Eugenia, aborto e a normalização de outros males

A reafirmação das leis que legalizaram o aborto nos Estados Unidos têm por trás uma fantasia antiga e perigosa: a eugenia

Public Discourse [17/06/2019] [14:53]

G. K. Chesterton começa seu livro Eugenia e Outros Males, de 1924, alertando que “o golpe de uma machadinha só pode ser contido enquanto ela estiver no ar”. A machadinha no ar era a eugenia, mas o golpe já atingiu seu alvo nos Estados Unidos.
Num caso da Suprema Corte julgado há três anos, Buck vs. Bell, o Ministro Oliver Wendell Holmes Jr. escreveu um voto sustentando uma lei recém-sancionada na Virgínia que determinava a esterilização obrigatória de pessoas sofrendo de “imbecilidade, idiotia, retardo ou epilepsia” – mesmo diante dos protestos de Carrie Buck, 17 anos, que tinha certo atraso mental, mas não a ponto de ignorar a injustiça que estava sendo perpetrada contra ela.
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Permitindo que o Estado removesse cirurgicamente as trompas de Falópio de Buck, diante de um só voto dissidente, dado pelo único ministro católico da corte, o Ministro Pierce Butler, Holmes escreveu: “É melhor para todo o mundo, em vez de esperar executar filhos degenerados por crimes ou permitir que eles morram de fome por causa da imbecilidade, que a sociedade possa evitar que os claramente inadequados se reproduzam”.
Buck foi uma das 60 mil pessoas esterilizadas nos Estados Unidos no século XX, como notou Clarence Thomas em seu voto dissidente no caso Box vs.Planned Parenthood de Indiana e Kentucky, uma apelação que discutia a questão se o estado de Indiana podia legalmente proibir abortos feitos por causa do sexo, raça ou deficiências do feto que está sendo assassinado. A “ideia perigosa” de Thomas — como Ross Douthat a chamou recentemente — é a de que a história sórdida da eugenia nos Estados Unidos continua sendo relevante para nossa interminável disputa constitucional quanto ao aborto.
De acordo com a jurisprudência da Décima Quarta Emenda da Suprema Corte [que fala sobre o devido processo legal], um estado não pode impor um direito fundamental a não ser que por trás dele haja um interesse que só pode ser satisfeito por meios os menos restritivos possíveis. Supondo, apenas para o bem da argumentação, que haja um direito fundamental constitucional ao aborto, ainda assim o Estado tem interesse em impedir abortos feitos por motivos eugenistas — para se deter a machadinha no ar?
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Respondendo a essa pergunta e associando-a às categorias da análise da Proteção Equânime da Corte, Thomas escreveu um voto dissidente de vinte páginas detalhando a história da eugenia nos Estados Unidos, como o objetivo de demonstrar que a lei de Indiana e “leis parecidas promovem o interesse do Estado em impedir que o aborto se tornasse um instrumento da eugenia moderna”.
Como notou Thomas, o “movimento da pílula anticoncepcional do século XX” se misturou e “se desenvolveu juntamente com o movimento eugenista norte-americano”. Ambos “buscavam ajudar a raça [humana] na eliminação dos inadequados”, como escreveu Margaret Sanger em seu ensaio “Birth Control and Racial Betterment” [Pílula anticoncepcional e melhoramento racial].
Mas Sanger expressava dúvidas já no fim do ensaio, perguntando se “a reprodução de casais saudáveis” ou a “esterilização de certos tipos reconhecidos de degenerados” era capaz de limitar a reprodução “em meio às grandes massas que, por pressão econômica, habitam as favelas e lá, impotentes, geram outras massas impotentes, doentes e incompetentes que reforçam tudo o que a eugenia é capaz de fazer entre aqueles cuja condição econômica é melhor”.
Apesar de Sanger não trilhar por esse caminho, a distância estre este ponto de partida e o aborto eugenista não é muito grande. Poucos anos depois de Sanger ter publicado seu ensaio, o eugenista anglicano progressista William Ralph Inge escreveu abertamente em seu livro Outspoken Essays [Ensaios sinceros] que “o dogma ridículo de que os homens nascem iguais está morto, mas não enterrado. A ‘santidade da vida humana’ precisa abrir caminho para a verdade óbvia de que um jardim precisa ser aparado”. Sem o dogma da santidade da vida humana, o que impede o jardineiro da metáfora de matar as ervas-daninhas?

