‘Isso não é um bebê. É um aborto!’: a tragédia de bebês nascidos vivos durante a prática do aborto

“As laterais da sacola pulsavam, como se alguém estivesse respirando dentro dela. Então, o saco parou de se mover.”

Quando uma representante da Planned Parenthood testemunhou contra um projeto de lei da Flórida que defendia bebês nascidos vivos durante abortos malsucedidos, ativistas pró-aborto reclamaram que este cenário não era real. Situações como essas, no entanto, têm acontecido desde que o aborto se tornou legal nos Estados Unidos. Um número considerável de funcionários de clínica de aborto, médicos e ex-aborteiros tem quebrado o silêncio e falado sobre essas crianças a quem foi negada assistência médica depois do parto.

No livro The Ambivalence of Abortion [“A Ambivalência do Aborto”], a autora pró-aborto Linda Bird Francke recolheu o depoimento de várias pessoas envolvidas na indústria do aborto. Ela cita uma enfermeira, que conta a seguinte história:

” Tivemos um salino (tipo de aborto) que nasceu vivo. Eu corri para a enfermaria e pus aquilo em uma encubadora. Chamei o pediatra para ajudar, mas ele se negou. ‘Isso não é um bebê. É um aborto!’, ele disse.” [1]

Embora o destino da criança não tenha sido revelado, é praticamente impossível que ela tenha sobrevivido sem assistência médica às lesões fatais de um aborto salino.

Em um procedimento desse gênero, uma solução salina cáustica é injetada no útero materno, envenenando o líquido amniótico e matando o bebê no curso de algumas horas. A mulher entra em trabalho de parto para dar à luz um bebê morto. Esse método foi abandonado na década de 1990 pelo grande número de abortos malsucedidos e porque era perigoso para a mulher. Foi substituído pela D&E (“dilatação e evacuação”), um procedimento brutal pelo qual o bebê é dilacerado com um fórceps e extraído pedaço por pedaço. Uma técnica similar à do envenenamento salino, que ainda é realizada hoje, consiste na injeção de digoxina diretamente no coração do feto. A substância “amolece” o cadáver, tornando mais fácil o ato de rasgá-lo e retirá-lo do útero. Abortos por digoxina são geralmente feitos nos últimos dois trimestres e, às vezes, também produzem nascidos vivos.

Em In Necessity and Sorrow: Life and Death in an Abortion Hospital [“Na Necessidade e no Sofrimento: Vida e Morte em um Hospital de Aborto”], Magda Denes, outra autora pró-aborto, relata o testemunho de Teresa Etienne, identificada como funcionária de uma clínica:

“A única vez em que pensei sobre aborto em termos de religião foi quando vi alguns fetos e um tinha nascido vivo. Eu realmente vi um deles, até senti a batida do coração. Eu o toquei. Parecia um bebê, mas era muito pequeno. Era realmente lindo. Muito calmo. Na verdade, estava começando a morrer. As batidas do coração estavam diminuindo. Ele estava indo para o Hospital Bellevue e um rapaz dizia: ‘Eu não sei porque temos que levar isso pra lá, já que vai morrer de qualquer jeito. Por que passar por todo esse aborrecimento?” [2]

Um caso no qual um bebê nascido vivo foi morto por ação direta do aborteiro veio à luz quando funcionários de uma clínica revelaram o que aconteceu. Nas palavras do autor pró-vida Mark Crutcher:

“De acordo com cinco empregados de uma clínica de aborto, o aborteiro texano John Roe 109 (pseudônimo) estava realizando um aborto quando uma menina do tamanho de um pé (cerca de 30 cm) e com cabelo castanho claro nasceu. Eles confirmaram que o bebê se enrolava na mão de Roe e tentava respirar, enquanto ele segurava a placenta sobre o seu rosto.

Então, ele a jogou em um balde de água e vários empregados confirmaram que bolhas subiram até a superfície. Eles prosseguiram dizendo que Roe, então, ‘soltou o feto dentro de um saco plástico… que foi amarrado e colocado no fundo da sala de operações. As laterais da sacola pulsavam, como se alguém estivesse respirando dentro dela. Então, o saco parou de se mover.’ Uma testemunha diz que estava segurando o saco no qual Roe colocou a criança e, depois, pôs a sacola no freezer onde os fetos abortados eram armazenados.” [3]

Aborteiros descrevem as suas experiências

No artigo Pro-Choice 1990: Skeletons in the Closet [“Pró-Escolha 1990: Esqueletos no Armário”, literalmente], o ex-aborteiro Dr. David Brewer descreve a sua primeira participação em um procedimento de aborto tardio. A operação foi feita por histerotomia, um tipo de aborto no qual o bebê é tirado da barriga da mulher, de modo similar a uma secção cesariana.

