolas públicas; a exclusão da Igreja do provimento de bem-estar social ou do controle de instituições de caridade —, parece-nos impossível não perguntar: quantos de nossos partidos políticos no Ocidente não estariam agora sob a proibição do cânon 1374? A resposta talvez não agrade muito aqueles que querem ver um fim para a chamada “guerra cultural” dentro da Igreja.

Mais recentemente, o Papa Francisco tem falado repetidas vezes de sua grave preocupação com uma infiltração maçônica na Cúria e em outras organizações católicas. Ao mesmo tempo, ele alertou contra a Igreja se tornar uma mera ONG em seus métodos e objetivos — perigo que vem diretamente dessa mentalidade secularista a que a Igreja sempre chamou “filosofia maçônica”.

A infiltração maçônica na hierarquia e na Cúria tem sido tratada há muito tempo como uma espécie de versão católica do “bicho-papão” embaixo da cama, ou da paranoia macarthista com infiltrados comunistas. De fato, quando se conversa com pessoas que trabalham no Vaticano, rapidamente se descobre que, para cada dois ou três que riem dessa história, há pelo menos um que deparou diretamente com esse fato. Eu mesmo conheço pelo menos duas pessoas que, durante o tempo em que trabalharam em Roma, foram abordadas para se associarem. O papel das lojas maçônicas como ponto de encontros confidencial para pessoas com ideias e agendas heterodoxas mudou pouco desde a França pré-revolucionária até o Vaticano de hoje. 300 anos após a fundação da primeira Grande Loja Maçônica, o conflito entre a Igreja e a Franco-maçonaria nunca esteve tão vivo.

(Via Pe. Paulo Ricardo)

Antes de Lutero, onde estava a Igreja de Cristo?

Se a Igreja Católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, então ela nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos. Do contrário, Jesus Cristo nos enganou.

Pe. Leonel Franca

16 de Novembro de 2017

Da infalibilidade da Igreja deriva um corolário fatal a todas as heresias. Qualquer grupo de almas batizadas que se separa da comunhão dos fiéis e rompe com os ensinamentos e tradições antigas já está condenado pela sua própria novidade.

A Igreja de Cristo é una como a verdade. O Espírito Santo nela habita com a sua assistência continuada todos os dias, até a consumação dos tempos. Impossível assinalar uma época na história em que a Esposa do Verbo se tenha desviado da senda real da ortodoxia. As promessas divinas falhariam, Cristo deixaria de ser Deus e a religião por ele instituída afundaria para sempre no pego imenso das superstições humanas.

Se a Igreja caiu no erro, as portas do inferno prevaleceram contra ela e Cristo não manteve a sua promessa.
Após 15 séculos de cristianismo levante-se um monge no coração da Alemanha e lança ao mundo o pregão de uma reforma. Simples regeneração dos costumes?

Não, reforma doutrinal.

O que então se chamava doutrina cristã admitida pela Igreja universal era uma adulteração profunda do Evangelho, um acervo de superstições e idolatrias, patrocinadas pelo anticristo de Roma. A Igreja se havia apartado da verdadeira fé: era mister reconduzi-la às fontes genuínas do Evangelho.

Cristo errara a mão. Fundara uma sociedade fadada a destinos imortais. Plantara-a no mundo como cidade visível para acolher os eleitos. Mas apenas saída das suas mãos divinas, apenas o mundo pagão, com a paz de Constantino, viera buscar à sombra da cruz a verdade e a vida, a Igreja desfalece, corrompe-se, paganiza-se. Onze séculos de ignorância, de trevas e de superstições ensombraram a obra do Salvador.

“A entrega das chaves a S. Pedro”, de Pietro Perugino.
Foi mister que um frade apóstata, sensual e orgulhoso apontasse no horizonte religioso da humanidade para reconduzi-la aos mananciais cristalinos do Evangelho, e, mais feliz, mais próvido, mais sábio, mais poderoso que o Cristo, fundasse uma nova Igreja de vitalidade menos efêmera, Igreja imorredoura e incorruptível, destinada a acolher sob as suas tendas as gerações do porvir. Eis a significação real do protestantismo. Eis outrossim a sua condenação, a seta fatal que se lhe embebeu no peito e há de arrastá-lo à morte inevitável.