A questão quanto ao aborto ser usado para fins eugenistas, depois das leis de liberalização do aborto no século XX, era séria. Diante disso, parecia fazer sentido que as pessoas interpretassem os comentários da Ministra Ruth Bader Ginsburg numa entrevista de 2009 para a New York Times Magazine como um aceno positivo para o objetivo eugenista de desestimular a reprodução dos pobres e outros indesejáveis. “Sinceramente, eu achava que, quando o caso Roe [que legalizou o aborto nos Estados Unidos] foi julgado”, disse Ginsburg a Emily Bazelon, “havia uma preocupação quanto ao crescimento populacional, sobretudo das populações das quais não queremos ter muitos representantes. De modo que o caso Roe iria estabelecer um financiamento público para o aborto”.
VEJA TAMBÉM: A perversa “eugenia preventiva” Um novo nome para uma velha fantasiaNuma entrevista posterior para Bazelon, na Yale Law School, Ginsburg insistiu que suas palavras tinham sido reproduzidas com precisão, mas que ela fora “enormemente mal interpretada”. Talvez, e a visão generosa de Bazelon é a de que Ginsburg estava resumindo uma ideia que estava no ar em 1973, mas com a qual ela pessoalmente não concordava (apesar de suas palavras numa entrevista diferente de 2014, na qual ela dizia que “não faz sentido ter uma política nacional que promova o nascimento somente entre os pobres” parecerem endossar tanto os lados positivo e negativo da eugenia).
É impossível dar a mesma interpretação generosa a uma carta de Ron Weddington, um dos advogados do caso Roe vs Wade, ao presidente Bill Clinton em 1992. “Depois de convencer os pobres de que eles não conseguirão sair da pobreza tendo tantas bocas a mais para alimentar”, escreveu Weddington, “você terá de criar meios para evitar a existência dessas bocas a mais”. Isto é, “vasectomias, laqueaduras e abortos” feitos pelo Estado. Para deixar ainda mais claro, Weddington encerrava a carta insistindo enfaticamente que “não precisamos de mais bebês pobres”. A categoria dos “pobres”, claro, geralmente representa outras categorias de “indesejáveis”, seja implícita ou explicitamente.
A tecnologia avançou muito desde 1992 e, como diz Thomas, “com os exames pré-natais de hoje e outras tecnologias, o aborto pode ser facilmente usado para eliminar crianças com características indesejáveis”. Isso levou à eliminação quase completa de crianças com Síndrome de Down em muitos países ocidentais e à disseminação do aborto de acordo com o sexo na Ásia e em algumas comunidades dos Estados Unidos. Além disso, há disparidades raciais nas taxas de aborto em muitas comunidades norte-americanas.

É importante ter em mente que o eu na palavra eugenia significa “bom” – bons genes – e que as pessoas que defendem isso acham que estão defendendo algo de bom para a sociedade e o futuro. E eugenia foi e é um movimento progressista — movimento que se baseia numa visão de desenvolvimento, progresso e perfeição. A história do século XX, contudo, mostra que essa visão do Paraíso leva a resultados do inferno. A busca eugênica pelos bons genes se dá à custa da dignidade e igualdade humanas, deixando de lado o dogma da santidade da vida humana. Em vez de nos alertar que a eugenia pode ser posta em prática aqui, o voto dissidente de Thomas expõe o que já aconteceu aqui, e o Estado está interessado em evitar a volta dessa ideia.
Justin Dyer é professor de ciência política e diretor do Kinder Institute on Constitutional Democracy da University of Missouri.

©2019 Public Discourse. Publicado com permissão. Original em inglês”Leia mais em: https://www.gazetadopovo.com.br/ideias/eugenia-aborto-e-a-normalizacao-de-outros-males/?webview=1

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75 anos do Dia D da 2ª Guerra: foi um padre quem resgatou o real “soldado Ryan”

Pe. Francis Sampson e Desembarque na Normandia

Pe. Francis Sampson e soldados na Normandia – Fotos de Domínio Público

Redação da Aleteia | Jun 07, 2019

O célebre filme de Steven Spielberg é baseado em fatos reais – mas o soldado não se chamava Ryan e seu verdadeiro resgatador foi um padre paraquedista

Na semana em que o mundo recorda os 75 anos do mítico Dia D da Segunda Guerra Mundial (6 de junho de 1944), uma infinidade de heróis que deram a vida pela liberdade não terá o seu nome recordado. Compreende-se, já que não é possível dar o merecido destaque público a uma longa lista de jovens, adultos, idosos, homens e mulheres, civis e militares, cuja bravura só foi conhecida pelos seus próprios companheiros, familiares, amigos e conhecidos mais próximos. Uma das maiores brutalidades da guerra é quase “sutil”: a facilidade e a rapidez com que milhares de vidas heroicas praticamente passam em branco aos olhos do mundo que eles ajudaram a tentar libertar.

É o caso, para o grande público, dos heróis da 101ª Divisão Aerotransportada.