“Eu me lembro de ver o bebê se movendo, debaixo das membranas da bolsa, assim que a incisão cesariana foi feita, antes que o médico a rompesse. Veio-me à mente: ‘Meu Deus, aquilo é uma pessoa’. Então, ele rompeu a bolsa. E quando o fez, é como se viesse uma dor ao meu coração, assim como quando eu vi o primeiro aborto por sucção. Então, ele tirou o bebê, e eu não podia tocá-lo… Não podia mais ser um assistente. Apenas fiquei ali e a realidade do que estava acontecendo finalmente começou a entrar em meu cérebro e coração endurecidos.

Eles levaram aquele bebezinho que fazia pequenos sons e se movia e chutava, e o colocaram naquela mesa, em uma fria tigela de aço inoxidável. Enquanto fechávamos a incisão no útero e finalizávamos a cesariana, a todo momento eu conferia e via aquele pequeno ser se movendo naquela tigela. E ele, é claro, chutava e se movia cada vez menos com o passar do tempo. Lembro-me de ficar pensando e olhando para o bebê quando terminamos a cirurgia e ele ainda estar vivo. Era possível ver o seu peito se movendo, o seu coração batendo e o bebê tentando dar um pequeno suspiro. Aquilo realmente me atingiu e começou a me ensinar sobre o que o aborto realmente era.” [4]

Brewer ainda realizaria mais abortos antes de eventualmente sair da indústria e se tornar um interlocutor pró-vida. Mais tarde, na sua carreira profissional, o mesmo David Brewer presenciou o drama de outro bebê nascido vivo depois de um aborto salino:

“Uma noite, uma mulher deu à luz e eu fui chamado a comparecer e examiná-la porque estava fora de controle. Entrei na sala e ela estava caindo aos pedaços, em um colapso nervoso, gritando e se debatendo. As enfermeiras estavam incomodadas porque não conseguiam trabalhar e do mesmo modo todos os outros pacientes, porque essa mulher estava gritando. Quando entrei, vi o seu pequeno bebê vítima de um aborto salino. Ele tinha nascido e ficou chutando e se movendo por um curto espaço de tempo, até finalmente morrer com aquelas terríveis queimaduras – porque a solução salina entra nos pulmões e os queima também.”

O doutor Paul Jarrett, outro ex-aborteiro, conta a seguinte história:

“Como a solução salina hipertônica era muito tóxica se, ao invés do saco amniótico, fosse injetada na parede do útero, havia uma constante procura pela droga perfeita. A prostaglandina tornou-se agora a droga da vez, mas um dos primeiros experimentos era com ureia hipertônica. A maior desvantagem do seu uso era o problema dos nascidos vivos. Lembro-me de usar a solução em uma paciente que os residentes da psiquiatria nos trouxeram de sua clínica (…). Nunca esquecerei quando tirei o seu bebê de cerca de 900 gramas e ouvi os seus gritos: ‘Meu bebê está vivo, meu bebê está vivo!’. Ele sobreviveu por vários dias.”

Outros médicos testemunham o horror

Um médico que cuida de bebês prematuros descreve experiências que teve enquanto ainda fazia residência. Ele ajudou um médico a realizar um aborto terapêutico por histerotomia – técnica na qual o útero gravídico é removido como forma de tornar a pessoa estéril e, ao mesmo tempo, realizar um aborto.

“Eu já havia ajudado em duas outras histerotomias, uma por câncer no endométrio e outra por causa de um tumor benigno. Tinha sido ensinado durante os dois primeiros casos a ‘sempre abrir o útero e examinar o seu conteúdo’ antes de mandar a amostra para a patologia. Então, depois que o professor retirou o útero, eu – ansioso por mostrar-lhe que já tinha aprendido o procedimento padrão – perguntei-lhe se queria que eu o abrisse, ao que ele respondeu: ‘Não, porque o feto pode estar vivo e então estaríamos diante de um dilema ético.’” [5]

Pouco tempo depois, o mesmo médico presenciou com os seus próprios olhos um bebê nascido vivo depois de um aborto:

“Algumas semanas depois, agora no departamento de obstetrícia, eu recuperei uma bolsa de fluído intravenoso que o médico residente havia pedido. O material era para ministrar prostaglandina, uma droga que induz o útero a contrair e expelir o que tem. O paciente fez o mínimo contato visual conosco. Algumas horas depois, eu vi o feto abortado ofegante e movendo as suas pernas em uma arrastadeira, que depois foi coberta com um pano.” [5]

Então, ele descreve um aborto por nascimento parcial realizado sem sucesso em um bebê com hidrocefalia. Primeiro, ele conta o modo como o aborto seria realizado:

“O residente descreveu como ia tirar o corpo do bebê e, então, quando a cabeça estivesse presa, inserir o trocarte – um longo instrumento de metal com uma ponta afiada – através da base do crânio. Durante a fase final desse procedimento, ele indicou que moveria o tubo de sucção várias vezes de um lado ao outro do tronco cerebral, para garantir que o bebê nasceria morto. Vários dos pediatras residentes, incrédulos, disseram: ‘Você está brincando’ ou ‘Você está inventando isso’…” [5]

Depois, descreve o resultado da operação:

“Depois, naquela tarde, o obstetra residente realizou o procedimento, mas, infelizmente, a criança nasceu com o coração batendo e alguns suspiros fracos e ofegantes. Então, o bebê foi trazido à UTI neonatal: era uma criança um pouco prematura, que pesava em torno de 2 quilos. Sua cabeça, em si, estava dilacerada. A cama estava suja de sangue e drenagem. Fiz o meu exame (nenhuma outra anomalia detectada), então anunciei a morte do bebê cerca de uma hora depois.” [5]

O Dr. Ron Paul, que já foi candidato do Partido Republicano à presidência dos EUA, contou a seguinte história em uma propaganda de campanha:

“Aconteceu, uma vez, de eu entrar em uma sala de operações onde estavam realizando um aborto em uma gravidez avançada. Eles retiraram um pequeno bebê que era capaz de chorar e respirar, colocaram-no em um balde, puseram-no no canto da sala e fingiram que ele não estava lá. Desci pelo pátio de entrada e um bebê tinha nascido prematuro – um pouco maior que o bebê que tinham colocado no balde – e eles queriam salvar esse bebê. Ali, eram em torno de 10 médicos fazendo todo o possível para salvar a vida daquela criança.

Quem somos nós para decidir, para escolher e descartar uns e lutar para salvar a vida de outros? A menos que solucionemos isso e entendamos que a vida é preciosa e que devemos protegê-la, não seremos capazes de proteger a liberdade.”

Esses incidentes são apenas a ponta do iceberg. Não se sabe exatamente, ao longo de todos esses anos, quantas crianças nasceram vivas e morreram silenciosamente – ou foram deixadas para morrer – sem que ninguém revelasse o que aconteceu a elas.

Fonte: LifeSiteNews.com | Tradução: Equipe CNP

Referências:

  1. Linda Bird Francke. The Ambivalence of Abortion. New York: Laurel, 1982. p. 53.
  2. Magda Denes. In Necessity and Sorrow: Life and Death in an Abortion Hospital. New York: Basic Books, 1976. p. 39.
  3. In Mark Crutcher. Lime 5: Exploited by Choice. Denton, Texas: Life Dynamics Incorporated, 1996.
  4. David Kuperlain; Mark Masters. Pro-Choice 1990: Skeletons in the Closet. New Dimensions, October 1990.
  5. Hanes Swingle. A Doctor’s Grisly Experience With Abortion. The Washington Times, July 23, 2003. p. A-18.

Quais são os maiores interesses no uso de fetos abortados?

Existem outros interesses em fetos abortados, além dos fabulosos recursos financeiros para o controle populacional

O aborto é entendido como a interrupção da gravidez antes do tempo, isto é, quando o feto ainda não tem condições de subsistir fora do útero materno. O aborto pode acontecer de modo espontâneo ou voluntário. Muitas são as razões de quem busca o aborto voluntário, seja quando a gestação põe em risco a vida da mãe, quando existe o risco de a criança nascer com anomalias ou malformações, em casos de gravidez indesejada, por questões estéticas, psicológicas, para o comércio de tecidos fetais, uso dos órgãos para transplantes etc.

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Foto: Wesley Almeida/cancaonova.com

Quais são os maiores interesses no uso de fetos abortados? 

O comércio de tecidos humanos de fetos abortados; o interesse em transplantes de tecidos e pesquisas com embriões e fetos humanos; os defensores da inseminação artificial; fabricantes de cosméticos e sabonetes, que se utilizam de fetos abortados como matéria prima para seus produtos1 ; a preservação de partes vivas de embriões em cultura de células para obtenção de órgãos para transplantes2; e outros3.

Além dos fabulosos recursos financeiros para o controle populacional, os fabricantes de cosméticos e sabonetes investem milhões de dólares para tornar o aborto legal e a contracepção um programa de governo, objetivando a venda de seus produtos e a expansão de seus negócios. O que menos vem em conta é a vida humana. A ganância supera a mínima preocupação com a ética, a moral, a saúde e o bem-estar de seus clientes.

Conforme o site “LifeSite Daily News” – August 8, 2002 (LSN.ca) -, tecidos de fetos abortados serão vendidos no mercado internacional. A companhia com sede em Melbourne, ES Cell International, disse que vai usar tecido de fetos se for considerado o melhor material para produzir células-tronco embrionárias humanas em grande quantidade para experimentos.