Se Cristo é Deus, se Cristo fundou uma Igreja, essa é indefectível e imortal como as obras divinas. Mas se a Igreja caiu no erro, as portas do inferno prevaleceram contra ela e Cristo não manteve a sua promessa. Cristo enganou-nos, Cristo não é Deus, e o cristianismo é uma grande impostura. É tão forte a consequência que muitos protestantes por este motivo abjuraram o cristianismo. É o exemplo de Staudlin, que dizia:

Se na religião partimos de um princípio sobrenatural (como uma revelação, a Bíblia, por exemplo ou o Corão), cumpre necessariamente admitir que a Divindade, comunicando uma revelação ao homem, deve prover outrossim o modo de impedir que o sentido desta revelação não seja abandonado às arbitrariedades do juízo subjetivo. Esta inconsequência de Jesus Cristo não me permite considerá-lo senão como um sábio benfeitor. [1]
Ochin, outro protestante, que no dizer de Calvino, era mais sábio ele só que a Itália inteira, chegava pelo mesmo caminho à mesma conclusão. “Considerando, de um lado, como poderia a Igreja haver sido fundada por Jesus Cristo e regada com o seu sangue, e, do outro, como poderia ela ser fundamentalmente adulterada pelo catolicismo, como estamos vendo, conclui que aquele que a estabeleceu não podia ser o Filho de Deus; faltou-lhe evidentemente a Providência” [2]. E Ochin, renunciando ao protestantismo, fez-se judeu.

Se a Igreja Católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, então ela nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos. Do contrário, Jesus Cristo nos enganou.
Nada, com efeito, mais diametralmente oposto aos ensinamentos e promessas do Evangelho do que a ideia de uma Igreja que pode desgarrar da sua primeira instituição, pregar o erro e a corrupção. O Espírito de Verdade habitará nela para todo o sempre: prometeu-o formalmente Cristo. Formalmente mandou-nos o Senhor que obedecêssemos à Igreja em todos os tempos e em todos os lugares. Não nos disse: Escutai a Igreja durante 300 ou 1.000 anos, mas ouvi-a sempre, sem nenhum limite de tempo, sem nenhuma reserva, sem nenhuma restrição. “Quem não ouve a Igreja, seja considerado como pagão ou pecador” (Mt 18, 17).

Ora, evidentemente, antes de Lutero existia uma Igreja, a Igreja católica, que por uma sucessão ininterrupta de pastores ascendia aos apóstolos, e, por meio dos apóstolos, ao próprio Cristo. Esta era a Igreja instituída pelo Salvador, esta a Igreja de que falam as promessas evangélicas. Fora dela, a história não conhece outra.

Jesus Cristo não nos disse: Escutai a Igreja durante 300 ou 1000 anos, mas ouvi-a sempre, sem nenhum limite de tempo, sem nenhuma reserva.
Quando nasceram as igrejas luteranas, calvinistas e anglicanas, já a Igreja católica tinha uma existência quinze vezes secular. Desde Jesus Cristo só há uma Igreja, a grande Igreja, como a chamavam os pagãos, a Igreja, simplesmente, sem epítetos derivados de nomes humanos, como a chamamos nós. Diante deste fato, afirmai agora que essa Igreja entrou a corromper-se no 4.º século e de todo adulterou a doutrina evangélica nas “trevas caliginosas da Idade Média” e tereis anulado as promessas de sua Providência, atributo distintivo da Divindade. Staudlin e Ochin são lógicos. Entre o catolicismo e o naturalismo deísta não há racionalmente meio termo. Se a Igreja católica foi em algum tempo a verdadeira Igreja, nunca cessou, nunca cessará de o ser, até o fim dos tempos [3]. Se não, Jesus Cristo enganou-nos. Seitas cristãs acatólicas são superfetação parasitária destinada a uma existência efêmera.

Por uma feliz incoerência, porém, muitos protestantes não resvalaram até ao fundo do abismo. Parando à meia encosta, esforçam-se por conservar alguns restos de cristianismo. Mas nem estes deixaram de sentir o fio cortante do argumento: onde estava a Igreja antes de Lutero?

Pergunta capciosa? Não, pergunta molesta, pergunta irrespondível, pergunta que vale por si uma apologia inteira, pergunta inexoravelmente fatal ao protestantismo.