Entre os bravos soldados que saltaram para além das linhas alemãs na Normandia naquele épico 6 de junho de 1944 estava o extraordinário capelão da unidade, o pe. Francis L. Sampson (1912-1996), cuja história arrepiante foi relatada em seu livro de memórias Look at Below: A Story of the Airborne by a Paratrooper Padre (“Olhe para baixo: uma história da Aerotransportada, escrita por um padre paraquedista”, publicado em 1958).

O resgate do soldado Niland

Foi o pe. Sampson, e não o personagem de Tom Hanks, quem recebeu das autoridades militares, na vida real, a missão de localizar em plena guerra o soldado Fritz Niland, que tinha perdido no Dia D os seus três irmãos. As cartas com a notícia da morte de nada menos que três filhos haviam chegado ao mesmo tempo às mãos de sua mãe, tal como retrata o célebre filme “O Resgate do Soldado Ryan“, de Steven Spielberg, em uma das suas cenas mais devastadoras.

A história do filme, que optou por nomes e personagens fictícios, é inspirada nos fatos reais que envolveram os irmãos Niland. E o real responsável pelo resgate do último soldado Niland foi o Padre Sam, como era chamado pelas tropas o sacerdote. Ele encontrou o soldado na praia francesa que tinha recebido o codinome de Utah Beach e se encarregou da sua repatriação aos Estados Unidos.

Um capelão paraquedista

Antes disso, o pe. Sampson tinha vivido o dia do desembarque como mais um entre os paraquedistas. Sua primeira medida ao pisar em terra foi procurar o seu kit de missa, que ele tinha perdido durante o salto sob fogo inimigo. Foi um desafio a mais no meio da escuridão e dos disparos mortais – mas ele conseguiu encontrá-lo.

A universalidade da Igreja nas trincheiras

Aquilo foi só o começo. No mesmo dia, em uma granja na qual atendia vários feridos, o padre se viu flagrado por dois soldados alemães. Eles o levaram, sob mira de fuzil, até uma estrada onde aparentemente pretendiam executá-lo. Foi quando apareceu um terceiro soldado alemão: ele não somente evitou o crime como ainda mostrou ao padre, num gesto cúmplice, uma medalha católica. “Foi reconfortante comprovar a universalidade da Igreja naquele dia”, declarou depois o Padre Sam a respeito do católico do exército inimigo que tinha lhe salvado a vida.

Uma breve e épica homilia

Passados poucos dias, ele celebrou a missa para um grupo de enfermeiras numa igreja que tinha sido quase completamente bombardeada. Só tinham ficado em pé duas paredes e… as imagens de Cristo, de São Pedro e de São Paulo, um fato que todos ali consideraram inexplicável.

Diante daquelas ruínas – e daquelas imagens milagrosamente preservadas, o pe. Sam fez esta breve e inesquecível homilia:

“A imagem nua do Galileu pendurado na cruz sempre inspirou amor e ódio. Nero quis fazer da cruz uma imagem odiosa, levando os cristãos à morte, denegrindo-os, incendiando Roma com cruzes humanas em chamas. Juliano, o Apóstata, disse que conseguiria que o mundo esquecesse o homem da cruz, mas, na sua agonia final, teve de confessar: ‘Tu venceste, Galileu’. Os comunistas proíbem a sua presença porque temem o seu poder contra os seus desígnios perversos. Hitler tentou substituir a imagem de Nosso Senhor na cruz por uma estúpida suástica. Invectivas, falsas filosofias, violência… Todo tipo de instrumento diabólico já foi empregado para arrancar o Cristo da cruz e o crucifixo da igreja. Mas, como as bombas que caíram sobre esta capela, só conseguiram destacá-la mais e mais. A imagem que amamos cresce cada vez mais em nosso entendimento pela veemência do ódio das pessoas más. Cada um de nós tem esta imagem sagrada impressa na alma. Como esta capela, somos templos de Deus. E não importa se estamos despedaçados pelas bombas, pela tragédia, pelas provações e pelos ataques: a imagem do Crucificado ficará de pé se assim nós quisermos. Renovemos ao pé desta cruz as nossas promessas batismais. E prometamos que a Sua imagem revestirá para sempre o nosso coração”.

Uma trajetória cinematográfica

O pe. Sampson foi capturado pelos alemães e passou nada menos que seis meses num campo de prisioneiros. Quando foi finalmente libertado, optou por voltar para o fronte e continuou lutando as batalhas finais da 2ª Guerra Mundial com sua mítica 101ª Divisão Aerotransportada.

O célebre livro de Cornelius RyanThe Longest Day (“O mais longo dos dias”), dedicado ao desembarque na Normandia, fala extensamente deste extraordinário sacerdote católico.