“Protocolo Confidencial Maio” – Agosto de 1999 -, em seu site, apresenta uma tabela de preços de embriões/fetos abortados que variam de acordo com a “idade gestacional”, se é “fresco ou congelado”. Apresenta também outra tabela de acordo com os gastos por serviço.

Trago aqui alguns exemplos:

* Fígado de um feto com 8 semanas ou menos tem 30% de desconto se significativamente fragmentado – US$ 150;
* Fígado de um feto com mais de 8 semanas, tem 30% de desconto se significativamente  fragmentado – US$ 125;

* Baço de um feto de 8 semanas ou menos – US$ 75;
* Baço de um feto com mais de 8 semanas – US$ 50;

*Cérebro de um feto com 8 semanas ou menos, 30% de desconto se significativamente fragmentado – US$ 999;
*Cérebro de um feto com mais de 8 semanas, tem 30% de desconto se significativamente fragmentado – US$ 150.

Dentre todos os crimes que o homem pode realizar contra a vida, o aborto provocado apresenta características que o tornam particularmente grave e detestável. O Concílio Vaticano II o define, juntamente com o infanticídio, como “crime abominável”. “Existem os que ousam trazer soluções desonestas a esses problemas e não recuam até mesmo diante da destruição da vida. Deus, com efeito, que é o Senhor da vida, confiou aos homens o nobre encargo de preservar a vida para ser exercido de maneira condigna do homem. Por isso, a vida deve ser protegida com o máximo cuidado desde a concepção” (Constituição Pastoral “Gaudium et Spes”, 51).

A morte direta e voluntária de um ser humano inocente é sempre gravemente imoral. Importante lembrar o que nos disse São João Paulo II: “Nada nem ninguém pode autorizar que se dê a morte a um ser humano inocente, seja ele feto ou embrião, criança ou adulto, velho, doente incurável ou agonizante”. Todos têm direito à vida. Também o Catecismo da Igreja Católica afirma: “A vida humana deve ser respeitada e protegida de maneira absoluta a partir do momento da concepção. Desde o primeiro momento de sua existência, o ser humano deve ver reconhecidos os seus direitos de pessoa, entre os quais o direito inviolável de todo ser inocente à vida” (Catecismo da Igreja Católica, 2270).

Outro ponto importante, quando se fala de aborto, são as leis que permitem ou não o aborto. Temos de ter a consciência de que nem tudo aquilo que é legal é moral; leis que aprovam o aborto, que não defendem a vida desde o nascimento, são danosas e não merecem ser respeitadas. Nenhuma legislação jamais poderá tornar lícito um ato que é intrinsecamente ilícito. Portanto, o aborto é uma pena de morte decretada contra um ser humano frágil e indefeso. Por isso, com toda certeza, afirmo que a vida humana é sagrada, possui dignidade inviolável e precisa ser defendida e preservada desde a concepção.

No entanto, a vida de uma criança no ventre da mãe deve ser protegida pela lei, cada qual no seu estágio de desenvolvimento. Trata-se de um direito inalienável. Permitir a interrupção dessa vida é praticar o crime de aborto. Não podemos admitir exceções. Independente das condições da mãe ou da criança, a vida humana sempre deve ser preservada. A Igreja se mostra radical quando o assunto é a defesa da vida humana, em particular a indefesa. A defesa da vida humana tem que ser garantida apesar do que possa se desenvolver depois.

“Desde o momento da concepção, a vida de todo ser humano deve ser respeitada de modo absoluto, porque o homem é, na terra, a única criatura que Deus “quis por si mesma”. A vida é sagrada, porque comporta “a ação criadora de Deus” e permanece para sempre em uma relação especial com o Criador, seu único fim” (Donum vitae, p.17).

Assim resumimos: todo ser humano, inclusive a criança no útero materno, possui o direito à vida imediatamente de Deus, não dos pais nem de qualquer outra autoridade humana. Todo aborto voluntário é um atentado contra a vida e é contrário à vontade divina.

Referências:

1 – “Quem Decide? Poder Política e Controle de População” – Tradução da Associação Nacional Provida e Pró-Família.
2 – Comunicado da “American Life League, Inc”, de 21.3.94.
3 – Fonte: Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família

Padre Mário Marcelo Coelho

Mestre em zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (MG), padre Mário é também licenciado em Filosofia pela Fundação Educacional de Brusque (SC) e bacharel em Teologia pela PUC-RJ. Mestre em Teologia Prática pelo Centro Universitário Assunção ( SP), o sacerdote é autor e assessor na área de Bioética e Teologia Moral; além de professor da Faculdade Dehoniana em Taubaté (SP).