Referências

Magazin de l’histoire de la religion, 3e. partie, p. 83.
Citado na obra Dialogues sur le protestantisme, p. 55.
Bem dizia aquele filósofo: Se o Messias já veio, devemos ser católicos; se não veio, judeus; em nenhuma hipótese, protestantes.

O inferno existe?

No céu, os malvados se sentarão juntamente com suas vítimas, como se nada tivesse acontecido? Ou o inferno existe? Se sim, ainda vale a pena falar sobre essa realidade para as pessoas de hoje?

O inferno existe? Esta pergunta, aparentemente trivial para um católico praticante, tornou-se discurso comum na boca de muitos teólogos e pregadores que, ora tratam o tema com desdém, ora o consideram inoportuno para o homem moderno.

Antes de qualquer consideração, porém, é preciso que fiquem claras duas coisas:

(I) A partir das Sagradas Escrituras e da Tradição, bem como de inúmeras declarações do Magistério da Igreja, não resta dúvida de que o inferno existe [1] – e não acreditar neste dado revelado é afastar-se da fé católica;

(II) Embora exista, o inferno não é criação de Deus, mas uma invenção diabólica, realidade na qual podem adentrar também os seres humanos, com a sua liberdade.

Na encíclica Spe Salvi, o Papa Bento XVI faz alusão a recentes episódios da história do mundo em que ficou evidente como o uso abusivo da liberdade pode levar, já neste mundo, a uma opção irremediável pelo mal:

“Pode haver pessoas que destruíram totalmente em si próprias o desejo da verdade e a disponibilidade para o amor; pessoas nas quais tudo se tornou mentira; pessoas que viveram para o ódio e espezinharam o amor em si mesmas. Trata-se de uma perspectiva terrível, mas algumas figuras da nossa mesma história deixam entrever, de forma assustadora, perfis deste gênero. Em tais indivíduos, não haveria nada de remediável e a destruição do bem seria irrevogável: é já isto que se indica com a palavra inferno.” [2]
O inferno não se trata, pois, de uma hipótese teológica, mas de uma constatação histórica, cuja possibilidade se torna bem concreta, se o ser humano olhar com sinceridade para o próprio coração. Fatalmente, a criatura pode sim afastar-se de seu Criador.

Na verdade, são justamente as pessoas que deixam de crer no inferno as que terminam cometendo, por causa disso, as maiores atrocidades. Como não há castigo para si, como estão elas “para além do bem e do mal”, tudo parece ser-lhes permitido.

Mas, na expressão de São Bernardo de Claraval, “impassibilis est Deus, sed non incompassibilis – Deus é impassível, mas não incompassível” [3]: embora não possa padecer, Deus Se compadece dos fracos e oprimidos neste mundo. A Sua graça, adverte o Papa Bento XVI, “não exclui a justiça”, nem “muda a injustiça em direito”:

“Não é uma esponja que apaga tudo, de modo que tudo quanto se fez na terra termine por ter o mesmo valor. Contra um céu e uma graça deste tipo protestou com razão, por exemplo, Dostoiévski no seu romance ‘Os irmãos Karamázov’. No fim, no banquete eterno, não se sentarão à mesa indistintamente os malvados junto com as vítimas, como se nada tivesse acontecido.” [4]
Mesmo diante de tudo isso – pergunta-se –, será ainda conveniente falar sobre o inferno ao homem de hoje? Não seria melhor deixar de lado essa doutrina?

A pedagogia divina, expressa na vida dos santos e místicos da Igreja, deixa entrever que não. Santa Teresa de Ávila relata, em sua autobiografia, como a visão que teve do inferno foi “uma das maiores graças” que o Senhor lhe concedeu [5]. Tal fato fê-la inflamar-se de tal amor por Nosso Senhor que – diz ela em seu Caminho de Perfeição [6] – estaria disposta a dar mil vidas pela salvação de uma só das almas que se precipitavam no abismo eterno.