O Padre Sam esteve ainda na Coreia. Em 1967, foi nomeado chefe dos capelães militares e, mesmo na reserva, não quis parar de atender os companheiros paraquedistas no Vietnã.

Em 28 de janeiro de 1996, Deus convocou o pe. Francis L. Sampson para desembarcar no Seu Abraço Eterno. Sobre a terra, o Padre Sam deixou profunda marca tanto na história militar norte-americana quanto, acima de tudo, na alma das milhares de pessoas para quem ele foi testemunha valente de Cristo, inclusive quando, a exemplo do Calvário, tudo parecia condenado às trevas sem fim.

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Adaptado de artigo do site Religión en Libertad

Conheça a história de um pai de família mártir assassinado pelos nazistas

Franz Jagerstatter / Rook76, www.shutterstock.com

LIMA, 07 Abr. 16 / 02:00 pm (ACI).- Uma característica comum nas histórias de todos os santos é que Deus sempre está junto a eles, inclusive nas circunstâncias mais difíceis. Isto é possível perceber com o martírio do Beato Franz Jagerstatter, um pai de família que foi morto durante a ocupação nazista da Áustria.

Franz nasceu em um pequeno povoado de Alta Áustria, foi agricultor e se casou com Franziska Schwaninger na Quinta-feira Santa de 1936. Sua esposa foi uma mulher muito devota e, por sua influência, tornou-se sacristão da igreja deste local, onde começou a ler a Bíblia e conhecer a vida dos santos.

Em 1938, perto do dia do nascimento da mais velha de suas três filhas, os alemães invadiram a Áustria no contexto da Segunda Guerra Mundial.

A Igreja Católica no país havia advertido contra o nazismo durante anos. Os católicos na Alemanha enfrentavam graves restrições, incluindo a proibição da Missa – exceto aos domingos – inclusive para as solenidades mais sagradas e dias festivos.

Em 1937, Pio XI publicou a encíclica Mit Brennender sorge (Com ardente inquietação), que tratava acerca das tensas relações entre a Igreja e a Alemanha nazista.

Jagerstatter foi a única pessoa em todo seu povoado que repudiou e votou contra a anexação da Áustria pela Alemanha nazista em 1938. Estava consternado ao ver que muitos católicos apoiavam os nazistas. Inclusive um cardeal exigiu que todas as paróquias erguessem a bandeira nazista em suas igrejas no dia do aniversário de Hitler.

“Dificilmente poderia existir uma hora mais triste para a fé cristã em nosso país”, escreveu o pai de família.

O hoje beato sentiu naquele momento que não podia chamar a si mesmo de discípulo de Cristo se aceitasse os mandatos de um regime ao qual considerava “satânico”.

A princípio, parecia que ser agricultor lhe impediria de lutar pelo exército da Alemanha, pois requeriam a produção de grandes quantidades de alimentos. Infelizmente, em 1943, a necessidade de mais soldados aumentou e Jagerstatter foi chamado ao serviço ativo.

Dirigiu-se ao centro de indução e anunciou que não lutaria, por isso, foi enviado à prisão militar de Linz. “Estou convencido de que a melhor decisão é dizer a verdade, embora corra perigo de vida”, escreveu.

Amigos, familiares e até mesmo o Bispo local visitaram Jagerstatter na prisão, tentando convencê-lo a se alistar, mas ninguém lhe deu um argumento convincente para que desistisse de suas convicções morais e religiosas ao fazer uso da objeção de consciência.

Em vez disso, todos tentaram convencê-lo de que Deus não o tornaria responsável por fazer o que o obrigavam. Mas não o convenceram.

“Desde a morte de Cristo, cada século foi testemunha da perseguição dos cristãos; sempre houve heróis e mártires que entregaram sua vida – normalmente de maneiras horríveis – por Cristo e sua fé. Se esperamos chegar à nossa meta algum dia, então nós também devemos chegar a ser heróis dá fé”, escreveu Franz Jagerstatter.

O Beato permaneceu de maio a agosto de 1943 na mesma prisão do conhecido pastor luterano e mártir Dietrich Bonhoeffer. Além disso, soube que um sacerdote havia sido martirizado na mesma prisão pelas mesmas razões que ele e muitos outros.

Essa convicção lhe custou a própria vida. Foi levado a Berlim, onde foi condenado à morte. Suas últimas palavras registradas antes de morrer na guilhotina foram: “Estou completamente unido em união interior com o Senhor”.

Durante o Concílio Vaticano II, o testemunho de Jagerstatter ajudou a dar forma à seção do documento Gaudium et spes que menciona as objeções de consciência à guerra.