Relações homoafetivas como “iguais em direitos” aos matrimônios heterossexuais?

Vivemos numa sociedade em que a homossexualidade vem sendo cada vez mais vista não somente como discriminação a vencer, mas como prática a emular, e em que o estado tem sido o grande educador em matéria sexual.

Por Paulo Vasconcelos Jacobina

BRASíLIA, 15 de Abril de 2015 (Zenit.org) – É sempre muito interessante manter um olhar no passado, ao avaliar o futuro. E quando este olhar vem de fora, vem de alguém que, embora atingido pelo passado, não somente não fez parte da esfera de poder que tomou as decisões que pautaram o presente, como acreditou nelas, foi atingido por elas e as viu desabrochar para o bem e para o mal.

Falo, portanto, aqui, como jurista que, olhando para as grandes tendências da ciência do direito hodierna, percebe que há um sério paralelo entre os desenvolvimentos que nos levaram exatamente ao ponto em que estamos no direito, e que ocorreram nas academias e faculdades de direito, nos tribunais e institutos jurídicos, por um lado, e os grandes passos dados no âmbito da teologia moral dentro da Igreja, desde, digamos, a década de sessenta até hoje; os paralelos são interessantíssimos, e um estudo mais aprofundado é algo que os historiadores ainda nos estão devendo.

O âmbito limitado do presente artigo é muito curto para tanto, mas exploraremos, em especial, dois aspectos que poderiam ser aprofundados num estudo assim. Limitar-me-ei, aqui, a 1) um rápido paralelo entre as discussões ocorridas no âmbito do direito de família, no lado jurídico, e aqueles ocorridos no âmbito da moral sexual, do lado teológico, e 2) um rápido paralelo entre as discussões ocorridas no âmbito da laicidade estatal, do lado jurídico, e aquelas ocorridas no âmbito da teologia fundamental quanto à “transcendentalidade” de uma “opção fundamental por Deus”, que provocou as noções de “cristão anônimo” e de “religião transcendental e categorial”, no lado teológico.

Esta discussão, faço-a aqui com a absoluta falta de autoridade, quanto aos aspectos teológicos, de quem é um mero leigo, um jurista, cuja informação teológica não passa de cultura geral adquirida na qualidade de “católico reconvertido à fé” depois de mais velho; portanto, sujeito às críticas que se faz aos amadores, neste âmbito. Ora, mas se a palavra “amador” é derivada da raiz “amor”, mesmo o leigo mais “amador” pode alegar, em seu favor, quando trata de assuntos assim, pelo menos com o pretexto de que, uma vez que Deus é amor, a sua luz pode chegar aos amadores.

Comecemos com o direito de família. A sua situação, desde a década de sessenta, vem caminhando fortemente no sentido de reconfigurar completamente a unidade familiar, por um lado facilitando sua dissolução, quando se trata de famílias formadas a partir do casamento formal e institucional, quanto, por outro, ampliando grandemente o acolhimento de várias relações de cunho sexual como capazes de serem reconhecidas formal e juridicamente como matrimônios e famílias; fala-se já das relações homoafetivas como “iguais em direitos” aos matrimônios heterossexuais. Isto já se dá por estabelecido, nos corredores da justiça; o próximo passo é o estabelecimento de famílias iniciadas por relações de “poliamor”, que rompem a própria noção de que o matrimônio envolve apenas duas pessoas, para propor “matrimônios múltiplos”, nos quais a própria noção de identidade sexual (ou “de gênero”, como querem os mais avançados) seria superada.

Quanto aos filhos, as discussões vão desde a ampla prática do aborto como meio de controle de natalidade e planejamento familiar, à manipulação embrionária e genética que permite escolher os próprios filhos, quanto a sexo e outras características de saúde e aparência, em laboratório, até a liberação e incentivo ao uso de drogas pelos jovens. Nota-se uma tendência irrefreável à dissociação entre o incremento da responsabilidade financeira dos pais para com os filhos, por um lado, e a progressiva limitação, ou até exclusão, da sua responsabilidade moral com a educação da prole, por outro: de acordo com tais tendências hegemônicas no mundo do direito, caberia ao governo, e não aos pais, educar os jovens em matéria, por exemplo, sexual, de modo a favorecer o “fim das discriminações”.