Em 1917, em Portugal, Nossa Senhora também não hesitou em mostrar o inferno aos pastorinhos de Fátima. “Algumas pessoas, mesmo piedosas – diz a Irmã Lúcia em suas memórias [7] –, não querem falar às crianças do inferno, para não as assustar; mas Deus não hesitou em mostrá-lo a três crianças, e uma de 6 anos apenas, a qual Ele sabia que se havia de horrorizar a ponto de, quase me atrevia a dizer, definhar-se de susto”. Mas, por que permitiu Deus que aquelas crianças tivessem diante de si uma realidade tão aterradora? A resposta está em que Ele queria excitar-lhes o temor: não o temor servil, de um escravo, mas o temor filial, de filhos. De fato, depois de contemplarem o inferno, Francisco, Jacinta e Lúcia foram incendiados por um grande amor a Deus e começaram a fazer inúmeras penitências e orações para salvar as almas da condenação eterna.

Mais recentemente, o teólogo Hans Urs von Balthasar aventou a possibilidade de que, embora existisse, o inferno talvez estivesse vazio (l’inferno vuoto). A Tradição da Igreja, no entanto, não pode corroborar esse pensamento: (I) porque Satanás e os anjos rebeldes já estão no inferno [8]; (II) porque Cristo, ao encerrar o seu “sermão escatológico”, não deixa dúvidas quando diz que os maus “irão para o castigo eterno” (Mt 25, 46).

Permanecer na fé da Igreja, portanto, é o caminho seguro. Que os pregadores da Palavra voltem a falar do inferno, não para aterrorizar as pessoas, mas para fazê-las crescer no amor. A caridade não pode ser levada a sério se não se tem uma verdadeira repulsa pelo mal e pelo eterno afastamento do Sumo Bem, que é Deus.

Referências

Cf. Catecismo da Igreja Católica, 1033.
Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 45.
Sermones in Cantica Canticorum, 26, 5 (PL 183, 906).
Papa Bento XVI, Carta Encíclica Spe Salvi (30 de novembro de 2007), III, 44.
Livro da Vida, 32, 4.
Cf. Caminho de Perfeição, 1, 2; Livro da Vida, 32, 6.
ALONSO, Joaquín María; KONDOR, Luigi; CRISTINO, Luciano Coelho. Memórias da Irmã Lúcia. 13. ed. Fátima, 2007, p. 123.
Cf. Papa João Paulo II, Audiência Geral (28 de julho de 1999), n. 4.

A água benta é uma superstição?

Qual o sentido de que uma pessoa fique se aspergindo com um punhado de água? Não existe outra forma de ser abençoado por Deus, ao invés de ficar “atribuindo poderes mágicos” a seres inanimados?

Para quem não conhece a teologia católica, a água benta pode parecer, com certa razoabilidade, uma espécie de superstição. Afinal, qual o sentido de que uma pessoa fique se aspergindo com um punhado de água? Não existe outra forma de ser abençoado por Deus, ao invés de ficar “atribuindo poderes mágicos” a seres inanimados?

A resposta católica para essa questão encontra-se no sadio equilíbrio da “economia sacramental”. A Santa Igreja, no decorrer dos séculos, sempre ensinou aos seus filhos o apreço das coisas sensíveis, sob o risco de que se obscurecessem os próprios mistérios de nossa redenção. O Verbo, para descer ao mundo, não rejeitou “vir na carne” e tomar uma forma verdadeiramente humana (cf. 1 Jo 4, 2); não desprezou o matrimônio (cf. Mt 19, 3-9; Jo 2, 1-11), nem se furtou de tomar alimentos para conservação de seu corpo físico (cf. Mt 11, 19; Jo 21, 9-14); ao instituir os sacramentos, foi além e transformou realidades visíveis, como a água, o pão e o vinho, em verdadeiros instrumentos de salvação, de onde Ele dizer, por exemplo, que “se alguém não nascer da água e do Espírito, não poderá entrar no Reino de Deus” (Jo 3, 5), ou mesmo: “Se não comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em vós” (Jo 6, 51. 53). O respeito dos católicos pelas coisas materiais, portanto, foi aprendido do próprio Jesus, o qual, para salvar o ser humano inteiro – corpo e alma –, quis sabiamente distribuir a Sua graça invisível através de instrumentos tangíveis e perceptíveis aos olhos humanos. “Oportet nos per aliqua sensibilia signa in spiritualia devenire – Convém que por sinais sensíveis cheguemos às realidades espirituais” (S. Th., III, q. 61, a. 4, ad 1), diz Santo Tomás de Aquino.