Foi beatificado 50 anos depois de sua morte pelo então Papa Bento XVI. Suas filhas, netos e bisnetos participaram da cerimônia.

A porta larga da esterilização

Muitos entram por ela

Uma mulher, mãe de quatro filhos, três nascidos e um por nascer, vem a um sacerdote perguntar se é permitido praticar a laqueadura tubária ou ligadura de trompas. Ela explica que os três primeiros partos foram cesáreos e que, segundo o médico, o quarto também deverá ser cesáreo. Haveria assim uma oportunidade de aproveitar a abertura do abdômen para fazer a laqueadura.

O sacerdote, por falta de conhecimento ou de fidelidade à Igreja, diz que, sem dúvida alguma, é lícito àquela senhora laquear suas trompas.

A mulher não se dá por satisfeita, pois ouvira dizer que a laqueadura tubária é um pecado grave. O padre lhe responde:

– Sim, é um pecado grave se for feita por motivo fútil. Mas o caso da senhora é diferente. Com três cesarianas sucessivas, o útero está fragilizado e se tornará mais frágil ainda no próximo parto cesáreo. A laqueadura, em seu caso, será feita para evitar os perigos que uma nova gravidez traria para a senhora e para o bebê. Pode laquear-se sem o menor escrúpulo de consciência.

A mulher sente-se aliviada e agradece entre lágrimas ao padre por aquela solução cômoda. Após a cirurgia, com o recém-nascido nos braços, vem novamente manifestar gratidão ao sacerdote “compreensivo” que lhe apontara a porta larga da esterilização. E a história termina em “final feliz”.

A porta estreita

Imagine-se que a mesma mulher da história anterior tenha ido consultar um sacerdote fiel ao Magistério da Igreja. A resposta dele seria:

– Embora eu compreenda todo o problema pelo qual a senhora está passando, não posso dizer que a laqueadura seja lícita. Essa cirurgia danifica e mutila as trompas de Falópio, que são órgãos que Deus criou para a sublime missão de transmitir a vida.

– Mas o médico disse que se eu não ligar as trompas, vou morrer na próxima gravidez!

– Primeiramente vamos consultar outro médico para verificar se esse perigo existe e se é tão grande assim. Mas ainda que se pudesse assegurar que na próxima gravidez a senhora morreria, nem assim seria lícito recorrer à laqueadura, que é uma esterilização direta.

– O que é uma esterilização direta?

– É uma intervenção que tem como fim ou como meio tornar a pessoa estéril. Se a senhora estivesse com câncer no útero, o médico removeria o útero para extirpar o tumor. Tal cirurgia deixaria a senhora estéril, mas não diretamente. A esterilidade não seria querida como fim nem como meio, mas apenas tolerada como um efeito colateral da cirurgia. No caso da senhora, porém, o médico pretende praticar a esterilização como meio de evitar riscos em uma nova gravidez.

– Mas evitar riscos não é um fim bom?

– Sim, mas o fim não justifica os meios. Não se pode obter esse fim por meio de uma laqueadura, que é uma esterilização direta.

– Então, o que eu devo fazer?

– Se de fato houver motivos sérios para adiar uma nova gravidez, a senhora e seu marido poderão, após o parto, abster-se dos atos conjugais nos dias férteis. A isto se chama continência periódica.

– Mas para mim é muito difícil reconhecer os sinais de fertilidade. Parece que eu sou diferente das outras mulheres.

– Vou conduzir a senhora a um casal que conhece bem a última versão do método Billings, incluindo o caso de mulheres que apresentam umidade constante nos dias inférteis.

* * *

Como se vê, ao dizer não à laqueadura, o padre não pôde despedir sumariamente aquela mulher, como fizera o padre da história anterior. Prometeu levá-la a um outro médico, a fim de confirmar ou não aquele prognóstico sombrio, e ainda ofereceu-lhe um casal para instruí-la corretamente no método Billings.

Para não trair a verdade, aquele sacerdote teve um grande trabalho. Acompanhou aquela mãe e seu marido durante a gestação, o parto e o pós-parto. Deu-lhes palavras de encorajamento e conforto, mas nunca lhes disse que a laqueadura era lícita.

Ao receberem uma instrução atualizada sobre o método Billings, a mulher e seu marido admiraram-se de sua própria ignorância. Quanta coisa eles não sabiam ou haviam aprendido de maneira incorreta!

E ao consultarem o outro médico, indicado pelo padre, o casal entendeu que seu caso não era tão sério assim. Era verdade que a mulher já se havia submetido a três cesarianas, mas isso não equivalia a uma sentença de morte. No caso dela, a cicatrização tinha sido ótima, quase sem deixar vestígios[1]. Provavelmente ela poderia ainda submeter-se a vários partos cesáreos[2].