Agora, a teologia moral católica. Desde a encíclica “Humanae Vitae”, o magistério da Igreja é olhada com desconfiança por alguns teólogos católicos muito lidos e influentes internacionalmente, desde então. Citemos, por exemplo, as linhas de pensamento moral que decorrem de pensadores como Josef Fuchs e Bernard Häring, nas décadas de cinquenta, sessenta e setenta. Após lançar obras promissoras de renovação teológica moral, estes autores ficaram conhecidos pela defesa que fizeram da contracepção artificial, e do arrefecimento da moral cristã tradicional sobre o matrimônio, sob a promessa, então, de apontar um novo caminho que a Igreja deveria adotar para conseguir casamentos mais fortes e lares capazes de produzir filhos mais bem formados a viver suas vocações cristãs, aparentemente pela permissão da contracepção artificial e da legitimidade das segundas e terceiras uniões. Os teólogos morais católicos Pe. Charles Curran e Pe. Richard McCormick, por exemplo, chegaram a defender a autenticidade do “amor homossexual” como forma generosa de expressão de quem sabe que seu amor não visa à geração de uma prole. Outros teólogos morais, cuja brevidade não permite citar e avaliar individualmente aqui, negam que haja algo como “atos intrinsecamente maus” como seria, para a Igreja, o aborto, e defendem que as circunstâncias e as consequências podem tornar bons, em determinadas situações, mesmo aquilo que objetivamente parece mau. Isto não raro em livros e manuais editados pelas próprias casas editoriais católicas.

Vendo retroativamente, pode-se reparar que o mundo de fato caminhou no sentido que apontavam tais juristas e teólogos, mas não necessariamente para melhor: vivemos numa sociedade em que romper laços familiares é muito fácil, quando sequer se tem o desejo de chegar a estabelecer compromissos familiares, e em que a homossexualidade vem sendo cada vez mais vista não somente como discriminação a vencer, mas como prática a emular, e em que o estado tem sido o grande educador em matéria sexual. O aborto multiplica-se, paradoxalmente ao lado da multiplicação de meios anticoncepcionais artificiais que deveriam prevenir eficazmente a concepção indesejada, mas que, a julgar pelo crescimento da demanda abortiva, sua eficácia não corresponde às promessas feitas pelos cientistas.

E temos agora famílias mais fortes e jovens mais bem formados do ponto de vista cristão? Não, a realidade é outra. Prolifera a cultura da morte, aumenta a busca pelas drogas, há uma epidemia de depressão patológica e suicídio, a “guerra do gênero” está cada dia mais visível, as famílias dissolvem-se cada vez com mais rapidez, deixando filhos desamparados e empobrecidos, que por seu lado não querem eles mesmos formar nenhuma família, a crise vocacional eclesial é visível, e a Europa vê-se transformar num deserto populacional, do lado “cristão”, e se vê tomar por uma islamização que se impõe simplesmente pela quantidade e qualidade dos imigrantes, enquanto a América Latina vê multiplicar seitas e propostas religiosas que crescem à custa dos fiéis católicos.

No campo da laicidade estatal, vê-se que a discussão política, hoje, é dominada pelos laicistas radicais, que querem excluir a religiosidade não apenas dos debates políticos, mas da própria vida social, relegando-a ao gueto privado da vida íntima do indivíduo. São maioria.

No campo da teologia fundamental católica, neste mesmo período, e em paralelo com o laicismo, vimos o Pe. Karl Rahner empolgar muitas boas mentes eclesiásticas com sua ideia de uma “opção fundamental por Deus”, que se daria no plano “transcendental” e que não seria abalada por nenhuma conduta religiosa “categorial”, que ficaria relegada ao plano da piedade. Assim, os “cristãos anônimos” seriam aqueles que, tendo feito uma opção fundamental transcendental por Deus, e embora não expressassem nenhuma piedade “categorial” católica, viveriam de forma muito mais leal e efetiva o cristianismo do que aqueles que se apegam a ritos e crenças e não transformam o mundo. Aqui na América do Sul tivemos teólogos como o Pe. John Sobrino, que denunciou que adorar o Santíssimo seria uma verdadeira idolatria, enquanto houvesse injustiça social no mundo. E foi assim que toda manifestação de piedade – que a Igreja sempre viu como virtuosa – foi relegada, por alguns teólogos, ao âmbito da hipocrisia “categorial”, e a única piedade categorial realmente relevante seria aquela do engajamento político irrestrito na tarefa de promover ajustiça social no mundo. Algo com que os laicistas contemporâneos, no mundo jurídico hodierno, não teriam nenhuma dificuldade de concordar.

É certo que, se por um lado estas correntes jurídicas tornaram-se majoritárias em nossos tribunais, casas legislativas e órgãos públicos, no mundo civil, aquelas correntes teológicas nunca se tornaram hegemônicas no mundo eclesial católico, graças à atenção do nosso Magistério, que publicou documentos como as encíclicas “Fides et Ratio” e “Veritatis Splendor”, ou notas como a “Libertatis Nuntius” e a “Dominus Jesus”.