Para investigar como a água benta se insere nessa economia, é preciso entender como os sacramentos atuam na vida dos cristãos. Embora estes realizem o seu efeito, que é a graça, ex opere operato (ou seja, automaticamente), os fiéis colhem frutos na medida em que se dispõem interiormente para recebê-los. Assim, por exemplo, quem se arrepende de seus pecados e é absolvido pelo sacerdote na Confissão, certamente recebe a graça santificante; mas aquele que teve uma contrição maior receberá uma porção de graça também maior. Quem se aproxima dignamente da Eucaristia, do mesmo modo, certamente recebe a graça do Cristo, mas, quanto mais devotamente comungar, tanto maior será o seu grau de comunhão com Deus.

Os chamados “sacramentais” – dos quais a água benta é um tipo –, embora não levem ao efeito do sacramento, que é a obtenção da graça, agem dispondo a pessoa para a sua recepção. A água benta, por exemplo, explica o Doutor Angélico, atua de modo negativo, dirigindo-se (1) “contra as insídias do demônio e (2) contra os pecados veniais” (cf. S. Th., III, q. 65, a. 1, ad 6).

Primeiro, portanto, a água benta funciona como um “exorcismo”, com a diferença de que este é aplicado contra a ação demoníaca desde dentro, enquanto “a água benta é dada contra os assaltos dos demônios que vêm do exterior” (S. Th., III, q. 71, a. 2, ad 3). Para este fim específico, trata-se de um instrumento verdadeiramente eficaz, amplamente comprovado pelo uso dos santos. Santa Teresa d’Ávila, por exemplo, recomendava a suas irmãs que nunca andassem sem água benta e que se servissem dela com frequência. “Vocês não imaginam o alívio que se sente quando se tem água benta”, ela dizia. “É um grande bem fruir com tanta facilidade do sangue de Cristo” [1].

Segundo, quanto aos pecados veniais, a água benta age enquanto “desperta um movimento de respeito em relação a Deus e às coisas divinas” (S. Th., III, q. 87, a. 3). Diferentemente de outras práticas devotas que, realizadas com fervor, também apagam as faltas veniais – como a oração do Pai-Nosso ou um ato de contrição –, a água benta traz consigo o poder da bênção sacerdotal, o que dá maior eficácia ao seu uso.

A água benta não se trata, portanto, de uma superstição, mas de um recurso extremamente útil e piedoso para quem quer se santificar através da oração da Igreja. O Catecismo da Igreja Católica adverte que “atribuir só à materialidade das orações ou aos sinais sacramentais a respectiva eficácia, independentemente das disposições interiores que exigem, é cair na superstição” (§ 2111). Por isso, acompanhado da aspersão da água benta deve sempre ir um grau cada vez maior de fervor a Deus, sem o qual qualquer prática religiosa, por mais piedosa que seja, perde o seu sentido último.

Referências

Escritos de Teresa de Ávila. São Paulo: Loyola, 2001, p. 205, nota 2.

Frei Raniero: fenômeno pentecostal e carismático tem vocação e responsabilidade particulares

“Todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua” foi o tema da Pregação do Frei Raniero Cantalamessa na Vigília ecumênica de Pentecostes realizada no Circo Máximo, em Roma, na presença do Papa Francisco. Eis a íntegra:

Dos Atos dos Apóstolos, capítulo Dois:

“Moravam em Jerusalém judeus devotos, de todas as nações do mundo. Quando ouviram o barulho, juntou-se a multidão, e todos ficaram confusos, pois cada um ouvia os discípulos falar em sua própria língua. Cheios de espanto e de admiração, diziam: ‘Esses homens que estão falando não são todos galileus? Como é que nós os escutamos na nossa própria língua? Nós que somos partos, medos e elamitas, habitantes da Mesopotâmia, da Judeia e da Capadócia, do Ponto e da Ásia, da Frígia e da Panfília, do Egito e da parte da Líbia, próxima de Cirene, também romanos que aqui residem; judeus e prosélitos, cretenses e árabes, todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua!’ Todos estavam pasmos e perplexos, e diziam uns aos outros: ‘Que significa isso?’ ” (At 2, 5-13).