A história terminou em um verdadeiro final feliz, mas o pastor, que apontou a porta estreita da verdade, teve que se cansar muito.

Reflexões

Várias vezes a Igreja se pronunciou contra a laqueadura usada para impedir os riscos de uma futura gravidez. Pio XII já dizia que em tal caso não se pode aplicar o princípio da totalidade:

Nesse caso, o perigo, que corre a mãe, não provém, nem direta nem indiretamente, da presença ou do funcionamento normal das trompas […]. O perigo não aparece a não ser que a atividade sexual livre leve a uma gravidez. Faltam as condições, que permitiriam dispor duma parte, a favor do todo, em virtude do princípio da totalidade. Portanto, não é permitido intervir nas trompas sadias[3].

Em 1975, a Sagrada Congregação para a Doutrina da Fé emitiu um documento em resposta a perguntas da Conferência Episcopal dos Estados Unidos sobre a esterilização nos hospitais católicos[4], reafirmando a posição de Pio XII:

Toda esterilização que por si mesma, isto é, por sua própria natureza e condição, tem por único efeito imediato tornar a faculdade generativa incapaz de procriar, deve ser considerada esterilização direta […]. Por isso, não obstante qualquer boa intenção subjetiva daqueles cujas intervenções são inspiradas pelo cuidado ou pela prevenção de uma doença física ou mental prevista ou temida como resultado de uma gravidez, tal esterilização permanece absolutamente proibida segundo a doutrina da Igreja.

Se, portanto, constitui pecado grave o uso de um preservativo para tornar estéril um único ato conjugal, quanto maior será a gravidade de uma cirurgia feita para tornar estéreis todos os atos conjugais futuros! Assim adverte o citado documento:

E de fato, a esterilização da faculdade (generativa) é proibida por um motivo ainda mais grave que a esterilização dos atos singulares, uma vez que produz na pessoa um estado de esterilidade quase sempre irreversível.

Em 1993, a mesma Congregação reforçou sua posição ao responder sobre o “isolamento uterino” (= laqueadura tubária) feito para evitar os riscos de uma futura gravidez[5]. Segundo o documento, em tal caso a laqueadura é feita

… para tornar estéreis os futuros atos sexuais férteis, livremente realizados. O fim de evitar os riscos para a mãe, derivantes de uma eventual gravidez, vem portanto perseguido por meio de una esterilização direta, em si mesma sempre moralmente ilícita […].

Se, por absurdo, a Igreja decidisse autorizar um único caso de esterilização direta, deveria, por coerência, autorizar também a anticoncepção e despedir todos os instrutores do método Billings de regulação da procriação. Isso, porém, jamais a Igreja poderá fazer, pois a proibição da esterilização direta não é uma lei criada pela Igreja (e, portanto, reformável por ela), mas uma lei divina, que a Igreja apenas reconhece e expõe fielmente para a nossa observância.

Anápolis, 4 de julho de 2016.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz

[1] “Algumas pacientes são tão ‘boas cicatrizadoras’ que às vezes é difícil ver a cicatriz mesmo depois de quatro cesarianas” (H.P. DUNN. The doctor and Christian marriage. New York: Society of Saint Paul, 1992. Tradução nossa).

[2] “O recorde de cesarianas está em catorze, no Texas” (Kimberly HAHN, O amor que dá vida, São Paulo: Quadrante, 2012, p. 111).

[3] Edvino FRIDERICHS. Mensagem de Pio XII aos médicos, 11. ed. São Paulo: Paulinas, 1960. Duas respostas de Pio XII ao XXVI Congresso Italiano de Urologia (08.10.1953), p. 319.

[4] SAGRADA CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Resposta sobre a esterilização nos hospitais católicos. 13 mar 1975, AAS 68 (1976), 738-740.

[5] CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA DA FÉ. Respostas às duvidas propostas sobre o ‘isolamento uterino’ e outras questões. 31 jul. 1993. AAS 86 (1994) 820-821.

Siga sua consciência

Sexta, 05 Janeiro 2018 16:36

Mas antes procure convertê-la à verdade e ao bem

É dever do homem obedecer a Deus. A lei divina é a norma universal e objetiva da moralidade. Mas quem aplica essa lei a cada caso concreto? A consciência moral. Ela é a norma próxima da moralidade pessoal. É ela que julga se esta ação concreta está ou não de acordo com a lei divina (que é abstrata).