Mas a ideia de que uma Igreja magisterial e piedosa automaticamente representa o detestável Poder, enquanto uma Igreja politicamente engajada com a transformação política representa, em oposição, o adorável “carisma”, ainda tem trâmite amplo no país, pelo menos nos corredores jurídicos. Seja nos Tribunais, seja nas Faculdades de Direito em que transito. Ali, o Papa Francisco é às vezes chamado de “Chiquinho” por quem há muitos anos não põe um pé numa missa, e apresentado como o destruidor da piedade hipócrita categorial, em favor do engajamento social dos “cristãos anônimos” cuja relação com Deus fica bem guardada na estante “transcendental”. Ali, muitas vezes um terço na mão é hipocrisia, e uma camisa com arco-íris, foice e martelo, engajamento salvífico.

“Confesso que estou aprendendo a ser misericordioso”

Superior carmelita no Egito partilha a própria experiência com a misericórdia, “na escola do Papa Francisco” e tendo como “secretaria particular” Santa Teresinha

Por Frei Patrício Sciadini

CAIRO, 13 de Abril de 2015 (Zenit.org) – O  papa Francisco com seu estilo de professor de teologia, de mistico e de mistagogo nos ensina todos os dias coisas novas e velhas. Nos atrai, nos influencia, é um ótimo pedagogo. Ensina mais com os gestos que com as palavras. As palavras, diziam os antigos latinos, voam e os exemplos arrastam. Desde o início de seu pontificado o papa tem falado de misericórdia; uma misericórdia não parcial mas infinita, sem limites. Uma misericórdia não circunscrita pelas leis do direito canônico mas sim pelo coração aberto de Jesus, aberto pela lança do soldado, no alto da cruz, de onde correu sangue e água. A água que purifica e o sangue que lava e doa a vida porque é vida de Jesus. A misericórdia não é coisa que se aprenda em um dia mas é necessário o longo noviciado da vida e especialmente é necessário sair da consciência teórica da misericórdia e descer na vida pratica, no exercício da misericórdia. É no dia a dia que se aprende que misericórdia é o nosso “pão cotidiano”, que sem a misericórdia morremos de fome e nos tornamos duros, insensíveis, intransigentes com os outros e quem sabe desumanos com nós mesmos.

Dizem os estudiosos que na Bíblia a palavra “misericórdia” aparece mais de 400 vezes. Claro que eu não fui contar e nem seria capaz de fazê-lo.  Mas se for verdade o que dizem, que  em cada página está a palavra misericórdia,  eu diria que na Bíblia a palavra “misericórdia” está por trás de cada palavra sagrada.  Não se pode compreender a Palavra de Deus e nem a Deus, sem a misericórdia. Na minha vida existe três fases bem claras que gostaria de oferecer aos meus leitores se por acaso estiverem interessados.

A primeira fase, que eu chamaria da “lei pela lei”, onde eu dizia a mim mesmo e também aos outros: para que existem as leis?  Para serem observadas então devemos saber observá-las e não interpretá-las. Quem erra pague pelos seus erros. Uma fase terrível onde o coração era de pedra, duro, mais com os outros do que comigo, mesmo porque sempre há duas leis: uma para os irmãos e uma para os amigos, e quem sabe uma terceira para si mesmo.

A segunda fase da minha vida foi quando comecei a compreender uma palavra do Evangelho “Bem aventurados os misericordiosos porque encontrarão misericórdia”. Essas palavras de Jesus me escandalizaram bastante mas  comecei a entender, dentro desta dinâmica, que é necessário descer do pedestal do próprio orgulho e da própria “impecabilidade”. Descobri isso quando comecei a cometer pecados e a sentir sobre os meus ombros a dureza  e incompreensão dos confessores, dos professores, dos mestres de Israel. Vi que só sentindo o olhar benigno de Deus sobre mim mesmo, pecador, podia recomeçar o caminho. E como sacerdote e confessor decidi então nunca usar a mão da lei mas sim o coração da misericórdia. E deu certo. Levantar-me dos meus erros  e com Teresa D’ Ávila dizer “cantarei as misericórdias do Senhor”.

A terceira fase é aquela que estou vivendo. Compreendi a misericórdia quando comecei a meditar “que Deus não quer sacrifícios mas misericórdia” e me ajudou Teresa do Menino Jesus e a grande Oração ao Amor Misericordioso de Deus onde a pequena Teresa se oferece vítima não `a justiça de Deus  mas `a misericórdia de Deus. É a fase mais bela da vida. Por que condenar? Por que deixar pesar sobre os ombros dos outros o próprio peso da condenação quando Jesus deu todo o seu sangue para nos perdoar. O melhor caminho para a conversão não é condenar o outro mas abraça-lo no amor e abrir as portas do coração e da casa como fez o pai para o filho pródigo que voltava depois de ter gasto tudo em coisas estúpidas da vida. Lc 15. Ser misericordioso quer dizer: posso estar errado e se alguém quer atirar as pedras sejam elas bem vindas e por misericórdia não vou devolvê-las. Significa reconhecer o erro, o pecado mas dizer sempre para o pecador “coragem, está perdoado, vá em frente”.