Esta cena se renova hoje entre nós. Também nós viemos “de todas as nações do mundo”, e estamos aqui para proclamar juntos “as maravilhas de Deus”.

Porém, há um mensagem a se descobrir nesta parte da narrativa de Pentecostes. Desde a antiguidade, entendeu-se que o autor dos Atos – ou seja, em primeiro lugar, o Espírito Santo! – com esta insistência no fenômeno das línguas, quis fazer-nos entender que, em Pentecostes, aconteceu algo que inverte o que tinha acontecido em Babel. O Espírito transforma o caos linguístico de Babel na nova harmonia das vozes. Graças a ele, escrevia Santo Irineu no século III, “todas as línguas se uniram no mesmo louvor de Deus”[1]. Isso explica porque a narrativa de Babel, em Gênesis 11, é tradicionalmente inserida entre as leituras bíblicas da vigília de Pentecostes.

Os construtores de Babel não eram, como se pensava há algum tempo, ímpios que pretendiam desafiar Deus, algo equivalente aos titãs da mitologia grega. Não, eram homens piedosos e religiosos. A torre que queriam construir era um templo à divindade, um daqueles templos feitos em terraços sobrepostos, chamados zigurates, dos quais ainda restam ruínas na Mesopotâmia.

Então, onde estava seu pecado? Escutemos o que dizem entre si ao porem mãos à obra: “E disseram: ‘Vamos, façamos para nós uma cidade e uma torre cujo cimo atinja o céu. Assim, ficaremos famosos, e não seremos dispersos por toda a face da terra’ ” (Gn 11,4). Martinho Lutero faz uma observação esclarecedora a propósito destas palavras:

“ ‘Construamo-nos uma cidade e uma torre’: construamos para nós – não para Deus (…). ‘Façamos um nome’: façamo-lo para nós. Não se preocupam para que o nome de Deus seja glorificado, eles estão preocupados em engrandecer o próprio nome”[2].

Em outras palavras, Deus é instrumentalizado; deve servir à sua vontade de potência. Pensavam, talvez, segundo a mentalidade do tempo, que oferecendo sacrifícios a partir de uma maior altitude, poderiam arrancar da divindade vitórias sobre os povos vizinhos. Eis porque Deus é forçado a confundir suas línguas e mandar pelos ares o projeto deles.

Isso faz, de um só golpe, a experiência de Babel e de seus construtores muito próxima a nós. O quanto das divisões entre os cristãos foi devido ao desejo secreto de fazer-nos um nome, de nos elevarmos acima dos outros, de tratar com Deus a partir de uma posição de superioridade em relação aos demais! O quanto foi devido ao desejo de fazer para si um nome, ou de fazê-lo em nome da própria Igreja, mais do que a Deus! Eis aqui a nossa Babel!

Passemos, agora, a Pentecostes. Também aqui vemos um grupo de homens, os apóstolos, que se põem a construir uma torre que vai da terra ao céu, a Igreja. Em Babel, ainda se falava uma única língua e, em um dado momento, ninguém compreende mais o outro; aqui, todos falam línguas diversas, e todos entendem os apóstolos. Por quê? É que o Espírito Santo operou neles uma revolução copernicana.

Antes deste momento, também os apóstolos estavam preocupados em se fazer um nome e, por isso, discutiam frequentemente “quem fosse o maior entre eles”. Agora, o Espírito Santo lhes descentralizou de si mesmos e reorientou-os em Cristo. O coração de pedra foi despedaçado e, em seu lugar, bate “um coração de carne” (Ez 36,26). Foram “batizados no Espírito Santo”, como tinha prometido Jesus antes de deixá-los (At 1,8), isto é, completamente submersos pelo oceano do amor de Deus derramado sobre eles (cf. Rm 5,5).

Estão deslumbrados pela glória de Deus. O falar em diversas línguas se explica também pelo fato de que falavam com a língua, com os olhos, com o rosto, com as mãos, com o estupor de quem viu coisas que não podem narrar. “Todos nós os escutamos anunciarem as maravilhas de Deus na nossa própria língua”. Eis porque todos os compreendiam: não falavam mais de si mesmos, mas de Deus!