Eis um exemplo de juízo de consciência:

É proibido matar diretamente um inocente.

lei moral objetiva

Ora, expulsar do útero uma criança de três meses é matá-la diretamente.

caso concreto

Logo, eu não posso induzir a expulsão deste bebê prematuro cuja bolsa se rompeu.

ditame da consciência

Sobre a consciência moral, assim se exprime o Concílio Vaticano II:

No fundo da própria consciência o homem descobre uma lei que não impôs a si mesmo, mas à qual deve obedecer; essa voz, que sempre está chamando ao amor do bem e à fuga do mal, soa no momento oportuno, na intimidade do seu coração: faze isto, evita aquilo. O homem tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus: a sua dignidade está em obedecer-lhe, e por ela é que será julgado (cf. Rm 2,14-16)[1].

Segundo São João Paulo II, o trecho acima da Carta aos Romanos, a que o Concílio se refere,

… indica o sentido bíblico da consciência, especialmente na sua conexão específica com a lei: ‘Porque, quando os gentios, que não têm lei, cumprem naturalmente os preceitos da lei, não tendo eles lei, a si mesmos servem de lei. Deste modo, demonstram que o que a lei ordena está escrito nos seus corações, dando-lhes testemunho disso a sua consciência e os seus pensamentos, quer acusando-os, quer defendendo-os’ (Rm 2,14-15)[2].

Prossegue o Santo Padre em sua belíssima encíclica Veritatis Splendor:

De acordo com as palavras de S. Paulo, a consciência, de certo modo, põe o homem perante a lei, tornando-se ela mesma ‘testemunha’ para o homem: testemunha da sua fidelidade ou infidelidade relativamente à lei, ou seja, da sua essencial retidão ou maldade moral (VS 57).

[…]

S. Paulo não se limita a reconhecer que a consciência faz de ‘testemunha’, mas revela também o modo como ela cumpre uma tal função. Trata-se de ‘pensamentos’, que acusam ou defendem os gentios relativamente aos seus comportamentos (cf. Rm 2,15). O termo ‘pensamentos’ põe em evidência o caráter próprio da consciência, o de ser um juízo moral sobre o homem ou sobre seus atos: é um juízo de absolvição ou de condenação, segundo os atos humanos são ou não conformes com a lei de Deus inscrita no coração.

[…]

A consciência formula assim a obrigação moral à luz da lei natural: é a obrigação de fazer aquilo que o homem, mediante o ato da sua consciência, conhece como um bem que lhe é imposto aqui e agora. […]. O juízo da consciência […] formula a norma próxima da moralidade de um ato voluntário, realizando a ‘aplicação da lei objetiva a um caso particular’ (VS 59).

Ora, não é tarefa de um juiz fazer a lei, mas aplicar a lei a determinado caso. Assim, a consciência não cria a lei moral. Não se pode simplesmente dizer a alguém “siga a sua consciência” sem procurar formar a consciência daquele que está em dúvida.

O juízo da consciência não estabelece a lei, mas atesta a autoridade da lei natural e da razão prática face ao bem supremo, ao qual a pessoa humana se sente atraída e cujos mandamentos acolhe: ‘A consciência não é uma fonte autônoma e exclusiva para decidir o que é bom e o que é mau; pelo contrário, nela está inscrito profundamente um princípio de obediência relacionado com a norma objetiva, que fundamenta e condiciona a conformidade das suas decisões com os mandamentos e proibições que estão na base do comportamento humano’ (VS 60).

São João Paulo II, citando novamente o Concílio Vaticano II, alerta-nos que a consciência não está isenta da possibilidade de erro:

Não raro, porém, acontece que a consciência erra, por ignorância invencível, sem por isso perder a própria dignidade. Outro tanto não se pode dizer quando o homem se descuida de procurar a verdade e o bem, e quando a consciência se vai progressivamente cegando, com o hábito do pecado[3].

A consciência, portanto, “não é um juiz infalível: pode errar. Todavia o erro da consciência pode ser fruto de uma ignorância invencível, isto é, de que o sujeito não é consciente e donde não pode sair sozinho” (VS 62). Neste caso, ensina-nos o saudoso Papa, “o mal cometido por causa de uma ignorância invencível ou de um erro de juízo não culpável não pode ser imputado à pessoa que o realiza” (VS 63).