Aliás, o evangelista João em sua carta, sintetiza a misericórdia com palavras que deveriam ser gravadas sobre todos os confessionários, não neste Ano da Misericórdia mas sempre: “se em alguma coisa o teu coração te condena, recorda que o coração de Deus é maior do que o teu”. Somente assim podemos sentir o olhar de Deus que penetra  no mais profundo de nós mesmos. Mas não nos condena, estende as suas mãos para nos chamar, para nos abraçar e para nos doar o seu amor.

Na escola do papa Francisco nós aprendemos a gritar contra o mal, contra os mafiosos, os narcotraficantes de drogas e de vidas mas também aprendemos a dizer a todos: convertam-se, Deus é amor e misericórdia. Já estou no ocaso da vida, 70 anos, e ainda me falta uma fase para aprender a misericórdia. A fase mais bela, a que podemos aprender e que o mestre São João da Cruz apresenta na sua oração da Alma Enamorada onde diz: “Senhor, se não encontra em mim nada que te agrade, te ofereço os meus pecados, faça neles o que deseja.” Isto é, que sejam destruídos, anulados, queimados no fogo da misericórdia. Para aprender esta quarta fase da misericórdia devo ainda me sentar não no banco dos juízes mas dos advogados dos pecadores e no banco dos réus, dos pecadores. Ainda me perdoem se cito a minha “secretaria particular” Santa Teresinha: “para compreender os pecadores devemos sentar-nos `a mesa dos pecadores”.

Caminhemos neste Ano da Misericórdia para chegarmos a fazer da misericórdia o pão de cada dia, que nunca falte nem na nossa mesa e nem na mesa dos outros e que possamos sempre condenar os erros mas nunca o pecador. Afinal, não se atraem os pecadores com pedradas mas com amor. Bem dizia a minha mãe Domenica: “se apanham mais mosquitos com uma gota de mel do que com um barril de vinagre”.

A gota de mel é a misericórdia.

Um empresário católico desafia o Obamacare

Um tribunal distrital dá razão à empresa Hercules Industries, que não terá que pagar serviços abortivos e contraceptivos aos próprios empregados

Por Federico Cenci

ROMA, 09 de Abril de 2015 (Zenit.org) – Davi pode vencer Golias. Mais um testemunho disso chega dos Estados Unidos, onde o controverso Obamacare sofreu um grande revés graças a uma família de industriais do Colorado, relutantes com a ideia de baixar a cabeça diante de uma lei que viola a doutrina moral católica.

A Hercules Industries, grande empresa de aquecimento e ar condicionado, com escritórios em cinco estados dos EUA, ganhou a sua batalha contra o Departamento de Saúde dos Estados Unidos. O confronto foi iniciado há três anos, quando a família Newland, de raiz católica, recusou-se a oferecer serviços abortivos e contraceptivos a seus empregados, conforme exigido pela reforma sanitária introduzida pelo Governo, que tem justamente o nome de Obamacare.

Um caso de desobediência civil que, como qualquer ato de coragem, teve dificuldades: a Hercules foi incluída nas salgadas multas impostas às empresas que não respeitam a diretiva. Mas quem persevera, vence. Os Newland recorreram ao Tribunal desde a aprovação da lei (junho de 2012); em março desse ano, depois de longos meses de espera, um juiz distrital emitiu uma injunção permanente em favor dos recorrentes no senso da lei norte-americana sobre a liberdade religiosa de 1993.

Lei que impede que as agências governamentais coloquem “fardos substanciais” sobre a liberdade de empresários para exercer suas crenças. As autoridades administrativas podem subordinar tal liberdade só se é o modo “menos restritivo” para prosseguir um “imperioso interesse do governo”. Caso que não é o da história da Hércules Industries.

William Newland, o mais velho da família, comentou dessa forma a sentença à CNS: “Esta vitória final, que nos protege da obrigação de servir aos nossos funcionários pílulas abortivas, contracepção e esterilização, tem ensinado à nossa família que teve razão de colocar a Deus em primeiro lugar, e lutar para proteger o nosso direito de viver e trabalhar de acordo com a nossa fé”. O mesmo Newland também disse, sobre as sanções econômicas duras que sua empresa teria de pagar se perdesse o caso: “os tesouros espirituais vem antes do que o business”.

Até agora, mais de 300 empresas tentaram uma causa contra o Obamacare e em defesa da liberdade religiosa: um bando de “novos Davi” que depois do julgamento em favor da Hercules Indústrias se sentem mais confiantes.