Deus nos chama a atuar em nossa vida a mesma conversão: de nós mesmos a Deus, da pequena unidade que é a nossa paróquia, o nosso movimento, a nossa própria Igreja, à grande unidade que é aquela do corpo inteiro de Cristo, ou seja, a humanidade inteira. É o passo almejado que o Papa Francisco está impulsionando-nos, católicos, para fazer, e que os representantes de outras Igrejas aqui presentes demonstram querer compartilhar.

Santo Agostinho já tinha evidenciado que a comunhão eclesial se realiza em degraus e pode ter diversos níveis: daquele pleno, visível e interior, àquele interior, que é o próprio Espírito Santo. São Paulo abraçava em sua comunhão “todos que, em qualquer lugar, invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso” (1Cor 1,2). Uma fórmula que talvez devamos redescobrir e voltar a valorizar. Ela se estende hoje também aos nossos irmãos Judeus messiânicos.

O fenômeno pentecostal e carismático tem uma vocação e uma responsabilidade particulares, em relação à unidade dos cristãos. A sua vocação ecumênica se mostra ainda mais evidente, se repensarmos no que aconteceu no início da Igreja. Como fez o Ressuscitado para impulsionar os apóstolos a acolher os pagãos na Igreja? Deus mandou o Espírito Santo sobre Cornélio e sua casa do mesmo modo e com as mesmas manifestações com que o tinha enviado no início sobre os apóstolos. Assim, a Pedro não restou senão tirar a conclusão: “Deus concedeu a eles o mesmo dom que deu a nós que acreditamos no Senhor Jesus Cristo. Quem seria eu para me opor à ação de Deus?” (At 11,17). No concílio de Jerusalém, Pedro repetiu este mesmo argumento:  “Deus não fez nenhuma distinção entre nós e eles” (At 15,9).

Agora, nós vimos repetir-se diante de nossos olhos este mesmo prodígio, desta vez, em escala mundial. Deus derramou seu Espírito sobre milhões de fiéis, pertencentes a quase todas as denominações cristãs, e, a fim de que não restassem dúvidas sobre suas intenções, derramou-O com as mesmas idênticas manifestações, inclusive a mais singular, que é o falar em línguas. Também a nós, não resta senão tirar a mesma conclusão de Pedro: “Se, portanto, Deus concedeu-lhes o mesmo dom que a nós, quem somos nós para continuar a dizer de outros cristãos: não pertencem ao corpo de Cristo, não são verdadeiros discípulos de Cristo?”.

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Devemos ver em que consiste a via carismática à unidade. A nossa contribuição à unidade é o amor recíproco. São Paulo traçou este programa à Igreja: “Ater-se à verdade com a caridade” (Ef 4,15). O que temos que fazer não é passar por cima do problema da fé e das doutrinas, para nos encontrarmos unidos nas frentes de ação comum da evangelização. O ecumenismo tem experimentado, em seus inícios, esta via, e constatou seu fracasso. As divisões logo reapareceram, inevitavelmente, mesmo na frente de ação. Não devemos substituir a caridade pela verdade, mas tender à verdade com a caridade; começar a nos amarmos para melhor nos compreendermos.

O que é mais extraordinário, a respeito desta via ecumênica baseada no amor, a qual é imediatamente possível, é que que ela está totalmente aberta diante de nós. Não podemos “queimar etapas” quanto à doutrina, pois as diferenças existem e devem ser resolvidas com paciência, nos devidos lugares. Podemos, contudo, queimar etapas na caridade, e ser unidos desde agora.

Não apenas nada nos impede de nos amarmos e de nos acolhermos, ao contrário, é-nos ordenado fazê-lo. É a única “dívida” que temos uns para com os outros, uma dívida que não admite prorrogações no pagamento: “Não fiqueis devendo nada a ninguém, a não ser o amor mútuo” (Rm 13,8). Nós podemos nos acolher para nos amarmos, não obstante as diferenças. Cristo não nos ordenou amar apenas aqueles que pensam como nós, que compartilham completamente o nosso credo. Se amais apenas esses, exortou-nos, o que fazeis de especial, que já não fazem também os pagãos?

Nós podemos nos amar porque o que já nos une é infinitamente mais importante daquilo que ainda nos divide. Une-nos a mesma fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo; o Senhor Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro homem; a esperança comum da vida eterna, o empenho comum pela evangelização, o amor comum pelo corpo de Cristo, que é a Igreja.