Para ilustrar o que diz a encíclica, imaginemos que alguém viva em um ambiente em que todos julgam que a eutanásia é um ato de misericórdia. Um homem, imerso nessa “cultura da morte”, vê a sua mãe debatendo-se em dores por causa de uma doença incurável. Ele não tem a menor dúvida de que é lícito aplicar uma injeção de veneno na mãe a fim de que ela morra e deixe de sofrer. Sua consciência – invencivelmente errônea – julga que é até um dever filial matar a mãe em tais circunstâncias. Ao praticar a eutanásia em sua mãe, tal pessoa não cometeu pecado. No entanto, um homicídio ocorreu: uma desordem objetiva. Explica-nos São João Paulo II:

Também neste caso, aquele não deixa de ser um mal, uma desordem face a verdade do bem. Além disso, o bem não reconhecido não contribui para o crescimento moral da pessoa que o cumpre: não a aperfeiçoa nem serve para encaminhá-la ao supremo bem. Assim, antes de nos sentirmos facilmente justificados em nome da nossa consciência, deveríamos meditar as palavras do Salmo: ‘Quem poderá discernir todos os erros? Purificai-me das faltas escondidas’ (Sl 19,13). Existem faltas que não conseguimos ver e que, não obstante, permanecem culpáveis, porque nos recusamos a caminhar para a luz (cf. Jo 9,39-41) (VS 63).

Essas palavras fazem-nos lembrar as de São Paulo: “Verdade é que a minha consciência de nada me acusa, mas nem por isso estou justificado; meu juiz é o Senhor” (1Cor 4,4).

Daí a necessidade de “formar a consciência, fazendo-a objeto de contínua conversão à verdade e ao bem” (VS 64). […] “Uma grande ajuda para a formação da consciência têm-na os cristãos, na Igreja e no seu Magistério” (VS 64).

A autoridade moral da Igreja, que se pronuncia sobre as questões morais, não lesa de modo algum a liberdade de consciência dos cristãos:

● não apenas porque a liberdade de consciência nunca é liberdade ‘da’ verdade, mas sempre e só ‘na’ verdade;

● mas também porque o Magistério não apresenta à consciência cristã verdades que lhe são estranhas, antes manifesta as verdades que deveria já possuir, desenvolvendo-as a partir do ato originário da fé (VS 64).

S. João Paulo II adverte contra o erro de reconhecer um “duplo estatuto da verdade moral”. Haveria uma verdade moral doutrinal e abstrata e outra verdade moral mais concreta. “Esta – diz o Papa – tendo em conta as circunstâncias e a situação, poderia legitimamente estabelecer exceções à regra geral, permitindo desta forma cumprir praticamente, em boa consciência, aquilo que a lei moral qualifica como intrinsecamente mau” (VS 56).

Ilustremos essa posição com um exemplo.

Uma senhora pergunta a um sacerdote se é lícito usar algum anticoncepcional. Ela desejaria ter filhos, mas seu marido, que não compreende o valor da família numerosa, fica furioso a cada gravidez. O sacerdote sabe que todo ato conjugal deve ser aberto à vida. Logo, sua resposta deve ser negativa. Mas ao dizer “não” à anticoncepção, o sacerdote deve assumir a obrigação de formar a consciência daquele casal. Será necessário conversar com o marido para fazê-lo ver que “os filhos são uma bênção do Senhor” (Sl 126,3). E se o padre constatar que há alguma razão séria para que eles posterguem uma nova gravidez, deverá procurar alguém que os instrua em algum método natural de regulação da procriação. Tudo isso é muito trabalhoso e gera oposições. Para evitar esse fardo, o sacerdote adota uma solução cômoda e simplista: explica a doutrina da Igreja contrária à anticoncepção, mas acrescenta que, levando em conta aquela situação concreta, o casal deve apenas “seguir sua consciência”. Dá a entender assim que o casal pode, em boa consciência, contrariar a lei moral objetiva. Se o casal, confiando na ciência e na honestidade do padre, praticar a anticoncepção, obviamente não cometerá pecado. O sacerdote, porém, será responsável pelo mal, pela desordem objetiva que, podendo e devendo evitar, permitiu.

O que aqui se disse sobre a anticoncepção, vale, com gravidade ainda maior, para as permissões concedidas à laqueadura e à vasectomia (que são esterilizações diretas), e para todo aborto diretamente provocado, ainda que se afirme (por desconhecimento médico ou por desonestidade) que ele é necessário para salvar a vida da gestante. Como é grande a culpa dos pastores que, ao invés de apontarem a porta estreita que conduz à vida, apontam a porta larga do pecado como uma opção moralmente aceitável! E tudo isso em nome das “circunstâncias concretas”, da “prática pastoral”, da “misericórdia” e da “consciência” …

Anápolis, 5 de janeiro de 2018.

Pe. Luiz Carlos Lodi da Cruz.

Presidente do Pró-Vida de Anápolis.

[1] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.

[2] JOÃO PAULO II, Veritatis Splendor, n. 57. Doravante esta encíclica será citada pela sigla VS. Os destaques são e serão sempre do original.

[3] Constituição Pastoral Gaudium et Spes, n. 16.