Une-nos também outra coisa importante: o sofrimento comum e martírio comum por Cristo. Em muitas partes do mundo, os fiéis das diversas Igrejas estão compartilhando os mesmos sofrimentos, suportando o mesmo martírio por Cristo. Eles não são perseguidos e assassinados por serem católicos, anglicanos, pentecostais ou outros, mas por serem “cristãos”. Aos olhos dos perseguidores, já somos um, e é vergonha se não o somos também na realidade.

Como fazer, concretamente, para pôr em prática esta mensagem de unidade e de amor? Reconsideremos o hino à caridade de São Paulo (1Cor 13,4ss). Cada frase adquire um significado atual e novo, se aplicada ao amor entre membros das diversas Igrejas cristãs, nas relações ecumênicas:

“A caridade é paciente…

A caridade não se envaidece…

A caridade não faz nada de inconveniente…

Não é interesseira (subentende-se: também o interesse das outras Igrejas)Não leva em conta o mal sofrido (subentende-se: por outros cristãos, mais ainda, o mal feito a eles)”.

“Bem-aventurado o servo – dizia São Francisco de Assis em uma de suas Admoestações – que não se exalta mais por causa do bem que o Senhor diz e faz através dele do que pelo que diz e faz através de outro”. Nós podemos dizer: Bem-aventurado o cristão que é capaz de se alegrar pelo bem que Deus faz através de outras Igrejas, como pelo bem que faz por meio da própria Igreja.

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O profeta Ageu tem um oráculo que parece ser escrito para nós, neste momento da história. O povo de Israel acabara de voltar do exílio, mas, ao invés de reconstruir juntos a casa de Deus, cada qual se põe a reconstruir e adornar a própria casa.  Deus manda então seu profeta com uma mensagem de reprovação:

Acaso para vós é tempo de morardes em casas revestidas de lambris, enquanto esta casa está em ruínas? Isto diz, agora, o Senhor dos exércitos: Considerai, com todo o coração, a conjuntura que estais passando:  tendes semeado muito, e colhido pouco (…). Considerai, com todo o coração, a difícil conjuntura que estais passando: mas subi ao monte, trazei madeira e edificai a casa; ela me será aceitável, nela me glorificarei, diz o Senhor (Ag 1,4-8).

Devemos sentir como dirigida a nós esta mesma reprovação de Deus, e nos arrepender. Aqueles que escutaram o discurso de Pedro no dia de Pentecostes “ficaram com o coração aflito, e perguntaram a Pedro e aos outros apóstolos: ‘Irmãos, o que devemos fazer?’ Pedro respondeu: ‘Convertei-vos e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para o perdão dos vossos pecados. E vós recebereis o dom do Espírito Santo” (At 2,37ss). Uma renovada efusão de Espírito Santo não será possível sem um movimento coletivo de arrependimento da parte de todos os cristãos. Será uma das intenções de oração que terão lugar após este momento de compartilha.

Depois que as pessoas foram convertidas, o profeta Ageu foi enviado novamente ao povo, mas desta vez com uma mensagem de encorajamento e de consolo:

Pois agora, coragem, Zorobabel, oráculo do Senhor! Coragem, Josué, filho de Josedec! Coragem, povo todo do país! – oráculo do Senhor. E mãos à obra, que eu estou convosco – oráculo do Senhor dos exércitos. (…) O meu espírito estará convosco, não tenhais medo!” (Ag 2,4-5).

A mesma palavra de consolo é dirigida a nós, cristãos, e eu anseio fazê-la ressoar novamente neste lugar, não como simples citação bíblica, mas como palavra de Deus viva e eficaz que opera aqui e agora aquilo que significa: “Coragem, Papa Francisco! Coragem, líderes e representantes de outras confissões cristãs! Coragem, todo o povo de Deus, e mãos à obra, pois eu estou convosco, diz o Senhor! O meu Espírito estará convosco”.

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Traduçao de Fr. Ricardo Farias, OFMCap.

[1] Santo Irineu, Contra as heresias, III, 17, 2.

[2] Martin Lutero,  In Genesin Enarrationes, WA, vol. 42, p. 411.